sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Nelson Motta: O reino do faz de conta

Não chamar as coisas pelos seus nomes - principalmente quando são desagradáveis, ilegais ou imorais -, mas por doces eufemismos, é uma das características mais marcantes do estilo brasileiro. Já começa no nosso célebre jeitinho - o nome que damos a transgressões da lei e das normas para levar vantagem em tudo.

De gratuito, o horário eleitoral não tem nada: as emissoras recebem créditos fiscais por suas perdas de receita comercial e são os contribuintes que pagam pela boca livre dos partidos, num milionário financiamento público das campanhas. Contribuinte já é um eufemismo que sugere ser facultativo e voluntário o pagamento obrigatório de impostos. Em inglês, os que pagam a conta são chamados literalmente de “pagadores de impostos”.

“Prestar contas do mandato” significa que o parlamentar gastou verba oficial para se promover com seu eleitorado. As chantagens, achaques e acertos dos políticos com o governo são sempre em nome da “governabilidade”. É claro que ninguém fala de suborno ou propina, ou mesmo da antiga comissão, nossa inventividade criou a “taxa de sucesso”.

O companheiro Delúbio Soares deu inestimável contribuição ao nosso acervo eufemístico criando o imortal “recursos não contabilizados” em substituição ao antigo, mas sempre atual, “caixa 2”, eufemismo histórico para sonegação de impostos e dinheiro sujo.

No Brasil, quase todas as organizações não governamentais só vivem com o dinheiro governamental: o meu, o seu, o nosso. Assim como “notória capacidade técnica” é o álibi linguístico para ganhar licitações sem disputá-las, “mudança de escopo” é o superfaturamento legalizado.

O clássico “o técnico continua prestigiado” significando iminente demissão migrou do futebol para a política com sucesso. Diante de acusações da imprensa, o ministro jura que não fez nada de errado e o governo diz que ele está prestigiado. A novidade é que agora, justamente porque é inocente e está prestigiado, ele pede para sair antes de ser demitido.

No país do faz de conta, quando se ouve falar em “rigorosa investigação, doa a quem doer”, todos entendem que não vai dar em nada.