Os cretinos fundamentais de antigamente se limitavam a babar
na gravata, lembrou Nelson Rodrigues numa crônica de maio de 1969. “O primeiro
a saber-se idiota era o próprio idiota”, escreveu. “Julgando-se um inepto nato
e hereditário, jamais se atreveu a mover uma palha, ou tirar uma cadeira do
lugar. Nunca um idiota tentou questionar os valores da vida”. Antes que se
desse “a ascensão fulminante e espantosa do idiota”, decidiam por ele quem
tinha cabeça para pensar e sabia o que fazia.
Nestes trêfegos trópicos, as coisas mudaram dramaticamente
quando a espécie se tornou hegemônica. E alcançaram dimensões siderais depois
que os imbecis de nascença perderam primeiro o constrangimento e depois a
vergonha, constatei num post de janeiro de 2011. No 11° ano da Era da
Mediocridade, elegem e são eleitos, escolhem e são escolhidos, nomeiam e são
nomeados, mandam e obedecem.
Em suas infinitas ramificações ─ o vigarista e o otário, o
fanático e o abúlico, o cafajeste e o bobo alegre, o arrogante e o submisso, o
eleito e o eleitor, o assaltante e o assaltado ─, a tribo tem representantes na
cúpula do Poder Executivo, no
Ministério, no segundo e no terceiro escalões, no Congresso e nas Assembleias
Legislativas, nos tribunais e na imprensa. Os idiotas estão por toda parte.
Estão no governo e na oposição.
E agem em qualquer palco como se a estupidez epidêmica não
tivesse ninguém na plateia, informam estes primeiros dias de fevereiro. O
cortejo de cretinices foi aberto em Washington, durante a discurseira de Lula
para sindicalistas americanos. “O Obama precisa ouvir vocês”, descobriu o
consultor-geral do planeta. “Peço a Deus que ele saiba que não pode errar
porque, senão, nenhum outro negro será eleito no país porque o preconceito é
muito forte”.
No mesmo dia, Renan Calheiros garantiu em Brasília que está
regenerado: “Serei o guardião da ética no Senado”, avisou. Nesta segunda-feira,
Dilma Rousseff aproveitou a mensagem anual ao Congresso para dedilhar a lira do
delírio. “Nesse momento em que a atividade política é tão vilipendiada, faço
questão de registrar o meu sincero reconhecimento ao imprescindível papel do
Congresso Nacional na construção de um Brasil mais democrático, justo e
soberano”, diz um trecho do papelório.
Numa única frase, a chefe do Executivo conseguiu repreender
quem acha que gente corrupta merece cadeia, festejar a promoção de Renan
Calheiros a síndico da Casa do Espanto, comemorar a entrega da gerência do
Feirão da Bandidagem a Henrique Alves e louvar o patriotismo dos companheiros
que prestam serviços à pátria no Carandiru sem grades. Foi prontamente
endossada pelos destinatários da idiotice.
“É com profunda indignação e repulsa que ainda vemos setores
da sociedade e da grande imprensa questionarem a existência e a própria
finalidade do Poder Legislativo”, recitou Marco Maia, caprichando na pose de
virgem difamada. Henrique Alves prometeu dispensar aos prontuários homiziados
nos gabinetes o carinho que negou ao bode Galeguinho. “O Poder que representa o
povo brasileiro é esta Casa”, declamou. “Não se esqueçam que aqui nesta Casa só
tem parlamentar abençoado pelo voto popular deste imenso Brasil”.
Tradução: como foram autorizados pelas urnas a estuprar a
lei impunemente, os mandatos dos quadrilheiros do mensalão condenados pelo STF
não serão cassados. Mesmo depois de encarcerados, continuarão representando o
povo.O Congresso do País do Carnaval não enxerga diferenças entre uma cela e a
tribuna, ou entre o pátio de um presídio e o plenário.
Os parlamentares supostamente oposicionistas tampouco
enxergam diferenças entre governo e oposição. Uns silenciosamente, outros sem
disfarces, vários deputados e senadores
do PSDB e do DEM se renderam aos candidatos apadrinhados pelo Planalto. Aécio
Neves, que jura ter votado contra Renan Calheiros, descobriu só no dia seguinte
que deveria ter discursado na véspera. O fenômeno diagnosticado por Nelson
Rodrigues é suprapartidário. Os idiotas
infestam o governo e abundam na oposição.
Fossem outros os tempos, como registrou o grande cronista,
nenhum dos declarantes estaria onde está, nenhum teria ocupado cargos
relevantes. Caso driblasse a vigilância dos sensatos e dissesse o que disse, já
no minuto seguinte estaria amarrado numa árvore no quintal da casa. No imenso
viveiro de cérebros baldios, todos seguem à solta Continuam em ação, estão em
todos os lugares e sonham com o completo sumiço dos sinais de vida inteligente