PRIMEIRO ASSALTO (sala de estar da casa na Rua Costa Rica, no Jardim América)
─ Que livro o senhor está lendo? ─ pergunto ao governador Paulo Maluf no meio da entrevista para as páginas amarelas de VEJA.
Eu decidira introduzir o tema por dois motivos. Primeiro: interromper a discurseira sobre Petropaulo, rodovias, viadutos e outras façanhas administrativas do entrevistado ─ em São Paulo, como se sabe, tudo foi Maluf quem fez. Segundo: como políticos brasileiros não têm muita intimidade com estantes, queria pegá-lo no contrapé.
– A Terceira Onda, do Alvin Tofler – responde de bate-pronto.
Era o sucesso da hora. Tratava de novas tendências da economia, como a terceirização de serviços, e já vendera milhões de exemplares no mundo inteiro. Ele nota que estou surpreso e parte para a ofensiva.
– Você já leu?
– Ainda não.
– Pois leia. Vai aprender alguma coisa.
O Doutor Paulo vence o primeiro assalto.
SEGUNDO ASSALTO (estúdio da TV Gazeta, Avenida Paulista)
─ Que livro o senhor está lendo? – volto a perguntar dois anos mais tarde ao ainda governador Paulo Maluf.
Como a conversa no programa Veja Entrevista se arrastava por canteiros de obras e promessas a cumprir quando chegasse à Presidência da República, resolvera repetir o truque.
– A Terceira Onda, do Alvin Tofler ─ responde de bate-pronto.
Contenho o entusiasmo ao deduzir que ele havia esquecido a conversa anterior. Chegou a minha vez, penso enquanto saboreio antecipadamente a vingança. Solto o direto no fígado:
─ Ainda não acabou de ler ou está lendo de novo?
─ Como assim? ─ ele parece intrigado.
─ Há dois anos, o senhor me disse que estava lendo esse livro. Quero saber se não chegou ao fim ou se gostou tanto que resolveu reler.
Maluf parte para o improviso sem pausa:
─É o meu livro de cabeceira.
Acuso o contragolpe e ele retoma a ofensiva:
─ E você, já leu?
Não, ainda não lera.
─ Está perdendo uma boa chance de melhorar a cabeça ─ ironizou.
O Doutor Paulo vence o segundo assalto.
TERCEIRO ASSALTO (estúdio da RBS TV, Porto Alegre)
– Que livro o senhor está lendo? – pergunto oito anos depois do segundo assalto ao agora prefeito Paulo Maluf.
A entrevista está chegando ao fim, eu nem planejara surpreendê-lo, só resolvera mudar de assunto. Maluf, sempre sem pausas:
– A Terceira Onda, do Alvin Tofler.
Quase caio da cadeira. Demoro a acreditar no que acabei de ouvir. O prodígio de memória capaz de chamar pelo nome todos os integrantes da família real saudita ─ um viveiro de Abns e Ibns ─ esqueceu que já dissera aquilo duas vezes. Dessa ele não escapa.
– Acho estranho ─ começo. ─ Há dez anos, o senhor me disse que estava lendo isso. Há oito anos, também. O senhor só leu esse livro?
O Grande Falante emudece momentaneamente. Parto para o ataque:
─ Já li o livro ─ antecipo-me.
Estou mentindo, mas Maluf não tem como saber.
─ Achei só razoável, não é coisa para se ler a vida inteira ─ tripudio.
E então consigo o milagre: ele perde a calma.
─ Eu leio o que quero! ─ esbraveja. ─ Você não tem nada com isso! E isso não é assunto para entrevista séria! Ou mudamos de tema ou paro por aqui!
Mudamos de tema e a entrevista prossegue sem mais sobressaltos.
Perdi a luta por 2 a 1. Mas achei que fui tão bem no terceiro assalto que me atribuí o título de campeão moral.