Não há quem não fique indignado com as constantes denúncias
de corrupção em todas as esferas do Executivo e do Legislativo. A cada mês
ficamos horrorizados com o descaso e o desperdício de milhões de reais. Como
não é possível ao cidadão acompanhar o desenrolar de um processo (e são
tantos!), logo tudo cai no esquecimento e não ficamos sabendo da decisão final
(isto quando o processo não é anulado e retorna à estaca zero). O denunciado
sempre consegue encontrar alguma brecha legal e acaba sendo inocentado. E isto
se repete a cada ano. Não há indignação que resista a tanta impunidade.
E aí é que mora o problema central do Brasil. Não é possível
dizer que as instituições democráticas estão consolidadas com tantos casos de
corrupção e o péssimo funcionamento dos três poderes. Agir como Poliana é jogar
água no moinho daqueles que desprezam a democracia. E sabemos que temos uma
tradição autoritária.
Apesar dos pesares, o Executivo e o Legislativo são
transparentes, recebem uma cobertura jornalística que devassa os escândalos. Os
acusados se transformam, em um período limitado, em inimigos públicos. Viram
motivo de chacotas. Nada de efetivo acontece, é verdade. Porém, o momento de
catarse coletiva ocorre. E o Judiciário? Age para cumprir a sua função
precípua? Recebe cobertura paulatina da imprensa? Ou insinua usar o seu poder
para que não sejam lançadas luzes - com o perdão da redundância - sobre o seu
poder?
É no Judiciário que está o cerne da questão. Caso cumprisse
o disposto na Constituição e na legislação ordinária, certamente não
assistiríamos a este triste espetáculo da impunidade. Pela sua omissão virou o
poder da injustiça. É, dos três poderes, o mais importante. E tem a tarefa mais
difícil, a de resolver todo santo dia a aplicação da justiça.
O Supremo Tribunal Federal, por ser a instância máxima da
Justiça, deveria dar o exemplo. Mas não é o que ocorre. A estranha relação
entre os escritórios de advocacia e os ministros do STF deixa no ar uma certa
suspeição. E no caso da Corte Suprema não pode existir qualquer tipo de
questionamento ético. Os ministros devem pautar sua vida profissional pelo
absoluto distanciamento com outros interesses que não sejam o do exercício do
cargo. Não é admissível que um ministro (por que não ser denominado juiz?)
tenha empreendimentos educacionais, ou mantenha um escritório de advocacia, ou,
ainda, tenha parentes (esposa, filhos, cunhados, genros, noras) que participem
diretamente ou indiretamente de ações junto àquela Corte.
O padrão de excelência jurídica foi decaindo ao longo dos
anos. É muito difícil encontrar no STF algum Pedro Lessa, Adauto Lúcio Cardoso
ou Hermes Lima. Os ministros que lá estão são pálidos, juridicamente falando,
com uma ou outra exceção. Cometem erros históricos primários. Seria melhor que
as sessões televisivas daquela Corte fossem proibidas para o bem dos próprios
ministros.
Mas o problema do Judiciário é muito maior do que o STF. Nos
estados, a situação é mais calamitosa. Famílias poderosas exercem influência
nefasta. O filhotismo crassa sem nenhum pudor. E o que não se vê é a aplicação
da justiça. Não pode ser usada como justificativa a falta de recursos. Desde a
Constituição de 1988, o Judiciário tem um orçamento fabuloso. O problema é que
o dinheiro é mal gasto.
O Judiciário preocupa-se com o cerimonial, o rito
burocrático e todas as formalidades, mas esquece do principal: aplicar a
justiça. O poder é lento e caro. E pior: é incompreensível ao cidadão comum.
Ninguém entende como um acusado de desvio de milhões de reais continua solto, o
processo se arrasta por anos e anos e, quando é condenado, ele não cumpre a
pena. Ninguém entende por que existem tantas formas de recorrer de uma sentença
condenatória. Ninguém entende o conceito do que é considerado prova pela
Justiça brasileira.
É inadmissível juízes e promotores realizarem congressos
patrocinados por empresas que demandam o Judiciário. É inadmissível um ministro
do STF comparecer a uma festa de casamento no exterior com despesas pagas (no
todo ou parte, isto pouco importa) por advogado que demanda aquela Corte. E
ainda gazeteou sessões importantes (foram descontadas as faltas?). Se o Brasil
fosse um país com instituições em pleno funcionamento, certamente haveria algum
tipo de sanção. Sem idealizar a Suprema Corte americana, mas caberia perguntar:
como seria recebida por lá uma notícia como essa?
Indo para o outro lado do balcão, cabe indagar o papel dos
escritórios de advocacia especializados na defesa de corruptos. E são tantos. É
evidente o direito sagrado de defesa. Não é isto que está sendo questionado.
Mas causa profunda estranheza que um número restrito de advogados sempre esteja
do lado errado, do lado dos corruptos. E cobram honorários fabulosos. Realizam
seu trabalho somente para a garantia legal do direito de defesa? Será? É
possível assinar um manifesto pela ética na política e logo em seguida
comparecer ao tribunal para defender um político sabidamente corrupto? Este
advogado não tem nenhuma crise de consciência?
Há uma crise
estrutural no Judiciário. Reformá-lo urgentemente é indispensável para o futuro
da democracia. De nada adianta buscar explicações pífias de algum intérprete do
Brasil, uma frase que funcione como um bálsamo. Ninguém aguenta mais as velhas
(e ineficazes) explicações de que a culpa é da tradição ibérica, da
cordialidade brasileira ou do passado escravista. Não temos nenhuma maldição do
passado, algo insuperável. Não. O problema é o presente.