No julgamento do mensalão o Supremo Tribunal Federal (STF)
está decidindo a sua sorte. Mas não só: estará decidindo também a sorte da
democracia brasileira. A Corte deve servir de exemplo não só para o restante do
Poder Judiciário, mas para todo cidadão. O que estamos assistindo, contudo, é a
um triste espetáculo marcado pela desorganização, pelo desrespeito entre seus
membros, pela prolixidade das intervenções dos juízes e por manobras jurídicas.
Diferentemente do que ocorreu em 2007, quando do recebimento
do Inquérito 2.245 ─ que se transformou na Ação Penal 470 ─, o presidente
Carlos Ayres Britto deixou de organizar reuniões administrativas preparatórias,
que facilitariam o bom andamento dos trabalhos. Assim, tudo passou a ser
decidido no calor da hora, sem que tenha havido um planejamento minimamente
aceitável. Essa insegurança transformou o processo numa arena de disputa
política e aumentou, desnecessariamente, a temperatura dos debates.
Desde o primeiro dia, quando toda uma sessão do Supremo foi
ocupada por uma simples questão de ordem, já se sinalizou que o julgamento
seria tumultuado. Isso porque não interessava aos petistas que fosse tomada uma
decisão sobre o processo ainda neste ano. Tudo porque haverá eleições
municipais e o PT teme que a condenação dos mensaleiros possa ter algum tipo de
influência no eleitorado mais politizado, principalmente nas grandes cidades.
São conhecidas as pressões contra os ministros do STF lideradas por Luiz Inácio
Lula da Silva. O ex-presidente agiu de forma indigna. Se estivesse no exercício
do cargo, como bem disse o ministro Celso de Mello, seria caso de abertura de
um processo de impeachment.
A lentidão do julgamento reforça ainda mais a péssima imagem
do Judiciário. Quando o juiz não consegue apresentar brevemente um simples
voto, está sinalizando para o grande público que é melhor evitar procurar aquela
instância de poder. O desprezo pela Justiça enfraquece a consolidação da
democracia. Quando não se entende a linguagem dos juízes, também é um mau
sinal. No momento em que observa que um processo acaba se estendendo por anos e
anos ─ sempre havendo algum recurso postergando a decisão final ─ a descrença
toma conta do cidadão.
Os ministros mais antigos deveriam dar o exemplo. Teriam de
tomar a iniciativa de ordenar o julgamento, diminuir a tensão entre os pares,
possibilitar a apreciação serena dos argumentos da acusação e da defesa,
garantindo que a Corte possa apreciar o processo e julgá-lo sem delongas.
Afinal, se a Ação Penal 470 tem enorme importância, o STF julga por ano 130 mil
processos. E no ritmo em que está indo o julgamento é possível estimar ─
fazendo uma média desde a apresentação de uma pequena parcela do voto do
ministro Joaquim Barbosa ─, sendo otimista, que deverá terminar no final de
outubro.
Esse julgamento pode abrir uma nova era na jovem democracia
brasileira, tão enfraquecida pelos sucessivos escândalos de corrupção. A
punição exemplar dos mensaleiros serviria como um sinal de alerta de que a
impunidade está com os dias contados. Não é possível considerarmos
absolutamente natural que a corrupção chegue até a antessala presidencial. Que
malotes de dinheiro público sejam instrumento de “convencimento” político. Que
uma campanha presidencial ─ como a de Lula, em 2002 ` seja paga com dinheiro de
origem desconhecida e no exterior, como foi revelado na CPMI dos Correios e
reafirmado na Ação Penal 470.
A estratégia do PT é tentar emparedar o tribunal. Basta
observar a ofensiva na internet montada para pressionar os ministros. O PT tem
uma vertente que o aproxima dos regimes ditatoriais e, consequentemente, tem
enorme dificuldade de conviver com qualquer discurso que se oponha às suas
práticas. Considera o equilíbrio e o respeito entre os três Poderes um
resquício do que chama de democracia burguesa. Se o STF não condenar o núcleo
político da “sofisticada organização criminosa”, como bem definiu a
Procuradoria-Geral da República, e desviar as punições para os réus
considerados politicamente pouco relevantes, estará reforçando essa linha
política.
Porém, como no Brasil o que é ruim sempre pode piorar, com
as duas aposentadorias previstas ─ dos ministros Cezar Peluso, em setembro, e
Ayres Britto, em novembro ─ o STF vai caminhar para ser uma Corte petista. Mais
ainda porque pode ocorrer, por sua própria iniciativa, a aposentadoria do
ministro Celso de Mello. Haverá, portanto, mais três ministros de extrema
confiança do partido ─ em sã consciência, ninguém imagina que serão designados
ministros que tenham um percurso profissional distante do lulopetismo. Porque
desta vez a liderança petista deve escolher com muito cuidado os indicados para
a Suprema Corte. Quer evitar “traição”, que é a forma como denomina o juiz que
deseja votar segundo a sua consciência, e não como delegado do partido.
Em outras palavras, o STF corre perigo. E isso é
inaceitável. Precisamos de uma Suprema Corte absolutamente independente. Se,
como é sabido, cabe ao presidente da República a escolha dos ministros, sua
aprovação é prerrogativa do Senado. E aí mora um dos problemas. Os senadores
não sabatinam os indicados. A aprovação é considerada automática. A sessão
acaba se transformando numa homenagem aos escolhidos, que antes da sabatina já
são considerados nomeados.
Poderemos ter nas duas próximas décadas, independentemente
de que partido detenha o Poder Executivo, um controle petista do Estado
brasileiro por intermédio do STF, que poderá agir engessando as ações do
presidente da República. Dessa forma ─ e estamos trabalhando no terreno das
hipóteses ─ o petismo poderá assegurar o controle do Estado, independentemente
da vontade dos eleitores. E como estamos na América Latina, é bom não duvidar.