Do Blog Alerta Total. Traduzido porArlindo Montenegro.
Documento Base XVI ENCONTRO DO FORO DE SÃO PAULO
Buenos Aires, 17 a 20 de agosto de 2010
Ampliar a unidade do partidos progressistas, populares e de esquerda, aprofundar as mudanças, derrotar a contraofensiva da direita e consolidar a integração regional
Nos dias 2,3 e 4 de julho de 1990, realizava-se na cidade de São Paulo o Encontro de Partidos e Organizações Políticas da Esquerda da América Latina.
Quando se dissolvia o bloco socialista europeu e a poucos meses do então previsível fim da URSS, a Declaração de São Paulo, aprovada no Encontro dos Partidos e Organizações Política da Esquerda da América Latina e do Caribe, em 4 de julho de 1990, afirmava: “Condenamos (…) toda pretensão de utilização da crise na Europa Oriental, para dar alento à restauração capitalista, anular as conquistas e direitos socialistas ou alimentar ilusões sobre as inexistentes bondades do liberalismo e do capitalismo (...)”
Naquele instante ficaram definidas “as bases de um novo conceito de unidade e integração continental... o que incluía a reafirmação da soberania e autodeterminação da América Latina e das nossas nações, a plena recuperação de nossa identidade cultural e histórica e o impulso para a solidariedade internacionalista dos nossos povos”
Nascia o Foro de São Paulo, que se manteve nestes vinte anos resistindo ao liberalismo e contribuindo muito para as vitórias da esquerda, como se pode confirmar analisando a onda de governos de esquerda, populares e progressistas desde 1998.
As declarações finais aprovadas pelos 15 encontros mantidos até o presente, bem como os documentos base e as resoluções elaboradas por distintas instâncias do FSP, dedicaram-se a caracterizar o capitalismo neoliberal e o imperialismo contemporâneo e a sistematizar ad ideias gerais das alternativas democráticas e populares.
Se o FSP nasceu num momento em que o neoliberalismo parecia avançar sem resistências, hoje, comemorando o Bicentenário dos numerosos processos independentistas latino americanos e caribenhos, podemos afirmar que o FSP é uma iniciativa vitoriosa, mas tem diante de si grandes desafios, entre os quais estão: ampliar a unidade do partidos progressistas, populares e de esquerda, aprofundar as mudanças, derrotar a contraofensiva da direita e consolidar a integração regional.
Estes são os principais desafios na agenda do XVI encontro do FSP, que se realizará nos dias 17 a 20 de agosto de 2010, em Buenos Aires.
Como contribuição para os debates, o Grupo de Trabalho do FSP apresenta este documento base, composto por uma Introdução e dois capítulos analisando a crise internacional e as tarefas do FSP.
INTRODUÇÃO
A constituição da AL foi profundamente marcada pelo processo de colonização e na sequência pelo neo colonialismo, criando uma forma de estado que sistematicamente aniquila e extermina, primeiro os nativos e depois as camadas populares, escravos, camponeses, trabalhadores e a classe média progressista. Isto sem alcançar uma soberania real, salvo por pouco tempo e com honrosas exceções.
Neste processo denso e complexo, surgem os grandes atores do cenário latino americano, entre os quais destacamos os movimentos e partidos populares, com duas diversas manifestações de resistência social, política e cultural, protesto, rebeldias e insurreições.
Do mesmo modo, foi a reunião no Palácio de Miraflores que permitiu a virada “bolivariana” de Chávez. Em Buenos Aires, Kirchner é o produto das jornadas de 19 e 20 de dezembro de 2001. E Correa surge das grandes mobilizações do povo equatoriano. A mesma coisa se pode dizer de Lula, cuja vitória eleitoral se compreende pelas lutas dos trabalhadores brasileiros, rurais e urbanos
Sem estes movimentos, seria incompreensível o êxito da estratégia adotada pela esquerda latino americana, que tem uma de suas expressões nos governos populares da esquerda e progressistas, cada um com particularidades próprias.
No decorrer do tempo se criou uma crescente fraternidade e aproximação entre os governos progressistas, os partidos, os movimentos sociais e os povos de nossos países, tendendo para a união da AL como um todo único, numa integração continental e também em formas diversas de união regional.
Entre as várias expressões de integração latino americana e caribenha, tem papel muito importante a Alternativa Bolivariana (ALBA). As relações solidárias e cooperativas daí derivadas, constituem uma importante expressão das possibilidades abertas pela existência de governos de esquerda no continente.
Também se destaca a criação da UNASUL, em 23 de maio de 2008. Mas o maior passo dado foi a reunião cume da Unidade Latino americana e Caribenha, na Riviera Maya, próximo a Cancun, no México, em fevereiro de 2010, com a constituição de um organismo regional da Comunidade de Estados Latino Americanos e Caribenhos (CELAC). É a primeira vez na historia do continente que se cria um organismo com estas características. Um degrau superior na dinâmica de integração, que de certo modo recolhe os postulado originais de Bolívar e Martí.
A mesma OEA também foi cenário de mudanças substanciais nas relações entre o império do norte e as nações ao sul do Rio Bravo. Recentemente, para assumir a secretaria geral, foram recusados três candidatos propostos pelos EUA, que antes manobrava com o cargo à sua vontade. O Conselho Permanente da OEA, reunido em 4 de março de 2008, expressou um repúdio quase unânime à violação da soberania e integridade do território equatoriano por parte das tropas colombianas, com ajuda dos EUA, em Sucumbios, no 1 de março de 2008.
A 39a. Assembleia Geral da OEA, em San Pedro Sula, Honduras, em 3 de junho de 2009, resolveu por unanimidade deixar sem efeito a resolução adotada em l962, pela Conferencia de Chanceleres, que expulsou Cuba do sistema interamericano.
Neste período ganhou força a presença internacional da AL. Seja na atuação de vários países no G-20, na criação do BRIC e de iniciativas como o acordo tripartite Brasil-Irán-Turquia, que propôs uma base de negociação pacífica sobre o problema nuclear iraniano, ante o perigo de agressão iminente. O resumo, configura uma nova geografia mundial, com a participação da AL.
A nova realidade é observada com maior clareza, comparando-se o panorama de há 3 décadas, marcado pela série de ditaduras militares promovidas pelo império do norte, seguidas pelo domínio não compartido das doutrinas e práticas políticas do neoliberalismo e do “pensamento único”.
Mudaram também as características sociais dos governos, com casos paradigmáticos como o de um operário metalúrgico ou um líder indígena alçados à presidência por milhões de votos dos compatriotas. Mudou também a estrutura dos partidos políticos que acompanham o governo. Velhos partidos que dividiam o poder tradicionalmente, ficaram na beira do caminho. Outros ocupam o lugar e se fortalecem em contato com o povo.
A política da esquerda no governo gerou benefícios concretos para a população, particularmente os setores mais excluídos. Estendeu e aprofundou a democracia, abrindo caminho para novas formas participativas e diretas. Defendeu os direitos humanos em toda sua extensão. Levanta-se em defesa da soberania nacional. Exemplos concretos estão na expulsão das tropas norte americanas da base de Manta, no Equador (como antes, da base de Vieques em Porto Rico), a campanha contra as bases militares na Colômbia e contra a reativação da IV Frota da Marinha de Guerra dos EUA, anexa ao Comando do Sul.
Existe um vívido contraste entre a nova realidade política da AL e da Europa. A maioria dos países integrantes da UE tem governos de direita e ultra direita, com forte componente xenófobo e racista, como se depreende das novas leis de imigração. Estes governos pretendem que o peso da tremenda crise iniciada em 2008, caia sobre as costas de seus povos e dos países emergentes, o que gerou movimentos de protesto dos trabalhadores e de setores populares. Já os países da AL governados por progressistas, resistiram melhor às consequências de uma crise que não promoveram.
Diante disto se vem consolidando na última década a intenção de uma contraofensiva por parte dos antigos setores dominantes, que querem reconquistar os governos de seus países, com o objetivo de impedir que este novo caminho se consolide e se torne irreversível.
Esta contraofensiva se traduz no intento de transplantar ao nosso continente uma política de militarização e guerra preventiva, baseada essencialmente no Plano Colômbia, com a instalação de bases militares dos e EUA naquele país, onde as tropas yanques gozarão de total impunidade, ameaçando todos os países da região. A isto se junta a ressurreição da IV Frota, como instrumento de intervenção potencial. A cruenta agressão armada de tropas colombianas, apoiadas pela tecnologia e serviços de inteligência dos EUA em território equatoriano, prova os perigosos alcances desta política, que determinou o rompimento de relações por parte do Equador. A eleição de Juan Manuel Santos – que era ministro da Defesa de Uribe, na época da invasão do Equador – para a presidência da Colômbia, implica no risco de agravamento desta política, juntando seu repúdio expresso às trocas humanitárias, reivindicação sustentada por vastos setores da sociedade colombiana.
Além da Colômbia, as forças de direita conseguiram impor seu candidato, com a eleição de Ricardo Martinelli no Panamá, em substituição a Martin Torrijos, presidente da Internacional Socialista da AL; deram o golpe de estado em Honduras e elegeram Sebastian Piñera no Chile, com apoio de um grupo de origem pinochetista, para governar depois de quatro governos da “Concertación”.
Neste mesmo período, a esquerda conseguiu vitórias importantes no Uruguai, Bolívia e Equador, impedindo que a contra ofensiva da direita se transformasse numa reversão do processo de mudanças. Continua o conflito entre os projetos nacionais e populares e os projetos oligárquicos que sempre atuaram em conivência com as potências imperialistas. Nas atuais condições mundiais, os projetos populares da AL, têm melhores condições que há uma década, para marchar na direção de uma nova sociedade com justiça, equidade e soberania, uma sociedade socialista.
A CRISE INTERNACIONAL
O cataclismo financeiro que começou nos EU e se espalhou rapidamente pelo mundo, não é uma crise financeira e sim uma crise do sistema capitalista. É uma crise que se prevê de longa duração, articulada com o surgimento de um mundo multipolar.
A recuperação é muito incerta e existem muitos riscos de uma nova recessão global. A crise grega já se transformou numa crise regional da zona do Euro e num fator de desestabilização mundial.
O custo da crise foi alto com forte empobrecimento e desemprego. A escassez de oportunidades de trabalho continuará elevada no mundo por muitos anos. O desemprego nos países de economia avançada chegou perto de 9% e no mundo ficou em 8% em 2009. Em 2010 as previsões são mais pessimistas podendo chegar a 8.4%. O desemprego nos EUA ficará em quase 10% e será maior na zona do Euro, entre 9.4 e 10.5% (na Espanha chegará aos 20%). A estes números somem-se aqueles que trabalham em tempo parcial. Os altos níveis de desemprego (e emprego precário) nas economias desenvolvidas servem como indicador do custo da crise e da fragilidade da recuperação.
No final de 2008 a economia norte americana chegou à beira do colapso. A intervenção do governo impediu. O déficit publico médio nas economias avançadas no ano passado foi de 9%. Antes se insistia no equilíbrio com margem de 3%. O déficit gerou o endividamento massivo dos governos, que seguirá crescendo, provavelmente até alcançar 100% do PIB, 35 pontos a mais que antes da crise.
Outro sinal diferenciado da grande recessão foi a diferença do impacto por regiões e países. As economias mais avançadas foram mais afetadas que as emergentes. De fato, como epicentro do terremoto, os EUA exportaram a crise a outras regiões.
A queda do produto mundial em 2009 foi de -0.9%, mas as economias avançadas registraram -3.2%, enquanto as economias emergentes cresceram 2.4%. O comércio mundial teve uma queda de quase -11% devido a redução das importações das economias avançadas (-12%). Isto provocou a queda de preços das matérias-primas, sobretudo o petróleo (-36.3%). As quedas mais acentudas do produto foram registradas na Alemanha, Japão, Reino Unido e Russia. As economias que cresceram foram as da China e India.
A previsão para 2010 para as economias avançadas é um crescimento de 2.3% e as economias emergentes e em desenvolvimento crescerão 6.3%, constituindo-se assim em motor do crescimento mundial.
A zona do Euro transformou-se em zona instável devido à Grécia, mas tem outros elos frágeis nas economias da Espanha, Portugal, Italia e Irlanda.
A crise grega precisou de um mega empréstimo da UE e do FMI, acertado no início de maio (720 milhões de euros: 500 da UE e 220 do FMI). É preciso ver se o brutal ajuste das finanças gregas vai poder ser implementado no médio prazo. É preciso observar também a evolução de outros casos, como da Espanha, onde está sendo aplicado um duro plano de ajuste. Sem dúvida, estas políticas provocaram mais desemprego e crescimento lento do PIB. Nem os mega resgates, nem as políticas de ajuste garantem a rápida estabilização da eurozona. No curto prazo, o mundo continuará refém das corridas às bolsas, desvalorização e reavaliação de moedas.
Neste cenário de instabilidade não está descartada uma nova recessão geral.
O sistema bancário continua entalado. Os créditos não são restabelecidos. Os bancos continuam com problemas de resgates vultuosos. Obtêm grandes lucros mas oferecem pouco crédito. Os governos esgotaram suas margens de manobra. Não podem baixar mais a taxa de juros, nem endividar-se mais para injetar dinheiro na economia ou nos bancos.
A recuperação é delicada. No fundo porque há um reduzido consumo privado nas economias desenvolvidas, baixo nível de inversão, pouco crédito e alto desemprego. A recuperação econômica se mantem baixa, sem acompanhar o volume da queda.
Nas economias emergentes a situação é melhor, com aumento da procura e dos investimentos. Sem conhecer choques financeiros. Mas uma nova queda nas economias desenvolvidas ou um pânico financeiro colocariam em perigo as economias em desenvolvimento, com a redução de exportações afetando o ritmo de crescimento.
Persiste ainda um sério desequilíbrio entre as economias do mundo. Os EUA consomem muito e se endividaram muito, enquanto a China, consome pouco e se transformou em grande credor mundial, particularmente do governo dos EUA. Estes desequilíbrios aparecem no mercado mundial. Existem economias exportadoras (isto é, que exportam uma proporção muito elevada do total nacional produzido) e países que importam em grandes quantidades (em relação à produção total e ao comércio internacional do mundo). Não são economias complementares e sim uma globalização deformada, insegura, de baixo crescimento, sujeita a crises recorrentes e com profundas desigualdades nas nações, nas regiões e no mundo.
Até agora, a crise não avançou para uma nova ordem econômica mundial. Foram rasgadas as receitas de políticas neoliberais. Mas na Grécia e na Espanha aquelas mesmas receitas continuam sendo aplicadas, o mesmo ajuste imposto pela ALALC há 20 anos. No concernente à governabilidade mundial e criação de novas instituições multilaterais, praticamente nada mudou, a pesar das reuniões do G20 que se reúne para tomar decisões. Exemplificando, a proposta da China e outras nações para a criação de uma nova moeda de reserva mundial, substituta do dólar, continua sem resolução.
Também não avança uma grande reforma financeira que acabe com os paraísos fiscais e instrumentos especulativos (como os CDS, credit default swaps, e outros, conhecidos como derivados, como os hedge funds). Até o FMI propõe um imposto especial aos bancos, um fundo de reserva para futuros resgates de empresas financeiras. Por enquanto esta reforma está parada. O Congresso norte americano acaba de aprovar uma tíbia proposta de regulamentação.
É bom lembrar que o capital financeiro foi o maior beneficiário da globalização neoliberal. Seu poder foi imenso. A crise golpeou o sistema, mas os planos de resgate, sobretudo nos EUA, foram direcionados para reforçar esta estrutura de poder. O mundo continua nas mãos dos especuladores.
América Latina, menos golpeada
O caso da AL e do Caribe foi diferente das economias desenvolvidas. A crise não foi tão profunda porque em vários países foram aplicadas políticas que compensaram o impacto recessivo. Estas políticas foram possíveis porque alguns países acumularam reservas monetárias que puderam ser utilizadas diante da queda de exportações e fuga de capitais. As reservas foram acumuladas no auge econômico anterior à crise, graças às altas cotações da matéria-prima e entrada de capitais. Destacam-se ainda as políticas redistributivas que os governos progressistas puseram em prática, antes e durante a crise.
Na AL e Caribe, durante 2010 o perdido em 2009 será recuperado: a queda no último ano foi de quase -2%, mas o crescimento em 2010 será de 4%. Quase todos os países crescerão mais que o retrocesso do ano passado. Apenas uma exceção, o México, que em 2009 sofreu uma queda de quase -7% e em 2010, no melhor dos casos, crescerá 4%.
Mesmo assim a contração regional em 2009 foi moderada (a diferença entre a taxa de crescimento entre 2009 e 2007), na casa dos 6.3 pontos percentuais. Isto é, não fosse a crise a AL e Caribe estariam 6.3% em termos de crescimento do PIB, seria mais rica.
Apesar do impacto moderado da crise (com exceção do México), a pobreza aumentou na região. Calcula-se que o número de pobres na AL e Caribe se incrementou em 10 milhões de pessoas em 2009, segundo o Banco Mundial. Isto significa que retrocedemos, pois nos cinco anos anteriores o avanço foi significativo. É preciso esclarecer que dos 10 milhões, cinco correspondem ao México.
Segundo o Banco Mundial, “Enquanto se calcula que 60 milhões de latino americanos saíram da pobreza entre 2002 e 2008, entre 9 e 10 milhões ficaram pobres em 2009. O número de pobres teria sido maior se os governos não tivessem quebrado com as tradições, fortalecendo-se em alguns casos com programas de assistência social. Espera-se que o número de novos pobres se reduzirá significativamente no final de 2010”.
Segundo a OIT “estima-se que 3.5 milhões de trabalhadores ficaram desempregados na AL e Caribe, cifra relativamente baixa em comparação com a força de trabalho de 270 milhões de trabalhadores”. O desemprego na ALC, segundo as últimas estimativas subiu para 22.5 milhões no fim de 2009. E os salários foram reduzidos. A crise do emprego na ALC contrasta com o passado, quando o desemprego aumentou, cresceu a informalidade e houve uma queda severa do salário real.
Em síntese, o custo da crise foi relativamento baixo mas houve um retrocesso. O impacto foi superior no México, tanto pela recessão como pelo número de desempregados, sem tendência a recuperação em 2010.
Neste caso Mexicano, demonstra-se como é custosa a continuidade de políticas neoliberais, comparando com a maioria dos países que romperam o modelo, com a ascenção de governos da esquerda. A razão fundamental da exceção mexicana deve-se à vinculação com os EUA, mediante o Tratado de Livre Comércio da América do Norte, a pouca diversificação na direção de outros mercados mundiais, o abandono da agricultura e a dependência alimentar implicada, bem como a acentuada dependência de petróleo.
A decisão de manter a integração com os EUA, mediante o Tratado de Livre Comércio, exigiu a continuidade das políticas neoliberais. Esta experiência demonstra o fracasso da direita latino americana face às políticas praticadas pelos governos de esquerda, como é o caso dos países do Cone Sul.
Muitos países adotaram um programa de mudanças que permitiram aumentar a demanda interna mediante a recuperação do salário e da ocupação, implementação de programas sociais contra a pobreza, mecanismos de integração comercial e diversificação de mercados internacionais. O México não fez nada disto. O custo foi imenso, resultando em maior impacto com a crise mundial
Mesmo assim é preciso ter cuidado. Os efeitos da crise criam uma situação mais difícil para os governos de esquerda, o que pode favorecer as oposições da direita. É preciso lembrar que quando aumenta a pobreza e o desemprego, os cidadãos tendem a cobrar a conta aos governos e não à oposição, mesmo que esta proponha a volta do modelo neoliberal. Agrava-se o descontentamento social com as demandas insatisfeitas, o que pode gerar situações mais difíceis para os governos progressistas.
A crise é produto do sistema que a esquerda pretende mudar e se apresenta como uma oportunidade propícia para a iniciativa dos governos.
Um balanço político
A direita latino americana e caribenha, com seus aliados europeus e estadunidenses, estão implementando uma contra ofensiva, buscando recuperar os espaços perdidos desde 1998.
Isto inclui a ampliação da presença militar na região, o golpe em Honduras, as campanhas políticas contra Cuba e Venezuela, assim como a vitória da direita no Panamá, Chile e Colômbia.
Esta contraofensiva se realiza precisamente porque, desde 1998, existem sinais de uma ofensiva da forças populares – mesmo condicionada pela correlação de forças mundiais. Por isto, a continuidade da luta política entre os setores populares e a direita é a marca dos últimos anos.
Uma confrontação entre dois blocos, uma disputa renhida pelos rumos do nosso continente. Mas as forças populares continuam avançando. Como exemplo temos a reeleição de Evo Morales na Bolívia e de Rafael Correa no Equador. O presidente Hugo Chávez conseguiu aprovar o referendo que permite a reeleição. No Uruguai a Frente Ampla elegeu o companheiro Mujica. Em El Salvador tivemos a vitória de Mauricio Funes. Para 2010, o sinal mais importante é a dianteira da companheira Dilma Rousseff nas pesquisas eleitorais, como candidata presidencial das forças progressistas do Brasil.
Mesmo que a conexão entre a crise mundial e os processos eleitorais na ALC não tenha sido muito direta até o momento, os partidos do Foro de São Paulo, estão obrigados a discutir suas repercussões a nível regional e nacional, para evitar que a direita tire vantagem desta problemática.
O Foro de São Paulo deve realizar um balanço dos processos hondurenho, panamenho, chileno e colombiano. Devemos debater maneiras concretas de apoiar a unidade da esquerda, tanto nos países citados, como naqueles que terão eleições proximamente.
O golpe de estado em Honduras foi seguido da eleição de Porfírio Lobo, num processo questionado por todas as forças da esquerda. O resultado não foi reconhecido por vários governos e partidos progressistas e democráticos da região, mas com o passar dos dias, Lobo conseguiu um certo grau de normalização das relações de seu governo com os vizinhos.
O golpe foi uma prova para os organismos de integração da ALC. Mesmo tendo reagido corretamente, sobretudo no começo, na sequência foram incapazes de mobilizar os mecanismos necessários para evitar a consolidação do golpismo.
A rejeição da visita de Lobo à reunão cume UE-ALC na Espanha e seu cancelamento, mesmo sendo uma boa notícia, não muda muito as coisas. O golpe de estado foi um êxito da direita.
A destituição seguida do exílio do Presidente Zelaya, a repressão constante contra a Frente Nacional de Resistência, a presidência do direitista Lobo e a pressão internacional contrária quase nula, parecem confirmar que o golpe de estado conseguiu seu propósito central: eliminar um governo progressista, impor um representante dos interesses da oligarquia e golpear as forças populares que defendem uma alternativa anti neoliberal.
Esta situação merece reflexão, porque não há dúvida que a direita se fortaleceu na América Central e, em menor medida, no conjunto da AL. O golpe encontrou um governo que não havia construído nem um partido próprio, nem uma base social organizada capaz de enfrentar uma direita resolvida a tudo. As debilidades de Zelaya e da esquerda hondurenha não devem ocultar que a capacidade de reação da esquerda latino americana contra aquele golpe, foi muito deficiente.
Os territórios coloniais não escapam à direitização. Em Porto Rico, o Partido Novo Progressista, dirigido pela direita republicana e setores da empresa privada, revogaram na prática as garantias constitucionais, enquanto entrega o patrimônio nacional, os empregos públicos e os direitos trabalhistas ao setor privado. Na mesma linha promulgaram o desmantelamento das instituições da sociedade civil, mediante legislação unilateral; do mesmo modo, incrementaram a brutalidade policial e a repressão contra setores populares, como se pôde ver na última greve universitária.
As perguntas são: Como prevenir uma ação similar em outros países? Como evitar que o governo norte americano e a direita oligárquica na Américas, Central, Latina e Caribe, continuem se fortalecendo? Em síntese: como deve atuar a esquerda latino americana no futuro imediato para responder a esta nova ofensiva da direita?
AS TAREFAS
O XV Encontro do FSP, determinou três tarefas fundamentais: não ceder nenhum espaço para a direita, aprofundar as mudanças e acelerar o processo de integração.
Logo após este XVI Encontro, teremos as eleições legislativas na Venezuela (setembro) e as presidenciais no Brasil (outubro). O resultado destas eleições causará forte impacto na situação regional, particularmente as eleições presidenciais que vão realizar-se na Argentina, Guatemala e Nicarágua, bem como no Peru.
Como indicou o XV Encontro, ainda não dispomos de um acompanhamento científico que permita uma análise comparada dos êxitos dos distintos governos latino americanos de esquerda e progressistas. Motivo por que está em andamento a formação do Observatório de governos progressistas e de esquerda latino americana e caribenha.
Apesar da dificuldade de realizar este balanço, é possível fazer algumas afirmações:
a) nossas sociedades continuam sendo profundamente desiguais e mudar isto exigirá um tipo de desenvolvimento que inclua o fortalecimento do papel do Estado, ampliação das políticas públicas sociais e mudanças na estrutura da propriedade.
b) a contraofensiva da direita exigirá dos governantes progressistas e de esquerda da região, a ampliação da hegemonia política, que supõe a adoção de medidas que aprofundem a democracia, inclusive na comunicação social e os meios massivos de comunicação;
c) a crise internacional provocou e continuará provocando impactos na região, motivo por que o aprofundamento das mudanças dependerá cada vez mais do que se realize em termos regionais.
Podemos dizer que os governos progressistas e de esquerda da região continuam comprometidos com o objetivo de acelerar o processo de integração.
A reunião da regional latino americana e caribenha, bem como a posição da UNASUL, repudiando a presença de Porfírio Lobo na reunião cume EU-ALC, são sinais positivos. Também o é, a assinatura do Acordo de Teerã, pelo Brasil, Turquia e Irã, em maio último, de grande significação política e estratégica. Ao defender a manutenção do direito, consagrado nas normas internacionais, a respeito do domínio da tecnologia para produção de energia nuclear para fins pacíficos por parte dos países em desenvolvimento, o Acordo, se opõe à guerra e defende a paz como única saída para o conflito das potencias imperialistas contra o Irã. Ao mesmo tempo, o Acordo simboliza a tendência para a multipolaridade e comprova as dificuldades do imperialismo para dominar o mundo. O FSP valoriza este movimento, como expressão da luta contra a hegemonia de fundamento anti imperialista e favorável ao direito de desenvolvimento para o Sul do mundo.
O XVI Encontro considera vigentes as tarefas apontadas no encontro anterior. Mas é necessário juntar algumas perspectivas, orientações e necessidades, bem como tarefas político organizacionais relacionadas ao próprio Foro.
Em primeiro lugar, acreditamos ser de extrema importância e urgência fortalecer o debate estratégico entre nós. Os debates dos anos 1990, nos limites do FSP contribuíram muito para o sucesso que alcançamos no enfrentamento com o neoliberalismo, inclusiva na conquista de governos e suas ações.
Hoje vivemos uma situação nova, na região e no mundo. Enfrentá-la, supõe maior capacidade de análise e formulação estratégica.
Outro mundo é possível, mas é preciso decidir qual. As esquerdas da America Latina e do Caribe têm que definir uma identidade própria, recolhendo sua vasta experiência, nos governos e nos movimentos sociais, para estabelecer as propostas programáticas e ideológicas. A diversidade deve ser agora a fonte de sua capacidade propositiva.
Neste sentido, a Rede de Escolas, Fundações e Centros de Estudo do Foro de São Paulo, deve convocar para a tarefa de organizar, a partir de setembro de 2010, um ciclo de atividades com este propósito.
As definições programáticas e ideológicas da esquerda latino americana e caribenha, são ainda mais necessárias diante da falência da social democracia. Somente na AL e Caribe existe um movimento progressista que tem avançado exitosamente nos últimos anos, conquistando governos nacionais, construindo partidos políticos de massas e implantando movimentos sociais alternativos. Este êxito deve refletir-se na reconstrução de uma identidade de esquerda mais profunda. Os novos paradigmas surgirão da experiência prática e do debate intenso, respeitoso e incluindo os partidos progressistas e os movimentos sociais. Este debate deve fomentar-se amplamente e da forma mais diversa possível.
O FSP é uma instância que pode conduzir este debate, de modo destacado, por ser o espaço mais unitário, amplo e democrático dos partidos de esquerda e progressistas da AL e do Caribe e, em certo sentido, já é uma referencia mundial.
Queremos destacar também o movimento de mulheres do FSP, que contribui com sua luta pela igualdade social e política entre os gêneros. Devemos enfrentar os desafios que a chegada ao poder nos coloca, diante da situação de discriminação contra as mulheres em nossas sociedades e os ataques sofridos vindos da parte dos movimentos de direita e conservadores contra os direitos das mulheres.
Menção especial merece o esforço das juventudes do FSP. O primeiro encontro que aconteceu no México no ano passado, deve ter continuidade em Buenos Aires. A consolidação deste espaço é fundamental para fomentar a educação política entre os jovens, impulsionar a renovação dos nosso partidos e a substituição das gerações, bem como dar um maior protagonismo politico e ideológico a este setor da população.
Em segundo lugar, consideramos a necessidade de fortalecer o FSP como referencial latino americano e mundial. Isto requer as seguintes ações: fortalecimento das secretarias regionais; presença na comunidade latino americana e caribenha nos EUA e na Europa; relações bilaterais do FSP com organizações semelhantes na África, Asia e na Europa; continuidade dos projetos do FSP na área cultural, no Observatório de Governos e também na Rede de Escolas e Fundações.
O FSP deve dar continuidade aos trabalhos para consolidar-se como espaço de troca de informações e debate, de formação de quadros e produção intelectual (através das fundações), de definição das linhas estratégicas e de encontro para impulsionar a integração política, econômica e cultural da AL.
O FSP deve ser o espaço de coordenação de ações comuns entre os partidos que o integram. Neste sentido, não nos vemos como a única alternativa para as esquerdas latino americanas, embora continuemos representando o máximo denominador comum destas esquerdas.
Assim, devem ser mantido e aprofundado o intercâmbio não somente com os partidos da região e do mundo, mas também com os movimentos sociais.
Há uma grande vitalidade nos movimentos sociais latino americanos. A reunião sobre as mudanças climáticas em Cochabamba, Bolívia, em abril, foi uma mostra, assim como as atividades do FSP e outros eventos nacionais e internacionais. Os movimentos sociais foram os instigadores de mudanças políticas na AL e Caribe. Sem os movimentos sociais, os partidos e os governos progressistas não teriam podido avançar.
Por isto o FSP deve acercar-se dos movimentos sociais, baseado numa estratégia comum de luta contra a crise mundial e um acordo político para enfrentar a direita.
Do mesmo modo, deve assumir a responsabilidade mais firme no plano regional, diante dos organismos internacionais correspondentes, no sentido da descolonização e direito de independência dos territórios coloniais na região do Caribe, facilitando a estas nações o vínculo com o processo de integração latino americana.
Cabe ao FSP, estabelecer um intercambio sistemático entre os governos progressistas e de esquerda na região. Tanto no sentido indicado no projeto do Observatório, quanto em relação ao tema das relações partido-movimentos sociais-governos.
A verdade é que no âmbito de cada país estas relações são muito diversificadas, sendo comum que – depois das vitórias eleitorais – o centro do poder e da iniciativa estratégica se transfira do partido para o governo, com consequências sempre daninhas.
Em terceiro lugar, cabe ao FSP, colaborar para ampliar a eficácia eleitoral de seus partidos membros. Neste sentido, propomos que a Rede de Escolas e Fundações, em paralelo com as tarefas estratégicas mencionadas, comece de imediato um ciclo de reflexões sobre as experiências passadas e futuras, avançando para indicar medidas concretas que possam cobrir as pesquisas e comunicação, sempre respeitando a legislação eleitoral vigente em cada país.
Além das tarefas centrais – não ceder nenhum espaço para a direita, aprofundar as mudanças e acelerar o processo de integração – e além das tarefas organizativas – consolidar o FSP como referencial, aprofundar a reflexão estratégica incluindo movimentos, governos e processo eleitoral – consideramos essencial concluir este documento base com uma reflexão mais estratégica, sobre as características históricas do período que vivemos.
Insistimos na ideia de que vivemos um momento de crise e transição. Crise do neoliberalismo, crise do capitalismo, crise da hegemonia estadunidense. Mas, como é usual, sabemos o que agoniza, mas não sabemos o que está nascendo.
O neoliberalismo está em crise, mas não está morto de fato, nem no plano das ideias. Sua desmoralização não conduz automática, nem unicamente ao fortalecimento das ideias socialistas. Existe também o fortalecimento do pensamento keynesiano e o ressurgimento das matrizes extremadamente conservadoras e de direita.
O Capitalismo está em crise, mas muito longe de estar morto. A crise de sua forma neoliberal ou a decadência do seu eixo anglo saxônico, não significa que as relações capitalistas de produção estejam em colapso final. O capitalismo só desaparecerá de “morte matada” e não de “morte morrida”. E para que isto ocorra é necessário que exista uma força alternativa capaz de superá-lo, em escala nacional e mundial. O que ainda não existe nem parece estar próximo de existir.
A crise da hegemonia estadunidense permite análise similar. Por uma parte eles não tem mais a capacidade que tinham de exercer uma hegemonia mundial. Por outro lado está cada vez mais clara a aposta que um setor do establishment estadunidense faz para manter e prolongar sua hegemonia: a guerra, terreno em que sua supremacia destrutiva é esmagadora. A chantagem bélica, somada à força econômica (cristalizada na hegemonia do dólar), pode fazer que este declínio prevaleça por muito tempo, além de assumir formas que podem ser trágicas para a humanidade.
Os EUA tem 865 assentamentos militares fora do seu território, entre os quais, 45 a 59, estariam na AL, Caribe e cercanias. Assim é fundamental que a esquerda latino americana defina com mais precisão que tipo de estratégia de curto e médio prazo é possível utilizar contra os EUA.
Se não há perspectiva de um colapso, uma revolução ou pelo menos uma mudança estrutural fundamental nos EU, como vamos conviver com aquela nação tão agressiva? E como isto se traduz em nossas propostas de segurança nacional, frente ao narcotráfico e acerca da migração?
Ou ainda, como a estratégia diante dos EUA, deve influenciar projetos como o da União de Nações decidido em Cancun? Que pode fazer a esquerda partidária nos mecanismos de integração da AL – UNASUL, ALBA, MERCOSUL, CAN - ?
A esquerda latino americana tem que dar respostas a uma situação caracterizada por:
a) crise do neoliberalismo, num momento em que o pensamento crítico se recupera do efeito de mais de duas décadas de defensiva política e ideológica;
b) crise da hegemonia estadunidense, sem que exista um substituto hegemonico, criando uma situação que fomenta o multilateralismo, a formação de blocos regionais e alianças cruzadas;
a crise do atual modelo de acumulação de capital, sem que se vislumbre uma alternativa sistêmica;
d) crise do desenvolvimento conservador na AL, estando em curso uma transição para um pós-neoliberalismo, cujas características ainda não estão definidas.
A crise também indica para um período mais ou menos prolongado da instabilidade internacional. No corto e médio prazo, esta instabilidade se relaciona com a crise do capitalismo neoliberal e o declínio da hegemonia dos EUA. Estas diversas dimensões da instabilidade tornam a construção de alternativas mais urgentes e difíceis.
Por outro lado, três décadas de hegemonia neoliberal, limitaram o horizonte intelectual e a força da esquerda, especialmente fora da AL e Caribe. Estas contradições e limitações são evidentes, quando observamos a distância entre o tamanho da crise e a timidez das propostas e medidas adotadas. Isto fica claro especialmente no caso da social democracia europeia.
Os socialistas do século XXI não podem alegar ignorância: a luta para superar o capitalismo é longa e complexa. Nos anos 1990, com a dissolução da URSS, podemos dizer que o movimento socialista encaminhou-se para um período de “defensiva estratégica”.
A situação começou a mudar entre 1998 e 2008, primeiro com a ascensão de vários governos de esquerda na AL e em seguida com a crise internacional. Mas estes acontecimentos não mudaram a natureza da “defensiva estratégica”.
Exemplo disto é o contraste entre a profundidade da crise internacional e a capacidade dos estados capitalistas para evitar o desmoronamento de sua organização política e social.
Outro sinal é a existência de uma contraofensiva da direita latino americana, que aproveitou o reforço paradóxico da crise internacional, criando dificuldades econômicas e sociais que os governos mais progressistas têm que enfrentar.
Diante disto, a esquerda luta para manter os espaços conquistados, acelerar o processo de integração regional e aprofundar as mudanças. A questão prática é como fazê-lo evitando dois erros: tentar ir além da nossa capacidade para sustentar o processo político; e o outro não fazer o necessário para acumular forças na direção do socialismo.
O movimento socialista do século XX foi derrotado. Mas o repertório de experiências é enorme. Contrariamente os experimentos e intentos dos socialistas do nosso século XXI ainda são muito limitados. Durante este período não tivemos nenhuma grande revolução. Na América Latina, mesmo estando orgulhosos dos governos que conseguimos desde 1998, estamos longe da da profundidade política e social alcançada pele revolução cubana de 1959. A luta pelo socialismo no século XXI, ainda não protagonizou nenhuma revolução como aquela. No campo teórico, ainda não conseguimos produzir a necessária análise do capitalismo contemporâneo, nem dos caminhos para construir o socialismo do século XX, nem da estratégia para a luta pelo poder e a construção socialista no ambiente do século XXI.
Talvez seja mais exato falar de socialismos e estratégias. Nosso movimento sempre foi plural, geográfica, sociológica, teórica, organizativa e politicamente. Isto não significa equiparar as diferentes tradições, mas implica lembrar que somos herdeiros de um complexo e plural patrimônio coletivo.
Uma das razões deste pluralismo é o capitalismo. O modo capitalista de produção impulsiona uma tendência uniforme, mas as estruturas sócio econômicas capitalistas, em diferentes regiões do mundo e épocas históricas, têm diferenças importantes entre si. Por isto, a superação do capitalismo requer diferentes estratégias de resistência, de conquista do poder e de construção do socialismo. Não significa que todas as estratégias são válidas, mas sim que o movimento socialista deve repelir a ideia de que só haja uma estratégia válida para todos os lugares e tempos.
Outra razão para usar o plural é que as diversas classes e setores na luta contra o capitalismo não têm necessariamente os mesmos objetivos a longo prazo.
Vale a pena dizer que esta pluralidade está além da existência de partidos, programas e estratégias diferentes. Desde os que visam um estado de democracia e bem estar, no marco do capitalismo, até os que defendem um tipo de socialismo que implica em preservar a organização social comunitária pre capitalista. Ou para quem o socialismo se confunde com a luta contra o imperialismo. Ou seja, a diversidade do movimento socialista moderno é tão ampla, que as categorias plurais são mais apropriadas.
O debate sobre o socialismo na AL no começo deste século XXI, deve ajudar-nos a responder:
a) como passar da condição de governo à condição de poder?
b) como passar da situação atual, em que estamos melhorando a vida da gente nos marcos do capitalismo, para a nova situação, em que possamos melhorar a vida das pessoas no marco de uma transição socialista?
Se tivermos êxito com a combinação das diferentes estratégias nacionais e uma estratégia continental, vamos dar uma importante contribuição para que o movimento socialista passe da situação atual de “defensiva estratégica” para o estado de “equilíbrio estratégico”, pelo menos em nosso continente.
Por tudo isto o processo de integração da AL e do Caribe adquiriram uma importância estratégica. O objetivo central neste processo e a consolidação de vínculos econômicos, sociais, políticos, militares e ideológicos, para que os países membros possam conviver sem subordinação ou dependência, com o espaço político ainda sob a hegemonia dos EUA e da União Europeia.
A questão que se apresenta é da possibilidade de construir uma nova ordem em escala regional ou mundial, baseada na expansão dos mercados internos e em trocas internacionais mais justas.
Qualquer que seja a resposta a tais perguntas, fica claro que estamos diante de conflitos de longo prazo, que se desenvolverão em ambiente de forte instabilidade, em dois planos distintos mais articulados: em primeiro lugar, dentro de cada país; em segundo lugar, entre diferentes estados e blocos regionais.
Como resultado destes conflitos, pode surgir um mundo mais conservador ou mais progressista. E até um mundo socialista. E por isto que trabalhamos e esta é hoje, mais que nunca, uma causa da humanidade, porque a crise, a guerra e o alarmante desgaste do ecossistema, ameaçam a sobrevivência da espécie humana.
Hoje, quando se comemora o Bicentenário dos numerosos processos independentistas latino americanos e caribenhos, o FSP reafirma sua decisão de ampliar a unidade dos partidos progressistas populares e de esquerda; aprofundar as mudanças; derrotar a contraofensiva da direita e consolidar a integração regional.
Hoje quando os projetos populares da AL têm melhores condições que há dez anos, para marchar em direção a uma nova sociedade, com justiça, equidade e soberania, o FSP reafirma seu compromisso com o internacionalismo, com a democracia, com um desenvolvimento que respeite o meio ambiente, com o planejamento democrático, com a propriedade pública dos principais meios de produção, com o socialismo.
Documento Base XVI ENCONTRO DO FORO DE SÃO PAULO
Buenos Aires, 17 a 20 de agosto de 2010
Ampliar a unidade do partidos progressistas, populares e de esquerda, aprofundar as mudanças, derrotar a contraofensiva da direita e consolidar a integração regional
Nos dias 2,3 e 4 de julho de 1990, realizava-se na cidade de São Paulo o Encontro de Partidos e Organizações Políticas da Esquerda da América Latina.
Quando se dissolvia o bloco socialista europeu e a poucos meses do então previsível fim da URSS, a Declaração de São Paulo, aprovada no Encontro dos Partidos e Organizações Política da Esquerda da América Latina e do Caribe, em 4 de julho de 1990, afirmava: “Condenamos (…) toda pretensão de utilização da crise na Europa Oriental, para dar alento à restauração capitalista, anular as conquistas e direitos socialistas ou alimentar ilusões sobre as inexistentes bondades do liberalismo e do capitalismo (...)”
Naquele instante ficaram definidas “as bases de um novo conceito de unidade e integração continental... o que incluía a reafirmação da soberania e autodeterminação da América Latina e das nossas nações, a plena recuperação de nossa identidade cultural e histórica e o impulso para a solidariedade internacionalista dos nossos povos”
Nascia o Foro de São Paulo, que se manteve nestes vinte anos resistindo ao liberalismo e contribuindo muito para as vitórias da esquerda, como se pode confirmar analisando a onda de governos de esquerda, populares e progressistas desde 1998.
As declarações finais aprovadas pelos 15 encontros mantidos até o presente, bem como os documentos base e as resoluções elaboradas por distintas instâncias do FSP, dedicaram-se a caracterizar o capitalismo neoliberal e o imperialismo contemporâneo e a sistematizar ad ideias gerais das alternativas democráticas e populares.
Se o FSP nasceu num momento em que o neoliberalismo parecia avançar sem resistências, hoje, comemorando o Bicentenário dos numerosos processos independentistas latino americanos e caribenhos, podemos afirmar que o FSP é uma iniciativa vitoriosa, mas tem diante de si grandes desafios, entre os quais estão: ampliar a unidade do partidos progressistas, populares e de esquerda, aprofundar as mudanças, derrotar a contraofensiva da direita e consolidar a integração regional.
Estes são os principais desafios na agenda do XVI encontro do FSP, que se realizará nos dias 17 a 20 de agosto de 2010, em Buenos Aires.
Como contribuição para os debates, o Grupo de Trabalho do FSP apresenta este documento base, composto por uma Introdução e dois capítulos analisando a crise internacional e as tarefas do FSP.
INTRODUÇÃO
A constituição da AL foi profundamente marcada pelo processo de colonização e na sequência pelo neo colonialismo, criando uma forma de estado que sistematicamente aniquila e extermina, primeiro os nativos e depois as camadas populares, escravos, camponeses, trabalhadores e a classe média progressista. Isto sem alcançar uma soberania real, salvo por pouco tempo e com honrosas exceções.
Neste processo denso e complexo, surgem os grandes atores do cenário latino americano, entre os quais destacamos os movimentos e partidos populares, com duas diversas manifestações de resistência social, política e cultural, protesto, rebeldias e insurreições.
Do mesmo modo, foi a reunião no Palácio de Miraflores que permitiu a virada “bolivariana” de Chávez. Em Buenos Aires, Kirchner é o produto das jornadas de 19 e 20 de dezembro de 2001. E Correa surge das grandes mobilizações do povo equatoriano. A mesma coisa se pode dizer de Lula, cuja vitória eleitoral se compreende pelas lutas dos trabalhadores brasileiros, rurais e urbanos
Sem estes movimentos, seria incompreensível o êxito da estratégia adotada pela esquerda latino americana, que tem uma de suas expressões nos governos populares da esquerda e progressistas, cada um com particularidades próprias.
No decorrer do tempo se criou uma crescente fraternidade e aproximação entre os governos progressistas, os partidos, os movimentos sociais e os povos de nossos países, tendendo para a união da AL como um todo único, numa integração continental e também em formas diversas de união regional.
Entre as várias expressões de integração latino americana e caribenha, tem papel muito importante a Alternativa Bolivariana (ALBA). As relações solidárias e cooperativas daí derivadas, constituem uma importante expressão das possibilidades abertas pela existência de governos de esquerda no continente.
Também se destaca a criação da UNASUL, em 23 de maio de 2008. Mas o maior passo dado foi a reunião cume da Unidade Latino americana e Caribenha, na Riviera Maya, próximo a Cancun, no México, em fevereiro de 2010, com a constituição de um organismo regional da Comunidade de Estados Latino Americanos e Caribenhos (CELAC). É a primeira vez na historia do continente que se cria um organismo com estas características. Um degrau superior na dinâmica de integração, que de certo modo recolhe os postulado originais de Bolívar e Martí.
A mesma OEA também foi cenário de mudanças substanciais nas relações entre o império do norte e as nações ao sul do Rio Bravo. Recentemente, para assumir a secretaria geral, foram recusados três candidatos propostos pelos EUA, que antes manobrava com o cargo à sua vontade. O Conselho Permanente da OEA, reunido em 4 de março de 2008, expressou um repúdio quase unânime à violação da soberania e integridade do território equatoriano por parte das tropas colombianas, com ajuda dos EUA, em Sucumbios, no 1 de março de 2008.
A 39a. Assembleia Geral da OEA, em San Pedro Sula, Honduras, em 3 de junho de 2009, resolveu por unanimidade deixar sem efeito a resolução adotada em l962, pela Conferencia de Chanceleres, que expulsou Cuba do sistema interamericano.
Neste período ganhou força a presença internacional da AL. Seja na atuação de vários países no G-20, na criação do BRIC e de iniciativas como o acordo tripartite Brasil-Irán-Turquia, que propôs uma base de negociação pacífica sobre o problema nuclear iraniano, ante o perigo de agressão iminente. O resumo, configura uma nova geografia mundial, com a participação da AL.
A nova realidade é observada com maior clareza, comparando-se o panorama de há 3 décadas, marcado pela série de ditaduras militares promovidas pelo império do norte, seguidas pelo domínio não compartido das doutrinas e práticas políticas do neoliberalismo e do “pensamento único”.
Mudaram também as características sociais dos governos, com casos paradigmáticos como o de um operário metalúrgico ou um líder indígena alçados à presidência por milhões de votos dos compatriotas. Mudou também a estrutura dos partidos políticos que acompanham o governo. Velhos partidos que dividiam o poder tradicionalmente, ficaram na beira do caminho. Outros ocupam o lugar e se fortalecem em contato com o povo.
A política da esquerda no governo gerou benefícios concretos para a população, particularmente os setores mais excluídos. Estendeu e aprofundou a democracia, abrindo caminho para novas formas participativas e diretas. Defendeu os direitos humanos em toda sua extensão. Levanta-se em defesa da soberania nacional. Exemplos concretos estão na expulsão das tropas norte americanas da base de Manta, no Equador (como antes, da base de Vieques em Porto Rico), a campanha contra as bases militares na Colômbia e contra a reativação da IV Frota da Marinha de Guerra dos EUA, anexa ao Comando do Sul.
Existe um vívido contraste entre a nova realidade política da AL e da Europa. A maioria dos países integrantes da UE tem governos de direita e ultra direita, com forte componente xenófobo e racista, como se depreende das novas leis de imigração. Estes governos pretendem que o peso da tremenda crise iniciada em 2008, caia sobre as costas de seus povos e dos países emergentes, o que gerou movimentos de protesto dos trabalhadores e de setores populares. Já os países da AL governados por progressistas, resistiram melhor às consequências de uma crise que não promoveram.
Diante disto se vem consolidando na última década a intenção de uma contraofensiva por parte dos antigos setores dominantes, que querem reconquistar os governos de seus países, com o objetivo de impedir que este novo caminho se consolide e se torne irreversível.
Esta contraofensiva se traduz no intento de transplantar ao nosso continente uma política de militarização e guerra preventiva, baseada essencialmente no Plano Colômbia, com a instalação de bases militares dos e EUA naquele país, onde as tropas yanques gozarão de total impunidade, ameaçando todos os países da região. A isto se junta a ressurreição da IV Frota, como instrumento de intervenção potencial. A cruenta agressão armada de tropas colombianas, apoiadas pela tecnologia e serviços de inteligência dos EUA em território equatoriano, prova os perigosos alcances desta política, que determinou o rompimento de relações por parte do Equador. A eleição de Juan Manuel Santos – que era ministro da Defesa de Uribe, na época da invasão do Equador – para a presidência da Colômbia, implica no risco de agravamento desta política, juntando seu repúdio expresso às trocas humanitárias, reivindicação sustentada por vastos setores da sociedade colombiana.
Além da Colômbia, as forças de direita conseguiram impor seu candidato, com a eleição de Ricardo Martinelli no Panamá, em substituição a Martin Torrijos, presidente da Internacional Socialista da AL; deram o golpe de estado em Honduras e elegeram Sebastian Piñera no Chile, com apoio de um grupo de origem pinochetista, para governar depois de quatro governos da “Concertación”.
Neste mesmo período, a esquerda conseguiu vitórias importantes no Uruguai, Bolívia e Equador, impedindo que a contra ofensiva da direita se transformasse numa reversão do processo de mudanças. Continua o conflito entre os projetos nacionais e populares e os projetos oligárquicos que sempre atuaram em conivência com as potências imperialistas. Nas atuais condições mundiais, os projetos populares da AL, têm melhores condições que há uma década, para marchar na direção de uma nova sociedade com justiça, equidade e soberania, uma sociedade socialista.
A CRISE INTERNACIONAL
O cataclismo financeiro que começou nos EU e se espalhou rapidamente pelo mundo, não é uma crise financeira e sim uma crise do sistema capitalista. É uma crise que se prevê de longa duração, articulada com o surgimento de um mundo multipolar.
A recuperação é muito incerta e existem muitos riscos de uma nova recessão global. A crise grega já se transformou numa crise regional da zona do Euro e num fator de desestabilização mundial.
O custo da crise foi alto com forte empobrecimento e desemprego. A escassez de oportunidades de trabalho continuará elevada no mundo por muitos anos. O desemprego nos países de economia avançada chegou perto de 9% e no mundo ficou em 8% em 2009. Em 2010 as previsões são mais pessimistas podendo chegar a 8.4%. O desemprego nos EUA ficará em quase 10% e será maior na zona do Euro, entre 9.4 e 10.5% (na Espanha chegará aos 20%). A estes números somem-se aqueles que trabalham em tempo parcial. Os altos níveis de desemprego (e emprego precário) nas economias desenvolvidas servem como indicador do custo da crise e da fragilidade da recuperação.
No final de 2008 a economia norte americana chegou à beira do colapso. A intervenção do governo impediu. O déficit publico médio nas economias avançadas no ano passado foi de 9%. Antes se insistia no equilíbrio com margem de 3%. O déficit gerou o endividamento massivo dos governos, que seguirá crescendo, provavelmente até alcançar 100% do PIB, 35 pontos a mais que antes da crise.
Outro sinal diferenciado da grande recessão foi a diferença do impacto por regiões e países. As economias mais avançadas foram mais afetadas que as emergentes. De fato, como epicentro do terremoto, os EUA exportaram a crise a outras regiões.
A queda do produto mundial em 2009 foi de -0.9%, mas as economias avançadas registraram -3.2%, enquanto as economias emergentes cresceram 2.4%. O comércio mundial teve uma queda de quase -11% devido a redução das importações das economias avançadas (-12%). Isto provocou a queda de preços das matérias-primas, sobretudo o petróleo (-36.3%). As quedas mais acentudas do produto foram registradas na Alemanha, Japão, Reino Unido e Russia. As economias que cresceram foram as da China e India.
A previsão para 2010 para as economias avançadas é um crescimento de 2.3% e as economias emergentes e em desenvolvimento crescerão 6.3%, constituindo-se assim em motor do crescimento mundial.
A zona do Euro transformou-se em zona instável devido à Grécia, mas tem outros elos frágeis nas economias da Espanha, Portugal, Italia e Irlanda.
A crise grega precisou de um mega empréstimo da UE e do FMI, acertado no início de maio (720 milhões de euros: 500 da UE e 220 do FMI). É preciso ver se o brutal ajuste das finanças gregas vai poder ser implementado no médio prazo. É preciso observar também a evolução de outros casos, como da Espanha, onde está sendo aplicado um duro plano de ajuste. Sem dúvida, estas políticas provocaram mais desemprego e crescimento lento do PIB. Nem os mega resgates, nem as políticas de ajuste garantem a rápida estabilização da eurozona. No curto prazo, o mundo continuará refém das corridas às bolsas, desvalorização e reavaliação de moedas.
Neste cenário de instabilidade não está descartada uma nova recessão geral.
O sistema bancário continua entalado. Os créditos não são restabelecidos. Os bancos continuam com problemas de resgates vultuosos. Obtêm grandes lucros mas oferecem pouco crédito. Os governos esgotaram suas margens de manobra. Não podem baixar mais a taxa de juros, nem endividar-se mais para injetar dinheiro na economia ou nos bancos.
A recuperação é delicada. No fundo porque há um reduzido consumo privado nas economias desenvolvidas, baixo nível de inversão, pouco crédito e alto desemprego. A recuperação econômica se mantem baixa, sem acompanhar o volume da queda.
Nas economias emergentes a situação é melhor, com aumento da procura e dos investimentos. Sem conhecer choques financeiros. Mas uma nova queda nas economias desenvolvidas ou um pânico financeiro colocariam em perigo as economias em desenvolvimento, com a redução de exportações afetando o ritmo de crescimento.
Persiste ainda um sério desequilíbrio entre as economias do mundo. Os EUA consomem muito e se endividaram muito, enquanto a China, consome pouco e se transformou em grande credor mundial, particularmente do governo dos EUA. Estes desequilíbrios aparecem no mercado mundial. Existem economias exportadoras (isto é, que exportam uma proporção muito elevada do total nacional produzido) e países que importam em grandes quantidades (em relação à produção total e ao comércio internacional do mundo). Não são economias complementares e sim uma globalização deformada, insegura, de baixo crescimento, sujeita a crises recorrentes e com profundas desigualdades nas nações, nas regiões e no mundo.
Até agora, a crise não avançou para uma nova ordem econômica mundial. Foram rasgadas as receitas de políticas neoliberais. Mas na Grécia e na Espanha aquelas mesmas receitas continuam sendo aplicadas, o mesmo ajuste imposto pela ALALC há 20 anos. No concernente à governabilidade mundial e criação de novas instituições multilaterais, praticamente nada mudou, a pesar das reuniões do G20 que se reúne para tomar decisões. Exemplificando, a proposta da China e outras nações para a criação de uma nova moeda de reserva mundial, substituta do dólar, continua sem resolução.
Também não avança uma grande reforma financeira que acabe com os paraísos fiscais e instrumentos especulativos (como os CDS, credit default swaps, e outros, conhecidos como derivados, como os hedge funds). Até o FMI propõe um imposto especial aos bancos, um fundo de reserva para futuros resgates de empresas financeiras. Por enquanto esta reforma está parada. O Congresso norte americano acaba de aprovar uma tíbia proposta de regulamentação.
É bom lembrar que o capital financeiro foi o maior beneficiário da globalização neoliberal. Seu poder foi imenso. A crise golpeou o sistema, mas os planos de resgate, sobretudo nos EUA, foram direcionados para reforçar esta estrutura de poder. O mundo continua nas mãos dos especuladores.
América Latina, menos golpeada
O caso da AL e do Caribe foi diferente das economias desenvolvidas. A crise não foi tão profunda porque em vários países foram aplicadas políticas que compensaram o impacto recessivo. Estas políticas foram possíveis porque alguns países acumularam reservas monetárias que puderam ser utilizadas diante da queda de exportações e fuga de capitais. As reservas foram acumuladas no auge econômico anterior à crise, graças às altas cotações da matéria-prima e entrada de capitais. Destacam-se ainda as políticas redistributivas que os governos progressistas puseram em prática, antes e durante a crise.
Na AL e Caribe, durante 2010 o perdido em 2009 será recuperado: a queda no último ano foi de quase -2%, mas o crescimento em 2010 será de 4%. Quase todos os países crescerão mais que o retrocesso do ano passado. Apenas uma exceção, o México, que em 2009 sofreu uma queda de quase -7% e em 2010, no melhor dos casos, crescerá 4%.
Mesmo assim a contração regional em 2009 foi moderada (a diferença entre a taxa de crescimento entre 2009 e 2007), na casa dos 6.3 pontos percentuais. Isto é, não fosse a crise a AL e Caribe estariam 6.3% em termos de crescimento do PIB, seria mais rica.
Apesar do impacto moderado da crise (com exceção do México), a pobreza aumentou na região. Calcula-se que o número de pobres na AL e Caribe se incrementou em 10 milhões de pessoas em 2009, segundo o Banco Mundial. Isto significa que retrocedemos, pois nos cinco anos anteriores o avanço foi significativo. É preciso esclarecer que dos 10 milhões, cinco correspondem ao México.
Segundo o Banco Mundial, “Enquanto se calcula que 60 milhões de latino americanos saíram da pobreza entre 2002 e 2008, entre 9 e 10 milhões ficaram pobres em 2009. O número de pobres teria sido maior se os governos não tivessem quebrado com as tradições, fortalecendo-se em alguns casos com programas de assistência social. Espera-se que o número de novos pobres se reduzirá significativamente no final de 2010”.
Segundo a OIT “estima-se que 3.5 milhões de trabalhadores ficaram desempregados na AL e Caribe, cifra relativamente baixa em comparação com a força de trabalho de 270 milhões de trabalhadores”. O desemprego na ALC, segundo as últimas estimativas subiu para 22.5 milhões no fim de 2009. E os salários foram reduzidos. A crise do emprego na ALC contrasta com o passado, quando o desemprego aumentou, cresceu a informalidade e houve uma queda severa do salário real.
Em síntese, o custo da crise foi relativamento baixo mas houve um retrocesso. O impacto foi superior no México, tanto pela recessão como pelo número de desempregados, sem tendência a recuperação em 2010.
Neste caso Mexicano, demonstra-se como é custosa a continuidade de políticas neoliberais, comparando com a maioria dos países que romperam o modelo, com a ascenção de governos da esquerda. A razão fundamental da exceção mexicana deve-se à vinculação com os EUA, mediante o Tratado de Livre Comércio da América do Norte, a pouca diversificação na direção de outros mercados mundiais, o abandono da agricultura e a dependência alimentar implicada, bem como a acentuada dependência de petróleo.
A decisão de manter a integração com os EUA, mediante o Tratado de Livre Comércio, exigiu a continuidade das políticas neoliberais. Esta experiência demonstra o fracasso da direita latino americana face às políticas praticadas pelos governos de esquerda, como é o caso dos países do Cone Sul.
Muitos países adotaram um programa de mudanças que permitiram aumentar a demanda interna mediante a recuperação do salário e da ocupação, implementação de programas sociais contra a pobreza, mecanismos de integração comercial e diversificação de mercados internacionais. O México não fez nada disto. O custo foi imenso, resultando em maior impacto com a crise mundial
Mesmo assim é preciso ter cuidado. Os efeitos da crise criam uma situação mais difícil para os governos de esquerda, o que pode favorecer as oposições da direita. É preciso lembrar que quando aumenta a pobreza e o desemprego, os cidadãos tendem a cobrar a conta aos governos e não à oposição, mesmo que esta proponha a volta do modelo neoliberal. Agrava-se o descontentamento social com as demandas insatisfeitas, o que pode gerar situações mais difíceis para os governos progressistas.
A crise é produto do sistema que a esquerda pretende mudar e se apresenta como uma oportunidade propícia para a iniciativa dos governos.
Um balanço político
A direita latino americana e caribenha, com seus aliados europeus e estadunidenses, estão implementando uma contra ofensiva, buscando recuperar os espaços perdidos desde 1998.
Isto inclui a ampliação da presença militar na região, o golpe em Honduras, as campanhas políticas contra Cuba e Venezuela, assim como a vitória da direita no Panamá, Chile e Colômbia.
Esta contraofensiva se realiza precisamente porque, desde 1998, existem sinais de uma ofensiva da forças populares – mesmo condicionada pela correlação de forças mundiais. Por isto, a continuidade da luta política entre os setores populares e a direita é a marca dos últimos anos.
Uma confrontação entre dois blocos, uma disputa renhida pelos rumos do nosso continente. Mas as forças populares continuam avançando. Como exemplo temos a reeleição de Evo Morales na Bolívia e de Rafael Correa no Equador. O presidente Hugo Chávez conseguiu aprovar o referendo que permite a reeleição. No Uruguai a Frente Ampla elegeu o companheiro Mujica. Em El Salvador tivemos a vitória de Mauricio Funes. Para 2010, o sinal mais importante é a dianteira da companheira Dilma Rousseff nas pesquisas eleitorais, como candidata presidencial das forças progressistas do Brasil.
Mesmo que a conexão entre a crise mundial e os processos eleitorais na ALC não tenha sido muito direta até o momento, os partidos do Foro de São Paulo, estão obrigados a discutir suas repercussões a nível regional e nacional, para evitar que a direita tire vantagem desta problemática.
O Foro de São Paulo deve realizar um balanço dos processos hondurenho, panamenho, chileno e colombiano. Devemos debater maneiras concretas de apoiar a unidade da esquerda, tanto nos países citados, como naqueles que terão eleições proximamente.
O golpe de estado em Honduras foi seguido da eleição de Porfírio Lobo, num processo questionado por todas as forças da esquerda. O resultado não foi reconhecido por vários governos e partidos progressistas e democráticos da região, mas com o passar dos dias, Lobo conseguiu um certo grau de normalização das relações de seu governo com os vizinhos.
O golpe foi uma prova para os organismos de integração da ALC. Mesmo tendo reagido corretamente, sobretudo no começo, na sequência foram incapazes de mobilizar os mecanismos necessários para evitar a consolidação do golpismo.
A rejeição da visita de Lobo à reunão cume UE-ALC na Espanha e seu cancelamento, mesmo sendo uma boa notícia, não muda muito as coisas. O golpe de estado foi um êxito da direita.
A destituição seguida do exílio do Presidente Zelaya, a repressão constante contra a Frente Nacional de Resistência, a presidência do direitista Lobo e a pressão internacional contrária quase nula, parecem confirmar que o golpe de estado conseguiu seu propósito central: eliminar um governo progressista, impor um representante dos interesses da oligarquia e golpear as forças populares que defendem uma alternativa anti neoliberal.
Esta situação merece reflexão, porque não há dúvida que a direita se fortaleceu na América Central e, em menor medida, no conjunto da AL. O golpe encontrou um governo que não havia construído nem um partido próprio, nem uma base social organizada capaz de enfrentar uma direita resolvida a tudo. As debilidades de Zelaya e da esquerda hondurenha não devem ocultar que a capacidade de reação da esquerda latino americana contra aquele golpe, foi muito deficiente.
Os territórios coloniais não escapam à direitização. Em Porto Rico, o Partido Novo Progressista, dirigido pela direita republicana e setores da empresa privada, revogaram na prática as garantias constitucionais, enquanto entrega o patrimônio nacional, os empregos públicos e os direitos trabalhistas ao setor privado. Na mesma linha promulgaram o desmantelamento das instituições da sociedade civil, mediante legislação unilateral; do mesmo modo, incrementaram a brutalidade policial e a repressão contra setores populares, como se pôde ver na última greve universitária.
As perguntas são: Como prevenir uma ação similar em outros países? Como evitar que o governo norte americano e a direita oligárquica na Américas, Central, Latina e Caribe, continuem se fortalecendo? Em síntese: como deve atuar a esquerda latino americana no futuro imediato para responder a esta nova ofensiva da direita?
AS TAREFAS
O XV Encontro do FSP, determinou três tarefas fundamentais: não ceder nenhum espaço para a direita, aprofundar as mudanças e acelerar o processo de integração.
Logo após este XVI Encontro, teremos as eleições legislativas na Venezuela (setembro) e as presidenciais no Brasil (outubro). O resultado destas eleições causará forte impacto na situação regional, particularmente as eleições presidenciais que vão realizar-se na Argentina, Guatemala e Nicarágua, bem como no Peru.
Como indicou o XV Encontro, ainda não dispomos de um acompanhamento científico que permita uma análise comparada dos êxitos dos distintos governos latino americanos de esquerda e progressistas. Motivo por que está em andamento a formação do Observatório de governos progressistas e de esquerda latino americana e caribenha.
Apesar da dificuldade de realizar este balanço, é possível fazer algumas afirmações:
a) nossas sociedades continuam sendo profundamente desiguais e mudar isto exigirá um tipo de desenvolvimento que inclua o fortalecimento do papel do Estado, ampliação das políticas públicas sociais e mudanças na estrutura da propriedade.
b) a contraofensiva da direita exigirá dos governantes progressistas e de esquerda da região, a ampliação da hegemonia política, que supõe a adoção de medidas que aprofundem a democracia, inclusive na comunicação social e os meios massivos de comunicação;
c) a crise internacional provocou e continuará provocando impactos na região, motivo por que o aprofundamento das mudanças dependerá cada vez mais do que se realize em termos regionais.
Podemos dizer que os governos progressistas e de esquerda da região continuam comprometidos com o objetivo de acelerar o processo de integração.
A reunião da regional latino americana e caribenha, bem como a posição da UNASUL, repudiando a presença de Porfírio Lobo na reunião cume EU-ALC, são sinais positivos. Também o é, a assinatura do Acordo de Teerã, pelo Brasil, Turquia e Irã, em maio último, de grande significação política e estratégica. Ao defender a manutenção do direito, consagrado nas normas internacionais, a respeito do domínio da tecnologia para produção de energia nuclear para fins pacíficos por parte dos países em desenvolvimento, o Acordo, se opõe à guerra e defende a paz como única saída para o conflito das potencias imperialistas contra o Irã. Ao mesmo tempo, o Acordo simboliza a tendência para a multipolaridade e comprova as dificuldades do imperialismo para dominar o mundo. O FSP valoriza este movimento, como expressão da luta contra a hegemonia de fundamento anti imperialista e favorável ao direito de desenvolvimento para o Sul do mundo.
O XVI Encontro considera vigentes as tarefas apontadas no encontro anterior. Mas é necessário juntar algumas perspectivas, orientações e necessidades, bem como tarefas político organizacionais relacionadas ao próprio Foro.
Em primeiro lugar, acreditamos ser de extrema importância e urgência fortalecer o debate estratégico entre nós. Os debates dos anos 1990, nos limites do FSP contribuíram muito para o sucesso que alcançamos no enfrentamento com o neoliberalismo, inclusiva na conquista de governos e suas ações.
Hoje vivemos uma situação nova, na região e no mundo. Enfrentá-la, supõe maior capacidade de análise e formulação estratégica.
Outro mundo é possível, mas é preciso decidir qual. As esquerdas da America Latina e do Caribe têm que definir uma identidade própria, recolhendo sua vasta experiência, nos governos e nos movimentos sociais, para estabelecer as propostas programáticas e ideológicas. A diversidade deve ser agora a fonte de sua capacidade propositiva.
Neste sentido, a Rede de Escolas, Fundações e Centros de Estudo do Foro de São Paulo, deve convocar para a tarefa de organizar, a partir de setembro de 2010, um ciclo de atividades com este propósito.
As definições programáticas e ideológicas da esquerda latino americana e caribenha, são ainda mais necessárias diante da falência da social democracia. Somente na AL e Caribe existe um movimento progressista que tem avançado exitosamente nos últimos anos, conquistando governos nacionais, construindo partidos políticos de massas e implantando movimentos sociais alternativos. Este êxito deve refletir-se na reconstrução de uma identidade de esquerda mais profunda. Os novos paradigmas surgirão da experiência prática e do debate intenso, respeitoso e incluindo os partidos progressistas e os movimentos sociais. Este debate deve fomentar-se amplamente e da forma mais diversa possível.
O FSP é uma instância que pode conduzir este debate, de modo destacado, por ser o espaço mais unitário, amplo e democrático dos partidos de esquerda e progressistas da AL e do Caribe e, em certo sentido, já é uma referencia mundial.
Queremos destacar também o movimento de mulheres do FSP, que contribui com sua luta pela igualdade social e política entre os gêneros. Devemos enfrentar os desafios que a chegada ao poder nos coloca, diante da situação de discriminação contra as mulheres em nossas sociedades e os ataques sofridos vindos da parte dos movimentos de direita e conservadores contra os direitos das mulheres.
Menção especial merece o esforço das juventudes do FSP. O primeiro encontro que aconteceu no México no ano passado, deve ter continuidade em Buenos Aires. A consolidação deste espaço é fundamental para fomentar a educação política entre os jovens, impulsionar a renovação dos nosso partidos e a substituição das gerações, bem como dar um maior protagonismo politico e ideológico a este setor da população.
Em segundo lugar, consideramos a necessidade de fortalecer o FSP como referencial latino americano e mundial. Isto requer as seguintes ações: fortalecimento das secretarias regionais; presença na comunidade latino americana e caribenha nos EUA e na Europa; relações bilaterais do FSP com organizações semelhantes na África, Asia e na Europa; continuidade dos projetos do FSP na área cultural, no Observatório de Governos e também na Rede de Escolas e Fundações.
O FSP deve dar continuidade aos trabalhos para consolidar-se como espaço de troca de informações e debate, de formação de quadros e produção intelectual (através das fundações), de definição das linhas estratégicas e de encontro para impulsionar a integração política, econômica e cultural da AL.
O FSP deve ser o espaço de coordenação de ações comuns entre os partidos que o integram. Neste sentido, não nos vemos como a única alternativa para as esquerdas latino americanas, embora continuemos representando o máximo denominador comum destas esquerdas.
Assim, devem ser mantido e aprofundado o intercâmbio não somente com os partidos da região e do mundo, mas também com os movimentos sociais.
Há uma grande vitalidade nos movimentos sociais latino americanos. A reunião sobre as mudanças climáticas em Cochabamba, Bolívia, em abril, foi uma mostra, assim como as atividades do FSP e outros eventos nacionais e internacionais. Os movimentos sociais foram os instigadores de mudanças políticas na AL e Caribe. Sem os movimentos sociais, os partidos e os governos progressistas não teriam podido avançar.
Por isto o FSP deve acercar-se dos movimentos sociais, baseado numa estratégia comum de luta contra a crise mundial e um acordo político para enfrentar a direita.
Do mesmo modo, deve assumir a responsabilidade mais firme no plano regional, diante dos organismos internacionais correspondentes, no sentido da descolonização e direito de independência dos territórios coloniais na região do Caribe, facilitando a estas nações o vínculo com o processo de integração latino americana.
Cabe ao FSP, estabelecer um intercambio sistemático entre os governos progressistas e de esquerda na região. Tanto no sentido indicado no projeto do Observatório, quanto em relação ao tema das relações partido-movimentos sociais-governos.
A verdade é que no âmbito de cada país estas relações são muito diversificadas, sendo comum que – depois das vitórias eleitorais – o centro do poder e da iniciativa estratégica se transfira do partido para o governo, com consequências sempre daninhas.
Em terceiro lugar, cabe ao FSP, colaborar para ampliar a eficácia eleitoral de seus partidos membros. Neste sentido, propomos que a Rede de Escolas e Fundações, em paralelo com as tarefas estratégicas mencionadas, comece de imediato um ciclo de reflexões sobre as experiências passadas e futuras, avançando para indicar medidas concretas que possam cobrir as pesquisas e comunicação, sempre respeitando a legislação eleitoral vigente em cada país.
Além das tarefas centrais – não ceder nenhum espaço para a direita, aprofundar as mudanças e acelerar o processo de integração – e além das tarefas organizativas – consolidar o FSP como referencial, aprofundar a reflexão estratégica incluindo movimentos, governos e processo eleitoral – consideramos essencial concluir este documento base com uma reflexão mais estratégica, sobre as características históricas do período que vivemos.
Insistimos na ideia de que vivemos um momento de crise e transição. Crise do neoliberalismo, crise do capitalismo, crise da hegemonia estadunidense. Mas, como é usual, sabemos o que agoniza, mas não sabemos o que está nascendo.
O neoliberalismo está em crise, mas não está morto de fato, nem no plano das ideias. Sua desmoralização não conduz automática, nem unicamente ao fortalecimento das ideias socialistas. Existe também o fortalecimento do pensamento keynesiano e o ressurgimento das matrizes extremadamente conservadoras e de direita.
O Capitalismo está em crise, mas muito longe de estar morto. A crise de sua forma neoliberal ou a decadência do seu eixo anglo saxônico, não significa que as relações capitalistas de produção estejam em colapso final. O capitalismo só desaparecerá de “morte matada” e não de “morte morrida”. E para que isto ocorra é necessário que exista uma força alternativa capaz de superá-lo, em escala nacional e mundial. O que ainda não existe nem parece estar próximo de existir.
A crise da hegemonia estadunidense permite análise similar. Por uma parte eles não tem mais a capacidade que tinham de exercer uma hegemonia mundial. Por outro lado está cada vez mais clara a aposta que um setor do establishment estadunidense faz para manter e prolongar sua hegemonia: a guerra, terreno em que sua supremacia destrutiva é esmagadora. A chantagem bélica, somada à força econômica (cristalizada na hegemonia do dólar), pode fazer que este declínio prevaleça por muito tempo, além de assumir formas que podem ser trágicas para a humanidade.
Os EUA tem 865 assentamentos militares fora do seu território, entre os quais, 45 a 59, estariam na AL, Caribe e cercanias. Assim é fundamental que a esquerda latino americana defina com mais precisão que tipo de estratégia de curto e médio prazo é possível utilizar contra os EUA.
Se não há perspectiva de um colapso, uma revolução ou pelo menos uma mudança estrutural fundamental nos EU, como vamos conviver com aquela nação tão agressiva? E como isto se traduz em nossas propostas de segurança nacional, frente ao narcotráfico e acerca da migração?
Ou ainda, como a estratégia diante dos EUA, deve influenciar projetos como o da União de Nações decidido em Cancun? Que pode fazer a esquerda partidária nos mecanismos de integração da AL – UNASUL, ALBA, MERCOSUL, CAN - ?
A esquerda latino americana tem que dar respostas a uma situação caracterizada por:
a) crise do neoliberalismo, num momento em que o pensamento crítico se recupera do efeito de mais de duas décadas de defensiva política e ideológica;
b) crise da hegemonia estadunidense, sem que exista um substituto hegemonico, criando uma situação que fomenta o multilateralismo, a formação de blocos regionais e alianças cruzadas;
a crise do atual modelo de acumulação de capital, sem que se vislumbre uma alternativa sistêmica;
d) crise do desenvolvimento conservador na AL, estando em curso uma transição para um pós-neoliberalismo, cujas características ainda não estão definidas.
A crise também indica para um período mais ou menos prolongado da instabilidade internacional. No corto e médio prazo, esta instabilidade se relaciona com a crise do capitalismo neoliberal e o declínio da hegemonia dos EUA. Estas diversas dimensões da instabilidade tornam a construção de alternativas mais urgentes e difíceis.
Por outro lado, três décadas de hegemonia neoliberal, limitaram o horizonte intelectual e a força da esquerda, especialmente fora da AL e Caribe. Estas contradições e limitações são evidentes, quando observamos a distância entre o tamanho da crise e a timidez das propostas e medidas adotadas. Isto fica claro especialmente no caso da social democracia europeia.
Os socialistas do século XXI não podem alegar ignorância: a luta para superar o capitalismo é longa e complexa. Nos anos 1990, com a dissolução da URSS, podemos dizer que o movimento socialista encaminhou-se para um período de “defensiva estratégica”.
A situação começou a mudar entre 1998 e 2008, primeiro com a ascensão de vários governos de esquerda na AL e em seguida com a crise internacional. Mas estes acontecimentos não mudaram a natureza da “defensiva estratégica”.
Exemplo disto é o contraste entre a profundidade da crise internacional e a capacidade dos estados capitalistas para evitar o desmoronamento de sua organização política e social.
Outro sinal é a existência de uma contraofensiva da direita latino americana, que aproveitou o reforço paradóxico da crise internacional, criando dificuldades econômicas e sociais que os governos mais progressistas têm que enfrentar.
Diante disto, a esquerda luta para manter os espaços conquistados, acelerar o processo de integração regional e aprofundar as mudanças. A questão prática é como fazê-lo evitando dois erros: tentar ir além da nossa capacidade para sustentar o processo político; e o outro não fazer o necessário para acumular forças na direção do socialismo.
O movimento socialista do século XX foi derrotado. Mas o repertório de experiências é enorme. Contrariamente os experimentos e intentos dos socialistas do nosso século XXI ainda são muito limitados. Durante este período não tivemos nenhuma grande revolução. Na América Latina, mesmo estando orgulhosos dos governos que conseguimos desde 1998, estamos longe da da profundidade política e social alcançada pele revolução cubana de 1959. A luta pelo socialismo no século XXI, ainda não protagonizou nenhuma revolução como aquela. No campo teórico, ainda não conseguimos produzir a necessária análise do capitalismo contemporâneo, nem dos caminhos para construir o socialismo do século XX, nem da estratégia para a luta pelo poder e a construção socialista no ambiente do século XXI.
Talvez seja mais exato falar de socialismos e estratégias. Nosso movimento sempre foi plural, geográfica, sociológica, teórica, organizativa e politicamente. Isto não significa equiparar as diferentes tradições, mas implica lembrar que somos herdeiros de um complexo e plural patrimônio coletivo.
Uma das razões deste pluralismo é o capitalismo. O modo capitalista de produção impulsiona uma tendência uniforme, mas as estruturas sócio econômicas capitalistas, em diferentes regiões do mundo e épocas históricas, têm diferenças importantes entre si. Por isto, a superação do capitalismo requer diferentes estratégias de resistência, de conquista do poder e de construção do socialismo. Não significa que todas as estratégias são válidas, mas sim que o movimento socialista deve repelir a ideia de que só haja uma estratégia válida para todos os lugares e tempos.
Outra razão para usar o plural é que as diversas classes e setores na luta contra o capitalismo não têm necessariamente os mesmos objetivos a longo prazo.
Vale a pena dizer que esta pluralidade está além da existência de partidos, programas e estratégias diferentes. Desde os que visam um estado de democracia e bem estar, no marco do capitalismo, até os que defendem um tipo de socialismo que implica em preservar a organização social comunitária pre capitalista. Ou para quem o socialismo se confunde com a luta contra o imperialismo. Ou seja, a diversidade do movimento socialista moderno é tão ampla, que as categorias plurais são mais apropriadas.
O debate sobre o socialismo na AL no começo deste século XXI, deve ajudar-nos a responder:
a) como passar da condição de governo à condição de poder?
b) como passar da situação atual, em que estamos melhorando a vida da gente nos marcos do capitalismo, para a nova situação, em que possamos melhorar a vida das pessoas no marco de uma transição socialista?
Se tivermos êxito com a combinação das diferentes estratégias nacionais e uma estratégia continental, vamos dar uma importante contribuição para que o movimento socialista passe da situação atual de “defensiva estratégica” para o estado de “equilíbrio estratégico”, pelo menos em nosso continente.
Por tudo isto o processo de integração da AL e do Caribe adquiriram uma importância estratégica. O objetivo central neste processo e a consolidação de vínculos econômicos, sociais, políticos, militares e ideológicos, para que os países membros possam conviver sem subordinação ou dependência, com o espaço político ainda sob a hegemonia dos EUA e da União Europeia.
A questão que se apresenta é da possibilidade de construir uma nova ordem em escala regional ou mundial, baseada na expansão dos mercados internos e em trocas internacionais mais justas.
Qualquer que seja a resposta a tais perguntas, fica claro que estamos diante de conflitos de longo prazo, que se desenvolverão em ambiente de forte instabilidade, em dois planos distintos mais articulados: em primeiro lugar, dentro de cada país; em segundo lugar, entre diferentes estados e blocos regionais.
Como resultado destes conflitos, pode surgir um mundo mais conservador ou mais progressista. E até um mundo socialista. E por isto que trabalhamos e esta é hoje, mais que nunca, uma causa da humanidade, porque a crise, a guerra e o alarmante desgaste do ecossistema, ameaçam a sobrevivência da espécie humana.
Hoje, quando se comemora o Bicentenário dos numerosos processos independentistas latino americanos e caribenhos, o FSP reafirma sua decisão de ampliar a unidade dos partidos progressistas populares e de esquerda; aprofundar as mudanças; derrotar a contraofensiva da direita e consolidar a integração regional.
Hoje quando os projetos populares da AL têm melhores condições que há dez anos, para marchar em direção a uma nova sociedade, com justiça, equidade e soberania, o FSP reafirma seu compromisso com o internacionalismo, com a democracia, com um desenvolvimento que respeite o meio ambiente, com o planejamento democrático, com a propriedade pública dos principais meios de produção, com o socialismo.