A cada instante, e cada vez mais, somos alvejados por
milhares de informações de todos os tipos, muitas delas procurando, como
consequência final, alterar nosso comportamento, seja para pormos fé nas
lorotas pseudoestatísticas e conceituais que nos pregam os fabricantes de
remédios, pastas de dentes e produtos de farmácia em geral, seja para
acreditarmos que determinado partido político, ao pedir com fervor nossa
adesão, realmente tem alguma identidade que não seja a que lhes emprestam seus
tão frequentemente volúveis caciques. Aparentemente, nossos cérebros se
defendem de ser entulhados com essa tralha e grande parte dela é esquecida.
Mas em algum lugar da mente ela permanece e afeta talvez até
nossa maneira de ver o mundo. Se prestarmos atenção aos comerciais de tevê e
fizermos um esforçozinho de abstração, veremos que temos plena ciência de que
quase todos eles, ou mesmo todos, se apoiam em pelo menos uma mentira ou
distorção. O xampu não produz cabelos como aqueles, a empresa não dá o
atendimento ao cliente que apregoa, o plano de saúde falha na hora da
necessidade, a velocidade da banda larga não chega nem à metade do que
contrata, o sistema de saúde que descrevem como o nosso parece gozação com o
pessoal que estrebucha em macas no hospital, o banco professa carinho e oferece
gravações telefônicas diabólicas, o lançamento imobiliário mente sobre as
vantagens do bairro e a segurança da construtora, a moça não é bonita como
aparece, o sinal da operadora não é confiável, a prestação sem juros é
enganação, a garantia do carro não vale nada para a concessionária. Tudo,
praticamente, é mentira e sabemos disso. Mas, mistérios desta vida, agimos como
se não soubéssemos, numa postura acrítica e já meio abestalhada.
Em relação à política, talvez nossa situação possa ser até
descrita em termos mais drásticos. As afirmações mais estapafúrdias são
divulgadas e ninguém se preocupa em examiná-las. Não me refiro a chutes que
prostituem a estatística e fazem dela, como já se disse, a arte de mentir com
precisão. Os números nos intimidam desde a escola primária e qualquer
embusteiro se aproveita disso para declarar que 8.36% (quanto mais decimais,
melhor) de alguma coisa são isso ou aquilo e ver esta assertiva ser recebida
reverentemente, como se não fosse possível desconfiar de tudo, da coleta dos
dados, às categorias empregadas e os cálculos feitos. Média, então, é uma festa
e eu sempre penso em convidar o dr. Bill Gates para morar em Itaparica e me
transformar em nativo do município de maior renda média do Brasil, cuíca do
mundo.
Não, não me refiro a números, mas a alegações estranhas. Por
exemplo, esse negócio de o governo ser de esquerda. Só se querem dizer que a
maior parte do nosso cada vez mais populoso bando ministerial é constituído de
canhotos. O presidente Lula, que não quis ser presidente emérito e prefere
continuar sendo presidente perpétuo mesmo, já disse - e creio que com sinceridade
- que não é, nem nunca foi, de esquerda e que não usa mais nem a palavra “burguesia”.
E que é que o governo fez que caracterize uma posição de esquerda? Apoiar
Chávez com beijos e abraços, ao tempo em que respalda os bilhões de dólares de
negócios brasileiros na Venezuela? Manter boas relações com Cuba, o que não
quer dizer nada em matéria de objetivo político? Ser da antiga turma que
combatia o governo, no regime militar? E já perguntei aqui, mas pergunto de
novo: o PMDB é de esquerda? Quem é esquerda, nesse balaio todo? Furtar,
desviar, subornar, corromper são de esquerda? Zelar por valores éticos e morais
é de direita?
É gritaria da direita reclamar (e pouca gente reclama) do
descalabro inacreditável em que se tornaram as trombeteadas obras do rio São
Francisco, hoje uma vasta extensão de ruínas e destroços, tudo abandonado ao
deus-dará, em pior estado do que cidades bombardeadas na Segunda Guerra? Ou o
que está acontecendo com a Petrobrás, que, da segunda posição entre as
petrolíferas, despencou para a oitava e pode despencar mais, acrescida a
circunstância de que ninguém explica direito qual é mesmo a situação do hoje já
não tão radioso pré-sal? E combater a miséria nunca foi de esquerda ou direita.
Ter altos índices de popularidade tampouco.
Também se diz que as elites dominantes querem derrubar o
governo. Que elites dominantes? A elite política, que se saiba, é a que exerce
o poder político. O Poder Executivo é exercido pelo governo que está aí e que,
presumivelmente, não atua contra si mesmo. O Poder Legislativo está sob o
controle da base do governo. E o Judiciário, por mais que isso seja
desagradável aos outros governantes, não pode associar-se à ação política no
sentido estrito. Já as elites econômicas não parecem empenhadas em subverter
uma situação em que os bancos têm lucros nunca vistos, conforme o próprio
presidente perpétuo já frisou, e as empreiteiras estão muito felizes e,
convocadas pela presidente adjunta, prometeram fazer novos investimentos. Qual
é a elite conservadora que está descontente e faz oposição ao governo? É
justamente o contrário.
Finalmente, temos a imprensa golpista. Que imprensa
golpista? Que editorial ou comentário pediu golpe? Comportamento golpista é o
de quem acusa o Judiciário de ser agente de armações politiqueiras, quem chega
a esboçar desobediência a ordens judiciais, quem se diz vítima de linchamento,
quando foi condenado em processo legítimo e incontestável. A imprensa sempre se
manifesta contra o desrespeito à Constituição e a desmoralização das
instituições democráticas e tem denunciado um rosário sem-fim de ações lesivas
ao interesse público. Golpista é quem busca silenciá-la ou controlá-la, não
importa que explicações se fabriquem e que eufemismos inventem.