Faz poucos meses. Entrei no Cafeína de Copacabana e a
atendente me ofereceu uma mesa. Trouxe o cardápio. Pedi um sanduíche de
pastrami e um café duplo. Era um fim de tarde morno, sem movimento.
- O senhor desculpe, mas o pão acabou.
- Acabou? Metade do cardápio é de pão!
- Temos omeletes, quiches, tortas.
- Bom, então traz o café duplo enquanto eu penso no assunto.
- O senhor vai me desculpar de novo.
- O que foi agora, filhinha?
- Estamos temporariamente sem café.
- Mas... o nome do restaurante é Cafeína!
- Pois é. Fazer o quê?
- Sei lá. Avisar. Poupar o idiota aqui de se instalar numa
cafeteria sem café. Ou fechar o estabelecimento. Pode chamar o gerente?
- Eu sou a gerente.
No Rio de hoje, com exceção de alguns pés-sujos nos quais
ainda vigora uma certa honestidade, a ordem é faturar, não importa a que custo,
e arrancar o sangue de quem se dispõe a gastar um pouco mais.
Por exemplo, no Bazaar do Shopping Leblon vende-se por R$ 20
uma taça de vinho cuja garrafa no supermercado custa R$ 30.
Mas isso não é o mais grave.
Para servir o vinho, o garçom usa um medidor de metal que se
parece com uma guilhotina. A dose fica abaixo da metade do copo, o que seria
compreensível caso se tratasse de um vinho fino num copão adequado, mas nunca
de um vinho de mesa de quarta categoria num copo médio.
Considerando que o Bazaar deve estar lucrando 300% em cima
do preço do fornecedor, o medidor é de uma grosseria vergonhosa.
Em qualquer birosca do Rio se serve um vinho português ou
espanhol de mesa até a borda, como se faz nos cafés mais simples de Paris:
aquela maneira mais franca, de taverna, de atender o visitante, como se amigo
fosse.
A guilhotina do Bazaar só não é pior que as marcas de nível nos
copos do Felice, estilo medidor de urina. Ou os chás sem direito a bule e
servidos em xícara de café por aí. No Rio, estão regulando até água quente,
bicho.
Lembro também de um novo bar de tapas em Ipanema, onde pedi
um xerez, vinho espanhol de aperitivo por excelência. O rapaz nunca tinha
ouvido falar. Consultou o barman, que veio me oferecer um drinque da casa à
base de grenadine e violeta, ou alguma cafonice do gênero.
Chamei o gerente, que explicou que ainda estavam esperando o
fornecedor entregar.
- Vocês abrem um bar espanhol sem xerez? É como um
McDonald’s sem Coca-Cola.
Ou uma cafeteria sem café, recordei com meus botões, no
momento em que avistei uma cucaracha na parede.
- Aproveite e frite a barata no azeite - eu disse, e saí
batido. O lugar estava lotado de pessoas felizes. Naquela noite não ingeri nem
água.
O pessoal gosta de dizer que no Rio o problema é o serviço.
É verdade. Mas normalmente isso se compensa com uma certa amabilidade carioca,
aquela confusão que fascina turistas europeus acostumados a pegar bonde às 7:13
da manhã sem um minuto de atraso. Às vezes até prefiro o serviço caótico daqui
à padronização paulista, sisuda e sem personalidade.
O problema mais sério não é o serviço. É algo orgânico, que
está na fonte do mal: o patrão carioca. No seu fígado ferve a ganância e o
menosprezo por quem está na base do consumo.
Qualquer restaurante, no Rio, em São Paulo ou em Paris, bom
ou ruim, rouba o cliente. Em São Paulo o roubo será maquiado por essa fachada
de serviço, e haverá um cuidado grande em não humilhar o cliente. A diferença é
que, no Rio, rouba-se e humilha-se com desfaçatez. E com alegria.
O patrão carioca não o faz só para reduzir custos e aumentar
a margem. Ele tem prazer em humilhar o cliente. Sorri com cinismo diante da sua
indignação. E dá gargalhadas de Drácula ao fechar o caixa no fim do dia.
Ele sabe que está protegido pela lei da oferta e da procura.
Os consumidores, hipnotizados, escravizados por uma marca, um charme efêmero,
um saborzinho picareta, continuarão a lotar a casa grande, como zumbis
chifrudos, mansos e conformados.
E só estamos falando de restaurantes. Não de estacionamentos
extorsivos que são estufas fedorentas e sem ventilação com licença vitalícia da
prefeitura. Ou na carne voluntariamente podre do Zona Sul. Ou no serviço que se
oferece nos transportes, fazendo o carioca refém das estranhas relações entre o
poder público e as empresas de ônibus.
Ou no espetáculo enjoativo que nos está proporcionando a
diretoria do Flamengo, ao cobrar R$ 250 pelos ingressos mais baratos da final
da Copa do Brasil no Maracanã. A torcida do Mais Querido deveria fazer, no dia
31 de dezembro, uma passeata na Gávea que entupisse a Lagoa com cinco milhões
de manifestantes e esvaziasse o Réveillon. Mas quem se importa? O jogo vai lotar
e tem TV no bar.
Reestruturação das finanças? Contem outra piada. O Maracanã
se transformou num pardieiro “coxinha” de conveniência. Uma variação desportiva
do Vivo Rio. Onde, aliás, o público é espremido como gado para assistir a um
show e o vinho fede. Ao primeiro sinal de pânico, morreriam mil por simples
impossibilidade de se mover. Por ganância.