No depoimento em que escancarou as catacumbas do mensalão, o deputado Roberto Jefferson ordenou ao ministro José Dirceu que deixasse imediatamente a chefia da Casa Civil. “Rápido! Sai daí rápido, Zé!”, determinou o presidente do PTB em 14 de junho de 2005, diante da plateia de parlamentares aglomerada na sala da CPI dos Correios. Despejado do Planalto dias depois, Dirceu teria o mandato cassado em dezembro.
Passados cinco anos, Dirceu repete que foi vítima de uma vingança política da oposição e se proclama inocente. A esperteza do guerrilheiro de festim é implodida pela denúncia apresentada em 30 de março de 2006 pelo então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, encampada quase integralmente no ano seguinte pelo ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal. Confira 13 momentos do histórico arrazoado em que aparece o nome de José Dirceu:
1)
A análise das movimentações financeiras dos investigados e das operações realizadas pelas instituições financeiras envolvidas no esquema demonstra que estes, fazendo tabula rasa da legislação vigente, mantinham um intenso mecanismo de lavagem de dinheiro com a omissão dos órgãos de controle, uma que possuíam o apoio político, administrativo e operacional de José Dirceu, que integrava o Governo e a cúpula do Partido dos Trabalhadores (…)
2)
O núcleo principal da quadrilha era composto pelo ex Ministro José Dirceu, o ex tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares, o ex Secretário-Geral do Partido dos Trabalhadores, Sílvio Pereira, e o ex Presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genoíno. Como dirigentes máximos, tanto do ponto de vista formal quanto material, do Partido dos Trabalhadores, os denunciados, em conluio com outros integrantes do Partido, estabeleceram um engenhoso esquema de desvio de recursos de órgãos públicos e de empresas estatais e também de concessões de benefícios diretos ou indiretos a particulares em troca de ajuda financeira (…)
3)
As provas colhidas no curso do Inquérito demonstram exatamente a existência de uma complexa organização criminosa, dividida em três partes distintas, embora interligadas em sucessivas operações: a) núcleo central: José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira (…)
4)
Ante o teor dos elementos de convicção angariados na fase pré-processual, não remanesce qualquer dúvida de que os denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira, objetivando a compra de apoio político de outros Partidos Políticos e o financiamento futuro e pretérito (pagamento de dívidas) das suas próprias campanhas eleitorais associaram-se de forma estável e permanente aos denunciados (…) para o cometimento reiterado dos graves crimes descritos na presente denúncia (…)
5)
É certo que José Dirceu, então ocupante da importante Chefia da Casa Civil, em razão da força política e administrativa de que era detentor, competindo-lhe a decisão final sobre a indicação de cargos e funções estratégicas na administração pública federal, foi o principal articulador dessa engrenagem, garantindo-lhe a habitualidade e o sucesso. Sua atuação, na verdade, teve origem no período que presidiu o Partido dos Trabalhadores no curso da eleição presidencial de 2002 (…)
6)
Roberto Jefferson, com o conhecimento de quem vendia apoio político à organização delitiva ora denunciada, em todos os depoimentos prestados, apontou José Dirceu como o criador do esquema do “mensalão”. (…) Roberto Jefferson afirmou que todas as tratativas sobre a composição política, indicação de cargos, mudança de partidos por parlamentares para compor a base aliada em troca de dinheiro e compra de apoio político foram tratadas diretamente com o ex Ministro Chefe da Casa Civil, José Dirceu. Tratavam, inclusive, sobre o “mensalão”, matéria que foi objeto de conversa entre ambos em cinco ou seis oportunidades (…)
7)
Com a base probatória colhida, pode-se afirmar que José Genoíno, até pelo cargo partidário ocupado, era o interlocutor político visível da organização criminosa, contando com o auxílio direto de Sílvio Pereira, cuja função primordial na quadrilha era tratar de cargos a serem ocupados no Governo Federal. Delúbio Soares, por sua vez, era o principal elo com as demais ramificações operacionais da quadrilha (Marcos Valério e Rural) repassando as decisões adotadas pelo núcleo central. Tudo sob as ordens do denunciado José Dirceu, que tinha o domínio funcional de todos os crimes perpetrados, caracterizando-se, em arremate, como o chefe do organograma delituoso (…)
8 )
Merece destaque, para o completo entendimento de todos os mecanismos de funcionamento do esquema, a relevância do papel desempenhado por José Dirceu no Governo Federal. De fato, conforme foi sistematicamente noticiado pela imprensa após o início do Governo atual, José Dirceu inegavelmente era a segunda pessoa mais poderosa do Estado brasileiro, estando abaixo apenas do Presidente da República. Assim, a atuação voluntária e consciente do ex Ministro José Dirceu no esquema garantiu às instituições financeiras, empresas privadas e terceiros envolvidos que nada lhes aconteceria, como de fato não aconteceu até a eclosão do escândalo, e também que seriam beneficiados pelo Governo Federal em assuntos de seu interesse econômico, como de fato ocorreu (…)
9)
Marcos Valério, diante das claras evidências no sentido de que Delúbio Soares não atuava sozinho no Partido dos Trabalhadores, pois não teria a autonomia necessária para estruturar operações do porte das investigadas nos autos, admitiu que o então Ministro José Dirceu, representando a cúpula do Partido dos Trabalhadores e como alto integrante do Governo Federal, estava ciente dos esquemas de repasse de dinheiro estabelecidos com Delúbio Soares, tendo garantido as operações (…)
10)
Toda a estrutura montada por José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira tinha entre seus objetivos angariar ilicitamente o apoio de outros partidos políticos para formar a base de sustentação do Governo Federal. Nesse sentido, eles ofereceram e, posteriormente, pagaram vultuosas quantias a diversos parlamentares federais, principalmente os dirigentes partidários para receber apoio político do Partido Progressista (PP), Partido Liberal (PL), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e parte do Partido do Movimento Democrático Brasileiro ─ PMDB (…)
11)
Para a execução dos pagamentos de propina, José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira valeram-se dos serviços criminosos prestados por Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias (…)
12)
Ao longo dos anos de 2003 e 2004, os denunciados Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas e Antônio Lamas receberam aproximadamente dez milhões e oitocentos mil reais a título de propina. O acordo criminoso com os denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira foi acertado na época da campanha eleitoral para Presidência da República em 2002, quando o PL participou da chapa vencedora (…)
13)
José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira, mediante pagamento de propina, adquiriram apoio político de Parlamentares Federais do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB. Os pagamentos foram viabilizados pelo núcleo publicitário-financeiro da organização criminosa. Os parlamentares federais que receberam vantagem indevida foram José Carlos Martinez (falecido), Roberto Jefferson e Romeu Queiroz. Todos contaram com o auxílio direto na prática dos crimes de corrupção passiva do denunciado Emerson Palmieri (…)
José Dirceu foi acusado de formação de quadrilha, peculato e corrupção ativa. Somadas as penas previstas para cada delito, pode ser engaiolado por cinco a 27 anos.