Na economia, a galinha pousou e ainda cacareja com
estridência, sob o impulso do contato com o solo. Na política, o edifício
dominante começa a mostrar suas rachaduras. O PSB, por meio de Eduardo Campos,
parte para a carreira solo; dentro do governo, tremem os alicerces da
fraternidade.
Alguns petistas acham que Dilma Rousseff, com os olhos
verdes desenhados para a nova temporada, protege Erenice Guerra, seu ex-braço
direito, e o ministro Fernando Pimentel. Em contrapartida, Dilma, segundo eles,
persegue Rosemary Noronha e mantém certa frieza ante os condenados pelo
mensalão. É um delicado tipo de fissura. Os acusados amigos de Lula são
tratados com rigor, os acusados amigos de Dilma seguem sua trajetória
milionária. Erenice é um pouco, no governo Dilma, o que foi José Dirceu no
governo Lula: ela articula inúmeros negócios na área de eletricidade,
representa poderosos grupos estrangeiros.
A essência dessa intrincada luta interna não é estranha à
História do Brasil: ou todos se locupletam ou restaure-se a moralidade. O ideal
é de que todos se locupletem, não exista nenhuma distinção entre trambiqueiros
da cota de Lula e da cota de Dilma. São todos irmãos, bro.
Como se não bastassem os ácidos humores internos, a aliança
do governo embarcou numa aventura contraditória. O PT quer se vingar do Supremo
Tribunal Federal (STF). O PMDB pede paz. Por que tanta briga, se podemos
continuar comendo de mansinho?
O embate contra o STF era previsível. E não só pelas tintas
bolivarianas que ainda colorem os sonhos da esquerda no poder. A tese de que o
mensalão nunca existiu não deixa margem de manobra. É preciso desarticular o
Poder que escreveu a narrativa do episódio. O edifício está condenado pela
Defesa Civil. No entanto, a experiência das andanças pelas áreas de risco mostra
que um edifício condenado nem sempre cai ou é abandonado pelos ocupantes.
Surge aí o papel da oposição. Será capaz de se unir,
apresentar uma alternativa, enfrentar a dura luta cotidiana contra um esquema
que estendeu seus braços como um polvo, abraçando tudo o que lhe oferece ainda
alguma resistência?
Vamos tocar caxirola, irmão. Chegamos aos grandes eventos
esportivos, uma aventura do novo Brasil mostrando ao mundo sua capacidade de
organização, sua pujança. O edifício vizinho, o da cúpula esportiva, está
literalmente ruindo. João Havelange deixou a presidência da honra da Fifa, em
segredo. Ricardo Teixeira gasta seus dólares em Miami. Sobrou apenas José Maria
Marin, enrolado com gravações em que estigmatiza Vladimir Herzog e prega em
defesa da família brasileira.
Alguns patriotas que defendem a família costumam pintar os
cabelos e beliscar a bunda das secretárias, em Brasília. Marin só pinta os
cabelos e rouba medalhinhas em eventos esportivos. É inútil esperar que as
tribos de cabelo acaju e negro como as asas da graúna entrem em conflito
mortal, numa batalha que tinja a verde grama da Esplanada.
Vamos tocar caxirola! Soldados vestidos com capa de chuva
protegerão nossa sinfonia na seca de Brasília, em estádio que nos custou os
olhos da cara.
A aventura política parte do mito de que somos os melhores
no futebol. Os alemães, entre outros, têm mostrado como o nosso esporte precisa
de uma renovação de craques, técnicos e dirigentes. Quando o edifício da cúpula
esportiva cair, e com ele o mito de que somos os maiorais, vamos jogar
caxirola, irmão. O impacto se fará sentir no outro edifício condenado.
A caxirola é uma granada de plástico que explode no chão
fazendo ploft. Toda uma tentativa de driblar a História, de transitar pelo
atalho do consumo na economia, de trilhar os caminhos revoltantes do cinismo na
política será reduzida à sua verdadeira dimensão.
O Rio de Janeiro tem três prédios conhecidos como “balança,
mas não cai”. Estão ali para lembrar que as previsões só se podem cumprir se
houver uma vontade ampla de achar outros rumos para o País. O edifício pode não
cair no próximo teste. Nosso único consolo será ver a presidenta do Brasil
tocando de novo sua caxirola, símbolo de uma visão de mundo, de povo, de festa:
caxirola, cartolas, a base do governo, tudo com mordomos a R$ 18 mil e garçons
a R$ 15 mil por mês. E concluir, resignadamente: venceram, mas da próxima não
escapam.
A caxirola passa, o Brasil segue em frente. No momento, a
política aparece como uma espetáculo distante e ridículo. Não por caso os
programas humorísticos montaram tenda no Congresso. Mas o ano eleitoral
necessariamente trará um debate sobre os rumos do País. Já devia ter começado,
no momento surgem apenas alguns slogans.
Eleições podem ser uma armadilha. Cortinas de fumaça
costumam dar mais votos do que argumentos sérios. Quase ninguém lê programa.
Debates na TV, entrevistas ajudam a conhecer as perspectivas dos candidatos,
mas ensinam um pouco também sobre o que as pessoas estão pensando sobre o País.
Mas as eleições serão uma excelente oportunidade para tomarmos o pulso do
Brasil, esperando constatar, como na canção, que o pulso ainda pulsa.
Vivemos grandes alianças ao longo do processo de
democratização: a luta pelas diretas, o impeachment de Collor. Depois foi a vez
dos dois grandes partidos experimentarem o poder. O governo Fernando Henrique
Cardoso construiu as bases para a estabilidade econômica e a bonança
internacional inspirou o PT a dinamizar o consumo.
Em 2008 a crise internacional instalou-se para lembrar que
as coisas não seriam mais como antes. E nos colheu ainda com uma educação
medíocre, uma infraestrutura tosca e uma gigantesca e dispendiosa máquina
administrativa. Para agravar nossos custos, a imensa corrupção, vendida como um
mal necessário, uma pequena taxa no banquete do consumo.
Isso já era realidade
em 2010. Dilma Rousseff pegou o bonde andando e manteve o rumo, indiferente ao
fim da linha. Ela troca com regularidade a cor dos olhos. Mas não consegue ver
outro caminho.