Dono da maior votação proporcional do País, José Antônio
Reguffe chega à Câmara disposto a reduzir o salário dos deputados e o número de
parlamentares no Congresso
Aos 38 anos, o economista José Antônio Reguffe (PDT-DF) foi
eleito deputado federal com a maior votação proporcional do País – 18,95% dos
votos válidos (266.465 mil) no Distrito Federal. Caiu no gosto do eleitorado
graças às posturas éticas adotadas como deputado distrital. Seus futuros
colegas na Câmara dos Deputados que se preparem. Na Câmara Legislativa de
Brasília, o político desagradou aos próprios pares ao abrir mão dos salários
extras, de 14 dos 23 assessores e da verba indenizatória, economizando cerca de
R$ 3 milhões em quatro anos. A partir de 2011, Reguffe pretende repetir a dose,
mesmo ciente de que seu exemplo saneador vai contrariar a maioria dos 513
deputados federais. Promete não usar um único centavo da cota de passagens,
dispensar o 14º e 15º salários, o auxílio-moradia e reduzir de R$ 13 mil para
R$ 10 mil a cota de gabinete. “O mau político vai me odiar. Eu sei que é
difícil trabalhar num lugar onde a maioria o odeia. Quero provar que é possível
exercer o mandato parlamentar desperdiçando menos dinheiro dos cofres
públicos”, disse em entrevista à ISTOÉ.
ISTOÉ - O sr. esperava ter quase 270 mil votos?
JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE - Nem no meu melhor sonho eu poderia
imaginar isso. O resultado foi completamente inesperado. Foi um reconhecimento
ao mandato que fiz como deputado distrital. Cumpri todos os meus compromissos de
campanha. Enfrentei a maioria e cheguei a votar sozinho na Câmara Legislativa.
ISTOÉ - O que foi diferente na sua campanha para gerar uma
votação recorde?
JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE - A campanha foi muito simples, gastei
apenas R$ 143,8 mil. Não teve nenhuma pessoa remunerada, não teve um comitê,
carro de som, nenhum centavo de empresários. Posso dizer isso alto e bom som.
Foi uma campanha idealista, da forma que acho que deveria ser a política.
Perfeito ninguém é. Mas honesta toda pessoa de bem tem a obrigação de ser. Não
existe meio-termo nisso. Enfrentei uma campanha muito desigual. Só me elegi
pelo trabalho como deputado distrital.
ISTOÉ - O que o sr. fez como deputado distrital?
JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE - Abri mão dos salários extras que os
deputados recebem, reduzi minha verba de gabinete, eliminei 14 vagas de
assessores de gabinete. Por mês, consegui economizar mais de R$ 53 mil aos
cofres públicos, um dinheiro que deveria estar na educação, na saúde e na
segurança pública. Com as outras economias, que incluem verba indenizatória e
cota postal, ao final de quatro anos, a economia foi de R$ 3 milhões. Se todos
os 24 deputados distritais fizessem o mesmo, teríamos economia de R$ 72
milhões.
ISTOÉ - O sr. pretende abrir mão de todos os benefícios
também na Câmara Federal?
JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE - Na campanha, assumi alguns
compromissos de redução de gastos. Na Câmara, vou abrir mão dos salários extras
de deputados, como o 14º e o 15º, que a população não recebe e não faz sentido
um representante dessa população receber. Não vou usar um único centavo da cota
de passagens aéreas, porque sou um deputado do DF. Não vou usar um único
centavo do auxílio-moradia. É um absurdo um deputado federal de Brasília ter
direito ao auxílio-moradia. Vou reduzir a cota interna do gabinete, o “cotão”,
e não vou gastar mais de R$ 10 mil por mês.
ISTOÉ - Com essa atitude na Câmara Legislativa, o sr.
recebeu uma pressão dos colegas. Não teme sofrer as mesmas pressões na Câmara
Federal?
JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE - É verdade. Eu fui investigado,
pressionado. Mas não quero ser mais realista que o rei, sou um ser humano como
qualquer outro, erro, falho, mas quero cumprir os compromissos com as pessoas
que votaram em mim. Uma pessoa que se propõe a ser representante da população
tem que cumprir sua palavra. O mau político vai me odiar. Eu sei que é difícil
trabalhar num lugar onde a maioria o odeia. Quero provar que é possível exercer
o mandato parlamentar gastando bem menos e desperdiçando menos dinheiro dos
cofres públicos.
ISTOÉ - Quando houve a crise do mensalão do DEM em Brasília
o sr. realmente pensou em abandonar a política?
JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE - Houve alguns momentos em meu mandato
que pensei em não ser candidato a nada, por uma decepção muito grande com a
classe política. E uma decepção quanto à forma como a sociedade enxerga a
política, da sociedade achar que todo político é corrupto.
ISTOÉ - O sr. já tem projetos para o seu mandato? A reforma
política é um deles?
JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE - Sim. Vou apresentar uma proposta de
reforma política em cinco pontos. A população não se considera representada
pela classe política e é preciso modificar isso. O primeiro ponto é o fim da
reeleição para cargos majoritários, como prefeito e governador, e o limite de
uma única reeleição para cargos legislativos. Tem gente que é deputado há 40
anos. Mas a política deve ser um serviço e não uma profissão.
ISTOÉ - E os outros quatros pontos?
JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE - Vou propor o fim do voto obrigatório.
A eleição do Tiririca, em São Paulo, é o resultado do que ocorre quando se
obriga a população a votar. Ela vota em qualquer um. O terceiro ponto é o voto
distrital. A quarta proposta é um sistema de revogabilidade de mandato, no qual
o eleitor poderia pedir o mandato do candidato eleito, caso ele não cumpra seus
compromissos. Por fim, defendo o financiamento público de campanha.
ISTOÉ - Nos moldes do que tramita no Congresso?
JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE - Não. Minha proposta é totalmente
diferente. Se der dinheiro ao político, ficará pior do que está, porque vai ter
gente virando candidato só para ganhar dinheiro. Na minha proposta, a Justiça
Eleitoral faria uma licitação e a gráfica que ganhasse imprimiria o panfleto de
todos os candidatos, padronizado e em igual quantidade para todos. A pessoa
teria que ganhar no conteúdo. O TSE pagaria a gráfica. A produtora que ganhasse
gravaria programas na tevê para todos os candidatos. A campanha ficaria mais
chata, mas acabaria a promiscuidade entre público e privado.
ISTOÉ - Como o sr. vê as propostas que aumentam o número de
deputados e vereadores?
JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE - É importante a existência de um
Legislativo forte. Mas as casas legislativas no Brasil são muito gordas e
deveriam ser bem mais enxutas. A Câmara não precisa de 513 deputados, bastariam
250.
ISTOÉ - O mesmo vale para o Senado?
JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE - Deveria ser como era antes, com
apenas dois senadores por Estado. Assim sobrará mais dinheiro para a educação,
a saúde, a segurança pública e os serviços públicos essenciais. É muito difícil
aprovar essa mudança, mas não é por isso que deixarei de lutar por minhas
ideias.
ISTOÉ - Como será seu comportamento diante das propostas do
Executivo?
JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE - Os parlamentares que votam sempre sim
ou sempre não, porque são da base do governo ou da oposição, não têm a menor
consciência de suas responsabilidades. Eu tenho. Vou agir da mesma forma como
agi na Câmara Legislativa, vou analisar o mérito do projeto e algumas vezes
votar contra o meu partido. Ideias a gente debate ao extremo, mas a pessoa de
bem não pode transigir com princípios. Ceder um milímetro em matéria de
princípio é o primeiro passo para ceder um quilômetro.
ISTOÉ - O sr. não teme se tornar um personagem folclórico ao
apresentar propostas que dificilmente terão apoio dos outros 512 deputados?
JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE - A primeira tentativa é de folclorizar
quem enfrenta o sistema, quem luta pelo que pensa e quer sair dessa prática da
política convencional. Eu faço a minha parte. Não assumi o compromisso com
nenhum eleitor meu de que vou conseguir aprovar os meus projetos. Mas assumi o
compromisso com todos os meus eleitores de que vou fazer a minha parte e disso
eu não vou arredar um milímetro. As pessoas fazem uma série de confusões na
política. Uma delas é acreditar que governabilidade é sinônimo de fisiologismo.
É trocar votos por cargos ou por liberação de emendas. É claro que existem
outros 512. Se eu for minoria, fui, mas vou votar como acho que é certo.
ISTOÉ - O PDT hoje tem o Ministério do Trabalho na mão, o
sr. concorda com isso? O sr. acha que os partidos devem ter indicações no
governo?
JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE - Como cidadão eu gostaria de ver uma
nova forma de fazer política, um novo conceito de administração pública. O
partido deveria ter uma atitude de independência. Eu respeito a decisão da
maioria. Mas a contribuição à sociedade seria maior se fosse independente,
elogiando o que é correto e criticando o que é errado.
ISTOÉ - No primeiro turno, o sr. foi contra o PDT e votou na
Marina Silva. E no segundo turno? Vai liberar seus eleitores?
JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE - Ainda tenho que ouvi-los. Mas, a
princípio, sinto que estão muito divididos. Tive votos em todas as cidades do
Distrito Federal, nos mais diferentes perfis de escolaridade e renda. Onde eu
tive mais votos foi na classe média.
ISTOÉ - Quais são seus outros projetos?
JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE - Quero criar a disciplina cidadania
nas escolas. Tão importante quanto ensinar matemática e português é ensinar a
criança a ser cidadã. O aluno precisa aprender os princípios básicos da
Constituição Federal. Uma população que não conhece seus direitos não tem como
exigi-los. As pessoas não sabem qual é a função de um deputado. Isso é muito
grave. A gente constrói um novo país investindo na educação.
ISTOÉ - O sr. é a favor da Lei dos Fichas Sujas já nesta
eleição?
JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE - Sou. Eu sou favorável a tudo que for
para moralizar a atividade política.
ISTOÉ - Mesmo contrariando a Constituição? Dentro do STF há
quem diga que a lei não deveria retroagir.
JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE - A Constituição é que deveria, há
muito tempo, vetar pessoas sem estatura moral para representar a sociedade.
ISTOÉ - A Câmara e o Senado têm um orçamento que ultrapassa
R$ 5 bilhões. O sr. tem algum projeto para reduzir esse valor?
JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE - Tudo aquilo que eu fizer também vou
apresentar como proposta. Quero, pelo menos, provocar a discussão.
ISTOÉ - O País inteiro ficou impressionado com a votação da
mulher do Roriz, que conseguiu um terço dos votos. Há quem a chame até de
mulher laranja. Como o sr. viu o resultado em Brasília?
JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE - Estou apoiando o Agnelo. Mas o voto
do eleitor a gente tem que respeitar, mesmo quando não gosta desse voto. Eu
respeito.