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Nos anos 1960, a Guerra Fria agitava o mundo com os EUA e a
União Soviética em disputa pela hegemonia global. Tinham visões distintas de
como o Estado proporciona desenvolvimento, segurança e bem-estar à nação. À
visão capitalista, liberal, democrática e aos valores cristãos nos EUA,
contrapunha-se o ideal socialista, centralista, totalitário e materialista ateu
na URSS. Embora os valores brasileiros identifiquem-se mais com a visão
norte-americana, nenhuma serve ao país, em sua forma pura, pois nossas
peculiaridades impõem um modelo entre o liberal e a democracia social, sendo
mais próximo do primeiro.
Por outro lado, acima de crenças ideológicas estava o
interesse pela hegemonia. Eram dois “impérios” em luta pelo poder mundial e a
adesão do Brasil ao bloco socialista era uma prioridade da União Soviética,
pois arrastaria toda a América do Sul.
Em meados de 1963, o Presidente João Goulart abandonou o
plano econômico ortodoxo de Celso Furtado, devido ao seu alto custo político, e
lançou um programa radical de Reformas de Base sem ter força política para
aprová-lo no Congresso Nacional, daí ter tentado implantar o estado de sítio em
outubro de 1963. Não foi este programa radical que determinou a queda de Jango
e sim a tentativa de impô-lo na lei ou na marra, como era o slogan da campanha
das Reformas de Base.
Além disso, foi fatal, também, a sua aliança com o então
ilegal Partido Comunista Brasileiro (PCB), que empregava a subversão
político-social e a infiltração nas instituições como estratégias prioritárias
para a tomada do poder. Luiz Carlos Prestes, líder do PCB, chegou a declarar:
“já temos o governo, nos falta o poder”.
Mas a luta armada também estava em preparação. Militantes
comunistas faziam curso de guerrilha rural na China, havia 218 Ligas Camponesas
armadas no Nordeste, sob a orientação cubana, e Brizola mobilizava os Grupos
dos Onze, cujos estatutos preconizavam: “Em centros urbanos, a tática será a de
guerra suja, com a utilização de escudos civis, principalmente mulheres e
crianças.”; e, no caso de insucesso do movimento, determinava “o julgamento
sumário de oponentes – os reféns deverão ser sumária e imediatamente fuzilados”.
A subversão nas FA teve três momentos visíveis: a Revolta
dos Sargentos em 12 de setembro de 1963; o Motim dos Marinheiros em 25 de março
de 1964 – em ambos, Jango libertou os presos sem punição nem julgamento,
passando por cima dos Ministros Militares; e o terceiro foi o jantar em apoio
ao Presidente, oferecido pelos sargentos no Automóvel Clube do Rio de Janeiro
em 30 de março, onde, além de discursos de graduados, Jango ameaçou os oficiais
que se pronunciavam contra a indisciplina nos quartéis.
Para grande parte da Nação, o próprio Presidente faltava ao
compromisso de defender a Constituição, gerando insegurança, desconfiança e
reação numa sociedade conservadora e predominantemente católica. Dessa forma,
afastou a classe média, Igreja, imprensa, a maioria dos políticos e os militares
legalistas, que se uniram para corrigir o rumo imposto ao País, mesmo com o
rompimento da ordem constitucional.
A Nação era imatura para a plenitude democrática e as
instituições nacionais eram fracas para impor o equilíbrio e a harmonia dos
Poderes diante de crises políticas agudas.
Foi o Comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964,
que marcou a escalada do golpe comunista-sindicalista com a ameaça ao
Legislativo, a quebra do direito de propriedade e a anarquia levada às ruas e
quartéis para imobilizar as FA pela quebra da hierarquia, disciplina e coesão.
Marcou também o início da reação organizada das forças democráticas, antes
dispersas.
O movimento civil-militar de 31 de março foi apoiado pela
população como mostraram as gigantescas manifestações populares antes e após
aquela data. Os jornais O Globo, Jornal do Brasil, Correio da Manhã, Estadão e
Folha de São Paulo atestam o rumo do golpe comunista então em andamento:
Estadão de 31 de março de 1964 – “Se a rebelião dos
sargentos da Aeronáutica fora suficiente para anular praticamente a eficiência
da Arma, a subversão da ordem na Marinha assumia dimensões de um verdadeiro
desastre nacional”.
Folha de São Paulo de 31 de março de 1964 – “Deve-se
reconhecer, hoje, que a Marinha como força organizada não existe mais”.
O Globo de 31 de março de 1964 – “Seria --- loucura
continuarem as forças democráticas desunidas e inoperantes, enquanto os
inimigos do regime vão --- fazendo ruir tudo aquilo que os impede de atingir o
poder. --- a democracia não deve ser um regime suicida, que dê a seus
adversários o direito de trucidá-la ---”.
Jango, que tivera amplo apoio da Nação para tomar posse em
1961, não teve nenhuma reação das instituições, dos partidos ou do povo
brasileiro em sua defesa, em 1964. Ele perdera, para o PCB, Brizola e os
sindicatos, as rédeas do movimento ao qual se aliara e quisera liderar de
acordo com seus propósitos.
Em 02 de abril, o Presidente do Congresso Nacional declarou
vaga a Presidência da República e investiu no cargo o Presidente da Câmara dos
Deputados, Ranieri Mazzilli, interinamente. A Constituição determinava a
eleição pelo Congresso Nacional, em 30 dias, de um novo Presidente para
completar o mandato de Jango. Assim foi feito pelo Congresso Nacional,
institucionalizando o novo governo.
REGIME MILITAR - PERÍODO ENTRE 1964 E 1985
O regime militar era de exceção como os próprios Presidentes
reconheciam ao defenderem a necessidade de redemocratização. Autoritário, ao
limitar as liberdades individuais, política e de imprensa, mas não totalitário,
que elimina a liberdade e a oposição, cala a imprensa e impõe o pensamento
único.
Havia o partido de oposição - o MDB - com espaço na mídia e
disputando eleições livres. A bandeira do MDB era democracia já, enquanto a do
partido de apoio do governo, a ARENA, era a redemocratização gradual e segura.
Havia músicas de protesto, festivais da canção, grupos e peças teatrais e
periódicos que criticavam o regime. Livrarias vendiam obras de linha
marxista-leninista. Havia sim a ordem constitucional. Ives Gandra, no JB de 25
de março de 2004 declarou: “como todos os movimentos políticos, a revolução tem
aspectos negativos, o principal deles a quebra do regime democrático, e
aspectos positivos, como o crescimento da economia, o pleno emprego até 1980 e
o respeito ao direito dos contribuintes e ao poder judiciário”. Tais liberdades
são impensáveis em regimes totalitários como o cubano, chinês e soviético,
matrizes orientadoras da esquerda revolucionária armada.
Os grupos da luta armada no Brasil não tiveram o reconhecimento
de nenhuma democracia e de nenhum organismo internacional de que lutassem por
democracia e liberdade ou representassem parte do povo brasileiro. Isso derruba
o argumento de que exerciam direito de revolta armada reconhecido pela ONU. Por
outro lado, é hipocrisia a condenação dos governos militares por setores que
professavam e ainda professam a ideologia de Estados totalitários responsáveis
pelos maiores crimes contra a humanidade como foram a URSS e a China, seguidos
de Cuba. Se tivessem conquistado o poder e se tornado Estado, cometeriam as
mesmas atrocidades de suas matrizes.
A redemocratização veio a partir de 1978, não por obra da
esquerda revolucionária, então totalmente desmantelada. É um engano
considerá-la vitoriosa porque antigos militantes ocupam, hoje, posições
importantes na sociedade. Eles não chegaram ao poder pela força das armas e ao
arrepio da lei e sim como cidadãos com plenos direitos assegurados desde a
anistia em 1979. Abandonaram a luta armada, derrotados, e se submeteram às normas
democráticas, reintegrando-se à sociedade na forma da lei, em pleno regime
militar e como exigiam a Nação e o Estado. O Brasil tornou-se uma democracia,
aspiração da sociedade, da oposição legal e dos governos militares, e não um
país comunista, escravizado por um partido único, objetivo não alcançado pela
esquerda revolucionária.
O Exército não mudou, mas evoluiu com o País, sem perder
seus princípios e valores. Foram 16 crises político-militares de 1922 a 1964,
envolvendo militares com partidos políticos e com o Exército dividido. Após
1964, e com a derrota da luta armada em 1978, veio a redemocratização. Apontem
uma crise político-militar no País desde então. Foi o regime militar que
separou as FA da política, reforçando as instituições e os Poderes nacionais.
Foi um dos seus grandes feitos e é uma das causas da estabilidade da nossa
democracia.
Luiz Eduardo da Rocha Paiva é General de Divisão na Reserva.
Texto do painel PAINEL 1964 - A VERDADE, no Clube Militar, em 29 de março de
2012.