Em duas colunas, de ontem e de hoje, publicadas em O Globo,
Merval Pereira reproduz as análises do professor titular de Economia
Internacional da UFRJ, Reinaldo Gonçalves, provando que o sucesso de Lula e
Dilma são frutos de manipulação dos números.
O OUTRO LADO
E, se em vez de insistirmos na comparação entre os governos
petistas e os do PSDB dos últimos 20 anos, fizéssemos uma análise mais
abrangente, com as comparações da performance brasileira nos últimos dez anos
com a própria performance dos governos ao longo da nossa História e, além
disso, com as demais economias do mundo, inclusive dos países emergentes?
O professor titular de Economia Internacional da UFRJ
Reinaldo Gonçalves se propôs a se distanciar da polarização PT-PSDB para
analisar a economia brasileira e os avanços sociais nos dez anos de governos
petistas, e encontrou quadro bastante desolador, distante da propaganda
oficial, a que deu o título “Brasil negativado, Brasil invertebrado: legado de
dois governos do PT”.
A “negatividade” é informada por inúmeros indicadores de
desempenho da economia brasileira que abarcam o país, o governo, as empresas e
as famílias. O “invertebramento” envolve a estrutura econômica, o processo
social, as relações políticas e os arranjos institucionais. Essa trajetória é
marcada, segundo Gonçalves, na dimensão econômica, por fraco desempenho;
crescente vulnerabilidade externa estrutural; transformações estruturais que
fragilizam e implicam volta ao passado; e ausência de mudanças ou de reformas
que sejam eixos estruturantes do desenvolvimento de longo prazo.
Na avaliação do crescimento da renda durante os governos do
PT, o professor classifica de “fraco desempenho pelo padrão histórico
brasileiro e pelo atual padrão internacional”. A taxa secular de crescimento
médio real do PIB brasileiro no período republicano é 4,5%, e a taxa mediana é
4,7%. No governo Lula, a taxa obtida é 4%, enquanto as estimativas e projeções
do FMI para o governo Dilma informam taxa de 2,8%.
O resultado é claramente negativo: no ranking dos
presidentes do país, Lula está na 19ª posição, e Dilma tem desempenho ainda
pior (24ª), em um conjunto de 30 presidentes com mandatos superiores a um ano.
Resultados que não são compensados pelo fato de o governo Fernando Henrique
estar em 27ª posição, com o crescimento médio de 2,3%.
O Brasil negativado dos governos do PT também é evidente
quando se observam os padrões atuais de desempenho da economia mundial,
ressalta Gonçalves. Durante os governos petistas, a taxa média anual de
crescimento do PIB (considerando as estimativas e projeções do FMI para os dois
últimos anos do governo Dilma) é 3,6%. No período 2003-2014, a estimativa é que
a economia mundial cresça à taxa média anual de 3,8%; no caso dos países em
desenvolvimento, essa taxa deverá ser de 6,4%.
Portanto, salienta Gonçalves, o Brasil negativado é evidente
quando se constatam não somente essas diferenças como dois outros fatos: em
seis dos 12 anos do período 2003-14, a taxa de crescimento da economia
brasileira é menor do que a taxa média mundial; e, em todos os anos, a taxa de
crescimento do PIB brasileiro é menor do que a média dos países em desenvolvimento.
O Brasil negativado também é evidente quando se compara o
crescimento do PIB brasileiro durante os governos petistas com a média simples
e a mediana das taxas de crescimento dos 186 países que são membros do FMI e
que representam um painel muito representativo da economia mundial.
A taxa média durante os governos Lula e Dilma (3,6%) é menor
que a média simples (4,6%) e a mediana (4,4%) das taxas de crescimento dos 186
países. A taxa de crescimento brasileiro é menor que a média simples e a mediana
da economia mundial em dez e sete anos dos 12 anos, respectivamente.
O fraco crescimento da economia brasileira durante os
governos petistas está diretamente associado às baixas taxas de investimento,
ressalta Gonçalves. A taxa média de investimento do Brasil no período 2003-14 é
18,8% enquanto a média e a mediana mundial (painel do FMI) são 23,9% e 22,5%,
respectivamente. Em todos os anos de governo petista, a taxa de investimento é
menor que a média e a mediana do mundo. No painel de 170 países o Brasil ocupa
a 126ª posição, média para o período 2003-14.
AVANÇOS ILUSÓRIOS
Durante os governos petistas, a estrutura econômica
brasileira iniciou ou aprofundou tentências que compromentem a capacidade de
desenvolvimento do país a longo prazo, afirma o professor titular de Economia
Internacional da UFRJ, Reinaldo Gonçalves em análise da economia brasileira nos
dez anos de govenos petistas em seu trabalho “Brasil negativado, Brasil
invertebrado: legado de dois governos do PT”.
Estas tendências, entre outras, segundo ele, são
desindustrialização; reprimarização das exportações; maior dependência
tecnológica; desnacionalização; perda de competitividade internacional;
crescente vulnerabilidade externa estrutural; maior concentração de capital e
política econômica marcada pela dominação financeira.
Até mesmo no campo social o professor da UFRJ vê ilusão onde
o governo vende “conquistas notáveis”. Para ele, as políticas distributivas não
atingem a estrutura de concentração de riqueza e não alteram a distribuição
funcional da renda (salários versus juros, lucros e aluguéis). No que se refere
ao desenvolvimento social, tomando o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
como referência, Gonçalves constata “a total ausência de ganhos do país
relativamente ao resto do mundo”.
O Brasil Negativado também aparece em outro importante
indicador de desempenho econômico, a inflação. Durante os governos petistas a
taxa média de inflação é 6,1% (preços ao consumidor). Segundo o estudo, a taxa
de inflação no Brasil é maior do que média mundial em 6 anos e maior do que a
mediana mundial em 9 anos.
A melhora na distribuição de renda, na visão de Gonçalves,
não é vigorosa ou sustentável em decorrência da própria natureza do modelo de
desenvolvimento, que envolve trajetória de desempenho fraco e instável. Ele
alega que os indicadores capturam fundamentalmente os rendimentos do trabalho e
os benefícios da política social, e a Pesquisa Nacional de Amostra por
Domicílios (PNAD), que serve de base para o cálculo dos indicadores de
desigualdade, subestima os rendimentos do capital (juros, lucros e aluguéis).
Segundo o estudo, a distribuição da riqueza, muito
provavelmente, não se alterou tendo em vista a vigência de elevadas taxas de
juros reais no governo Lula, o reduzido crescimento do salário médio real, a
concentração de capital e a ausência de medidas que inibam práticas comerciais
restritivas (abuso do poder econômico) das grandes empresas.
Também como exemplo de concentração de capital e de riqueza,
Gonçalves ressalta que no início do século XXI o valor dos ativos totais dos 50
maiores bancos era igual aos ativos totais das 500 maiores empresas; em 2011 os
ativos dos 50 maiores bancos eram 78% mais elevados do que os ativos das 500
maiores empresas.
A base de dados do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) com coeficientes de Gini (que mede a desigualdade) num
painel de 110 países mostra que, apesar de haver queda da desigualdade na
América Latina na primeira década do século XXI, os países da região continuam
com os mais elevados indicadores de desigualdade de renda no mundo.
Em meados desta década, lembra Reinaldo Gonçalves, 4 entre
os 5 países com maior desigualdade estão na região (Colômbia, Bolívia, Honduras
e Brasil). No conjunto dos 10 países mais desiguais, há 8 países
latino-americanos. Segundo o levantamento, o Brasil experimentou melhora
marginal na sua posição no ranking mundial dos países com maior grau de
desigualdade entre meados da última década do século XX e meados da primeira
década do século XXI, saiu da 4ª posição no ranking mundial dos mais desiguais
para a 5ª posição.
Gonçalves ressalta que os avanços que ocorrem no Brasil não
implicam ganhos em relação ao resto do mundo durante os governos petistas. Ele
toma como exemplo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do PNUD. Embora ao
longo do período 2000-11 o IDH do Brasil tenha aumentado de 0,665 em 2000 para
0,718 em 2011, este mesmo fenômeno ocorreu com a maioria dos países. Em
consequência, destaca Gonçalves, não há mudanças nas diferenças entre o IDH do
Brasil, que se manteve praticamente estável (70ª posição) durante os governos
petistas, e a média dos IDHs dos outros países.