Milhares de pessoas nas ruas, mais de 600 cidades em
movimento, um protesto por hora: o Brasil foi sacudido pelo deslocamento de uma
placa tectônica. Sob muitos aspectos, não seremos mais os mesmos.
Confesso que desejava ver manifestações de rua. Acompanhei
algumas nos últimos dois anos, mas eram minúsculas e ignoradas. Sabia que o
projeto do PT estava em declínio. Para mim, o partido, como energia renovadora,
morreu nos primeiros anos do século. Pensava, no entanto, que só em 2018 a
Nação se daria conta disso. O vigor e a diversidade das manifestações, porém,
superaram minhas previsões.
Fixei-me no combate às fanfarronices do PT e não retomei os
temas que desenvolvi em 2012. Um deles era a internet, uma revolução na minha
atividade de jornalista. Por que não mudaria a política? Muitas pessoas que
desprezam as petições online disseram que seus autores são ativistas de sofá,
precisavam sair da frente do computador. Não perceberam que também os computadores
trocaram o sofá pelas ruas. Em 2004, por mensagens nos celulares milhares de
espanhóis se mobilizaram e mudaram o rumo das eleições.
Todos nos tornamos capazes de relatar e enviar imagens. Mas
algumas empresas podem investir em obter e conferir os dados, deslocar-se para
os grandes eventos. A separação entre imprensa e redes sociais é relativa,
porque uma metaboliza o conteúdo das outras. Reproduzido pela imprensa, tudo o
que os políticos fizeram – e não foi pouco – acabou despertando a fúria de milhões
de brasileiros, que se tornaram mais poderosos com a revolução tecnológica.
E agora? Dilma foi tragada pela crise. As dificuldades
econômicas tendem a se agravar e o mundo encantado do “nunca antes nesse país”
foi para o espaço, seus marqueteiros estão fazendo pesquisas qualitativas na
camada de ozônio.
Estamos navegando na neblina. Mas alguns contornos, para
mim, estão nítidos. Na luta contra a corrupção, não é necessário acrescentar um
adjetivo na lei: crime hediondo. Isso me faz lembrar os trens italianos, que
não chegavam na hora, mas iam mudando o adjetivo: rápido, muito rápido,
rapidíssimo. O melhor instrumento é a aplicação real da lei acesso às
informações oficiais. Por que não investir nisso? Custa menos que os milhões de
cada grande escândalo na era do “nunca antes”. As grandes demandas sociais
poderiam ser parcialmente satisfeitas se o governo cortasse seus gastos,
reduzisse ministérios, cargos de confiança, gastos com viagens, até cachê do
cabeleireiro.
Em 2012 defendi a ideia de um governo inteligente, não no
sentido do QI de seus ministros, mas da capacidade de usar os meios
tecnológicos para baratear custos e, simultaneamente, conectar-se a grande
número de pessoas. A internet não é uma panaceia, apenas um game changer:
poderoso instrumento para utilizar racionalmente os recursos diante das
crescentes demandas, não só de melhores serviços públicos, mas também de
ampliação da democracia.
Não é tarefa fácil. Os burocratas do PT respondem ao
movimento das ruas com um plebiscito, na tentativa de dar ao processo o final
empolgante de uma reunião de condomínio. O objetivo do PT é controlar tudo,
como já controla o processo político. Num país onde muitos eleitores não se
lembram do parlamentar em quem votaram, eles querem aprofundar a distância por
meio de lista fechada. Na verdade, o governo não entendeu os novos tempos
simplesmente porque sua estrutura mental não o permite. É uma estrutura
fortemente hierarquizada. Participar das redes sociais, para eles, significa
pagar a um batalhão de idiotas para repetir slogans e escrever blogs venenosos.
Em 2010 recolhi material para demonstrar que Sérgio Cabral
contratara empresas no exterior para fingir que tinha apoio entre os
internautas. Eram empresas nos EUA e o texto mal traduzido denunciava que os aplausos
haviam sido escritos em inglês e partiam dos mesmos lugares. Diante de um
fenômeno tão rico na comunicação humana, tudo o que buscaram foi a melhor
maneira de trapacear.
Na semana passada vimos a rua onde mora Cabral, no Leblon,
ser ocupada por manifestantes. Ele não pôde ir ao Antiquarius, o restaurante
vizinho onde tem um babador com seu nome e o escudo do Vasco da Gama. Cabral é
o filhote querido de Lula, expressão local da megalomania, safadeza e
dissolução da aliança que governa o País.
Embora a construção do futuro seja o principal enigma no
momento, é reconfortante constatar que as mentiras foram descobertas e de
súbito uma nova realidade emergiu no País. Os quase dez anos de exílio ao menos
me ensinaram, como descendente de tuaregues, a atravessar o deserto com um copo
de água. O oásis que projetei para 2018 acabou se aproximando. Miragem?
Compreendo os pessimistas que esperam algo pior. Estão
fixados nos coelhos que os burocratas do PT podem tirar da cartola. Considero
que as manifestações foram um salto de qualidade no processo democrático e vão
impulsionar mudanças culturais positivas – a desmitificação do futebol como
ópio do povo, por exemplo. Não há dono da verdade dentro da neblina. Mas, para
mim, nasceu uma flor no asfalto, como dizia o poeta.
O processo de redemocratização, iniciado com a queda da
ditadura militar, a nova Constituição, as eleições diretas, todo esse enredo
que já conhecemos entra em nova fase. Mas como afirmar isso, se o Congresso
ainda é presidido por Renan Calheiros e não se dissipou o clima de devastação
moral e a pilhagem promovida por PT e aliados? Esta semana o presidente da
Câmara, deputado Henrique Alves, levou a família num avião da FAB ao Maracanã,
em plena crise. Fulminado pela transparência, devolveu uma fração da grana.
A tática é inventar palavras mágicas, projetos demagógicos,
para segurar as ruas. Mas só esparramam gasolina, à espera de que alguém grite
“fogo!”da próxima vez. A violência é sua última esperança de sobrevida. Não se
pode cair na arapuca histórica do século passado. É possível derrotá-los com
energia, paciência e até um certo humor.