Discurso do Coronel Lício Augusto Maciel na Câmara dos
Deputados, em sessão solene em homenagem aos combatentes mortos no Araguaia,
realizada no dia 26 Jun 2005.
[Com a aprovação do autor, o discurso foi revisado, sem
comprometimento de sua essência, apenas para concatenar o texto narrativo, já
que feito de improviso.]
Como participante dos acontecimentos que passo a relatar,
fiz apenas um resumo dos itens mais perguntados, porque a dissertação será por
rememoração dos fatos. Para isso, tiro os óculos, a fim de que aqueles que vou
citar me olhem bem no fundo dos olhos e tenham suficiente coragem de afirmar
que tudo o que foi dito aqui é a pura verdade - se bem que não há necessidade,
porque eles mesmos já confirmaram em outras ocasiões.
O primeiro item selecionado se refere à razão da minha
escolha para a missão de descobrir o local da guerrilha, que hoje se diz
Guerrilha do Araguaia.
Em 1969, após a morte do terrorista Marighella em São Paulo,
em seus documentos foram encontradas várias citações sobre o local da “grande
área”, uma possível grande área de treinamento de guerrilha.
Eu estava chegando a Brasília em 1968, já pela segunda vez.
No meu passado, em 1954, fiz o curso de paraquedista e, em seguida, o curso de
Forças Especiais da Divisão de Pára-Quedistas, especializando-me na modalidade
Guerra na Selva. Posteriormente, ao curso de Operações Especiais (hoje Forças
Especiais) foram incorporadas outras especialidades e, mais tarde, criado o
Centro de Instrução de Guerra na Selva, CIGS, no coração da Amazônia.
Detentor do curso de Forças Especiais e considerado, à
época, elemento com credenciais para desenvolver operações de selva, percorri
muitas vezes a rodovia Belém-Brasília, estrada pioneira (de barro). Eu e minha
equipe, de 3 ou 4 homens, chegamos à conclusão, pelos indícios obtidos, de que
a “grande área” estava na região do “Bico do Papagaio”, entre Xambioá, Marabá,
Tocantinópolis e Porto Franco.
Não obstante, o fato mais importante que nos permitiu chegar
a essa conclusão foi a prisão, em Fortaleza, do terrorista Pedro Albuquerque.
Pedro Albuquerque foi preso quando tentava tirar documentos em Fortaleza.
Recolhido ao xadrez, tentou suicídio, cortando os pulsos. A sentinela, ao
passar, viu, deu o alarme e ele foi levado para um hospital da guarnição.
O documento resultante das declarações de Pedro Albuquerque
foi enviado diretamente de Fortaleza para Brasília e chegou às mãos do General
Bandeira, que imediatamente mandou buscar o preso. Enquanto eu preparava a
equipe, o preso chegou e partimos, junto com Pedro, para o ponto de referência
indicado por Pedro: Xambioá.
Chegamos ao Rio Araguaia, pegamos uma canoa grande, com
motor de popa e fomos até ao local de Pará da Lama: era uma picada ao longo da
floresta, na direção do Xingu. Andamos o dia inteiro. Chegamos ao anoitecer na
casa do último morador, com o Pedro levado por nós. Não estava algemado,
amarrado ou coisa assim. Ele foi acompanhando nossa equipe, livre. Há várias
testemunhas desse episódio aqui presentes.
Chegamos à casa de Antônio Pereira, pernoitamos sob
telheiros e, no dia seguinte, às 4 horas, prosseguimos em direção ao local
indicado pelo Pedro Albuquerque. Ao chegarmos lá, avistamos três homens, ou
melhor, três pessoas, pois uma era mulher, descansando para almoço, presumo.
Aproximamo-nos do local para conversar com eles, para saber o que estavam
fazendo ali. Eram três e, no nosso grupo, havia seis, o que levou-os a fugir.
Fiquei abismado com o estoque de comida e de material
cirúrgico encontrado no local, onde havia até uma oficina de rádio, 60 mochilas
de lona, costuradas (no local) em máquina industrial. Jogamos muita coisa no
meio de um açude, tocamos fogo no resto e voltamos sem fazer prisioneiro.
Poderíamos ter atirado naqueles elementos. Estávamos a 80
metros: um tiro de fuzil os atingiria facilmente, pois estavam sentados. Mas
nosso objetivo não era matar, não era trucidar. Nosso objetivo era confirmar o
que eles estavam fazendo lá, pois, de acordo com Pedro Albuquerque, eram
guerrilheiros. Estavam exatamente na área indicada por Pedro Albuquerque que,
aliás, viu toda a operação.
Destruímos todos os seus aparelhos e um grande volume de
frutas - melancia, jerimum etc. Ficamos impressionados com a quantidade de
comida que havia lá, inclusive sacas de arroz; havia até, como já disse, uma oficina
de rádio, com equipamentos sofisticados. Embora uma oficina rústica, mas que
funcionava, assim como o gerador, lá atrás. O Pedro Albuquerque retornou com
dois dos nossos, sendo recolhido ao xadrez de Xambioá, e continuamos nossa
missão.
Como os três elementos fugitivos certamente avisaram para o
resto do grupo do Destacamento C, mais ao sul, em frente a São Geraldo do
Araguaia, que estávamos indo para lá, ao chegarmos os vimos fugindo com muita
carga - até violão levavam. Estavam se retirando da área do Destacamento C, do
Antônio da Dina e do Pedro Albuquerque.
É bom lembrar que Pedro Albuquerque nos levara ao
Destacamento C, ao qual pertencera e de onde fugira porque os bandidos exigiram
que fizesse um aborto em sua mulher, que estava grávida. Mas o casal não se
conformou com a ordem, principalmente porque outra guerrilheira grávida tinha
sido mandada para São Paulo, para ter o filho nas “mordomias” daquela cidade.
Coincidentemente, ela era casada com o filho do chefe militar da guerrilha,
Maurício Grabois.
Passamos a perseguir esse grupo e continuamos avançando.
Embora chovesse bastante, estávamos nos aproximando. Eles resolveram soltar a
carga que estavam levando e o guia, morador da área, disse-me: “Agora, nós não
vamos pegar eles porque estão fugindo pra gameleira”.
Demos uma meia parada e passamos a destruir o equipamento
abandonado por eles. Foi então que pressentimos a vinda de alguém pela trilha.
Nós estávamos no meio da mata e esse elemento vinha pela trilha. Agachamo-nos e
observamos um elemento forte, com chapéu de couro, mochila nas costas e facão
na cintura. Então, quando chegou bem próximo, dei a ordem: “Prendam esse cara!”
Não sei, não posso me lembrar, se foi o Cid ou se foi o Cabo
Marra que pegou o Genoíno, pois esse elemento, que dizia chamar-se Geraldo,
posteriormente foi identificado como Genoíno - que naturalmente está me olhando
agora. E eu tiro os óculos justamente para ele me reconhecer, porque da minha
cara ninguém esquece, principalmente com aquela cara que eu estava na mata,
depois de vários dias passando fome e sede, sujo, cheio de barba... Mas é a
mesma cara... É o mesmo olhar de quando o encarei e disse:
“Seu mentiroso! Confesse! Você não tem mais alternativa”.
Por que eu descobri que o Genoíno era guerrilheiro?
Ele se dizia Geraldo e se dizia morador da área (claro,
elemento na área, suspeito, eu mandei deter). Mesmo algemado e com tudo nas
costas, uma mochila pesada e grande, ele fugiu. O Cabo Marra deu três tiros de
advertência, e ele parou. Mas não parou por causa da advertência, parou porque
se emaranhou no cipoal e o pessoal conseguiu pegá-lo.
Eu perguntei: “Por que você está fugindo? Nós apenas estamos
querendo conversar com você. Para você não fugir, vamos ter de algemá-lo”.
“Eu sou morador” - disse ele.
Deixei o pessoal especializado em inquirição conversar com o
Genoíno - até então Geraldo. O Cid conversou bastante tempo com o Genoíno e,
afinal, veio a mim e disse: “Comandante, não tem nada, não”.
“Está bem” - respondi. Como eu já estava há muito tempo no
mato e já tinha decidido levar esse Geraldo para Xambioá, peguei a mochila
dele.
Quero também ressaltar que havia um elemento na minha equipe
- já falecido - especialista em falar com o pessoal da área; um elemento
excepcionalmente bondoso, ao qual presto minhas homenagens. O João Pedro,
apelidado por nós de Jota Peter, ou Javali Solitário - onde estiver estará me
escutando. João Pedro era quem falava com o matuto, com o pessoal da área. Eu,
na minha linguagem urbana, não era entendido nem entendia o que eles falavam.
Pois bem, o Javali veio a mim e disse: “Ele não tem nada. É morador da área”.
Como homem de selva que era, peguei a mochila do Geraldo e
comecei a abri-la. Tirei pulôver, rede e um bocado de “bagulho” da mochila do
Geraldo, até encontrar um tubo de remédio no fundo da mochila. Ao pegar aquele
tubo e olhar para o Genoíno, vi que ele estava lívido, pálido. Lembro-me que
ainda lhe disse: “Companheiro, fique tranquilo porque nós não vamos fazer nada
com você; você é morador da área”. E abri o tubo...
Lá encontrei material típico de sobrevivência - linha de
pesca fina, anzóis. Como eu havia feito um curso e só sabia teoricamente sobre
o assunto, interessei-me por aquele exemplo prático, em um local de difícil
acesso na selva amazônica. À medida que eu ia puxando aquelas linhas, o Genoíno
- aliás, o Geraldo - ia ficando mais desesperado. E quando eu esvaziei o tubo,
olhei para ele... estava branco como cera.
Quando eu olhei para ele [Genoíno]e disse: “Você não tem
mais alternativa porque aqui está a mensagem”, ele disse: “Eu falo”.
Foi quando, lá no fundo do tubo, vi um papel pautado, dessas
cadernetas em que todo dono de bodega na área anotava as suas vendas. Cortei
uma talisca do meu lado, puxei o papel e lá estava a mensagem do Comandante do
Grupamento B, da Gameleira, o Osvaldão, para o Comandante do Grupamento C,
Antônio da Dina. Estava lá a mensagem que o Genoíno transportava para o Antônio
da Dina. Era uma mensagem tão curta que ele, como bom escoteiro que era,
poderia ter decorado, pois até hoje, mais de 30 anos passados, eu me lembro do
que ela dizia. Era uma dúzia de palavras em linguajar militar, de próprio punho
do Osvaldão, o Comandante do Grupamento B da Gameleira, o grupamento mais
perigoso da guerrilha, como constatamos no desenrolar das lutas.
Aliás, esse foi o grupo que matou o primeiro militar na
área. Antes de qualquer pessoa morrer, o grupo do Osvaldão matou o Cabo Rosa,
Odílio Cruz Rosa. Depois do Cabo Rosa eles mataram mais 2 sargentos e fizeram
muito mal aos militares, que nada sabiam até então. Só quem sabia era o pessoal
de informações.
Bem, prosseguindo. O Genoino foi mandado para Xambioá. A
essa altura ele deixou de ser suspeito e disse tudo sobre a área. Quando eu
olhei para ele e disse: “Você não tem mais alternativa porque aqui está a
mensagem”, ele disse: “Eu falo”.
Genoíno, olhe no meu olho, você está me vendo. Eu prendi
você na mata e não toquei num fio de cabelo seu. Não lhe demos uma facãozada,
não lhe demos uma bolacha - coisa de que me arrependo hoje.
Um elemento da minha equipe, fumador inveterado, abriu um
pacote de cigarros, aproveitou aquele papel branco do verso, pegou um toco de
lápis, não sei de onde, e o João Pedro começou a anotar o que o Genoino falava.
Fui até um córrego próximo beber um pouco d’água. Voltei e o papel estava
cheio, com toda a composição da Guerrilha - nomes, locais, Grupamento C, ao
sul; Grupamento B, da Gameleira, perto de Santa Isabel; e Grupamento A, perto
de Marabá. Eram esse os 3 grupos efetivos, em que se presumiam 30 homens por grupamento,
além de um comitê militar, comandado por Maurício Grabois.
“Genoino, aquele rapaz foi esquartejado!”
Peguei aquele papel e ainda comentei com ele: “Pô, meu
amigo, tu és um cara importante desse negócio aí, hein?” E mandei o Genoíno
para Xambioá, onde foi recolhido ao xadrez e, posteriormente, enviado a
Brasília. Três ou quatro dias depois, não me lembro, veio a confirmação da
identificação: o guerrilheiro Geraldo era o José Genoino Neto.
Triste notícia veio depois. O grupo do Genoíno prendeu um filho
do Antônio Pereira, aquele senhor humilde, que morava nos confins da picada de
Pará da Lama, a quilômetros de São Geraldo. O filho dele era um garoto de 17
anos, que eu não queria levar como guia, porque ao olhar para ele me lembrei do
meu filho, que tinha a mesma idade. Eu dissera ao João: “Não quero levar o seu
filho”. Eu sabia das implicações, ou já desconfiava. Mas o pobre coitado do
rapaz nos seguiu durante uma manhã, das 5h até o meio-dia, quando encontramos
os três nos aguardando para almoçar. Pois bem. Depois que nos retiramos, os
companheiros do José Genoíno pegaram o rapaz e o esquartejaram.
Genoino, aquele rapaz foi esquartejado!
Toda a Xambioá sabe disso, todos os moradores de Xambioá
sabem da vida do pobre coitado do Antônio Pereira, pai do João Pereira, e vocês
nunca tiveram a coragem de pedir pelo menos uma desculpa por terem esquartejado
o rapaz! Cortaram primeiro uma orelha, na frente da família, no pátio da casa
do Antônio Pereira; cortaram a segunda orelha; o rapaz urrava de dor; a mãe
desmaiou. Eles continuaram, cortaram os dedos, as mãos e, no final, deram a
facada que matou João Pereira. Pois bem, eles fizeram isso apenas porque o
rapaz nos acompanhou durante 6 horas. Para servir de exemplo aos outros
moradores, de forma que não tivessem contato com o pessoal do Exército, das
Forças Armadas.
Foi o crime mais hediondo de que já soube. Nem na Guerra da
Coréia ou na do Vietnã fizeram isso. Algo parecido só encontrei quando
trucidaram o Tenente PM Alberto Mendes Júnior. Esse Tenente PM se oferecera
voluntariamente para substituir dois subordinados que estavam feridos,
capturados pela guerrilha do Lamarca. Lamarca pegou o rapaz, castrou-o,
obrigou-o a engolir os órgãos genitais e trucidou-o.
Pois o crime contra o João Pereira foi muito mais grave,
muito mais horrendo. E eles sabem disso. Peçam desculpas ao Antônio Pereira, se
ele estiver vivo! Tenham a coragem de reconhecer, pois toda a Xambioá sabe
disso!
Genoíno preso e identificado... mas a Guerrilha prossegue.
Depois de matar o João Pereira, mataram o Cabo Odílio Cruz Rosa; depois do
Rosa, eles mataram dois sargentos; depois dos dois sargentos, eles atiraram no
Tenente Álvaro, que pode contar a história, como estou contando aqui.
Na minha versão, o Álvaro deu voz de prisão ao bandido e
eles atiraram. Outro, que estava atrás, atirou nas costas do Álvaro. Depois
desse ferido, houve vários outros feridos, até que, finalmente, eu fui ferido e
tive que sair da área.
Porém, antes, as tropas do Exército saíram da área, ao
constatar que aquele era um movimento de monta, mais planejado - planejado em
Cuba.
Sabemos como funciona a mente de um comunista. Um comunista
tranquilo, sem arma na mão... tudo bem. Aquilo é o que ele pensa e a nossa
democracia permite isso. Mas aquele que pega em arma, tem de ser eliminado. Um
homem que entra numa mata para combater em nome de um regime de Fidel Castro,
esse cara tem que ser morto!
Foi então realizada a Operação Sucuri, que fez um
levantamento completo de informações: do que se tratava, qual o valor do
inimigo, onde ele estava, enfim, todos os itens necessários para que fosse
elaborada uma ordem de operações para o combate à Guerrilha. Isso durou 5 ou 6
meses e já existe literatura publicada muito boa a respeito.
Elementos militares descaracterizados, à paisana, foram
postos dentro da mata, desarmados, com identidade falsa, infiltrados na área
dos bandidos. Qualquer um de nós, em sã consciência, reconhece que esses homens
da Operação Sucuri foram uns heróis. Naquela época, se me tirassem as armas e
me botassem na mata... não sei não... No ímpeto da juventude, talvez eu fosse,
como eles foram. Eram capitães, tenentes e sargentos.
Terminada a Operação Sucuri, já sabíamos do que se tratava,
confirmadas todas ou quase todas as informações que o Genoíno tinha dado. Três
grupos, comando militar e a chefia em São Paulo, sob o comando de João Amazonas
- que fugiu da área ao primeiro tiro. Grande valentia! Herói... João Amazonas
?! João Amazonas, repito, fugiu da área ao primeiro tiro, junto com Elza
Monnerat. Deixou lá garotos, estudantes e os fanáticos comunistas, tipo
Maurício Grabois, que influenciou seu filho, André Grabois, o personagem
central do evento que vou relatar agora.
O comandante do Comitê militar da guerrilha era o André
Grabois. A esposa dele, a Criméia, que talvez esteja me olhando, disse que o
pegamos numa emboscada, mas não houve emboscada!
Como o Exército saíra da área para fazer operação de
informações, a Operação Sucuri, eles cantaram vitória prematuramente: “Seu
Exército é de fritar bolinho”.
Muito bem... fritamos bolinho !
Eu já estava de volta à área e recebi a seguinte ordem: “Vá
à região de São Domingos a pé, porque de viatura não se chega lá. Eles
destruíram uma ponte na Transamazônica.” Peguei a minha equipe e fui para São
Domingos. Atravessei o rio. A ponte, de madeira, estava destruída, mas
atravessei a vau. Cheguei a São Domingos e encontrei o posto da PM incendiado.
Ao alvorecer daquele dia - se não me engano, 10 de outubro de 1973, eles
destruíram e incendiaram o posto. Deixaram todos os militares nus, inclusive o
Tenente PM comandante do destacamento; pegaram todo o armamento, toda a munição
e todo o fardamento. Entraram na mata e deixaram um recado: “Não ousem nos
seguir, porque o pau vai quebrar”.
Infelizmente, Criméia, seu marido morreu por isso: pude ver
as suas pegadas bem nítidas, pois eles estavam carregados com cunhetes de
munição, fuzis da PM, revólveres, e foi fácil seguir o grupo.
No terceiro dia, para resumir, houve o encontro. Eles
estavam tão certos de que o Exército não iria lá que estavam caçando porcos. Às
6 da manhã, eu escutei o primeiro tiro e o grito dos porcos. Às 15 horas houve
o combate. Vejam bem o espaço de tempo: de 6 da manhã às 15 horas. Eu estava a
menos de 10 metros do primeiro homem, que era o comandante do grupo, André
Grabois, filho de Maurício Grabois. Ele estava sentado, com um gorro da PM na
cabeça, que tomara do Tenente, e uma arma na mão. Olhei para os meus
companheiros, que vinham rastejando, e perguntei: “Será que vamos encontrar um
bando de PMs aí ?”
Olhei... eles entraram em posição... e eu me levantei. Quase
encostei o cano da minha arma em André Grabois: “Solte a arma !”. Ele deu aquele
pulo e a arma já estava na minha direção. Não deu outra: os meus companheiros,
que chegavam, acertariam o André, caso eu tivesse errado, o que era muito
difícil, pois estava a um metro e meio, dois metros dele.
Foi destruído o Comando militar da Guerrilha. Todos eram
formados na China, em Pequim, em Cuba. Não me lembro do nome de todos, mas
citarei alguns: André Grabois; o pai, Maurício Grabois, que mandou o filho
fazer curso em Cuba; o Calatroni; o Nunes. O João Araguaia se entrincheirou
atrás de um tronco de árvore e não se mexeu; depois do tiroteio, saiu correndo,
sem arma. Ninguém atirou no João Araguaia porque ele estava sem arma. O Nunes
estava gravemente ferido, mal falava e, quando o fazia, o sangue corria pela
boca, mas ele conseguiu dizer da importância do grupo e citou os nomes - não
sei se nome ou codinome - de todos eles: o Zequinha, ele disse, esse é o André
Grabois. Estava morto.
Esse foi o primeiro combate significativo contra os
guerrilheiros, onde foram desmoralizados. Eles diziam para os soldados não
entrarem na mata porque os oficiais não entravam. Ora, o próprio acampamento
dos militares ficava no meio da selva...
Em seguida, ocorreu o incidente do dia 23 de outubro, 10
dias depois. Continuando na perseguição ao bando, encontramos pegadas de um
grupo numeroso. Aquele grupo, do Zé Carlos, era do Grupamento A. Quando
encontramos umas trilhas, depois, soubemos que era do Grupamento B, do
Osvaldão. Eu já estava a menos de 100 metros do grupo quando percebi o guia
voltando para a retaguarda. O guia era um morador da área, que não tinha nada
com a guerra; estava lá apenas auxiliando o Exército a pegar os “paulistas”,
que era como chamavam os guerrilheiros.
Quando o guia começou a retrair, achei que a coisa estava
feia, mas continuei. Nisso, um dos guerrilheiros retorna, volta
inesperadamente, e dá de cara comigo. Eu agachado e ele olhando para mim. Foi
quando dei a ordem de prisão: “Mãos na cabeça !”.
Ele levantou uma mão e foi quando vi que era uma mulher. Ela
levantou uma mão fazendo sinal de... para eu ficar olhando para a mão enquanto
ela desamarrava o coldre. Dei 3 vezes a ordem de prisão, mas ela não obedeceu.
Quando eu vi que ela estava abrindo o coldre gritei “Não faça isso !”. Mas ela
sacou a arma e vi que não tinha jeito: atirei. Acertei a perna dela, que caiu,
caiu feio. Aliás, ela não caiu, desmoronou; deu um salto, como se tivesse
recebido uma patada de elefante. Ela caiu uns 3 metros adiante, tal o impacto.
Eu corri, ela não estava mais com a arma, estava nos
estertores da dor, chorando e gritando. Eu disse: “Fica calma que vamos te
salvar”. Procurei a arma... a selva muito cheia de folhas... não achei a arma.
Meu erro: não deixei um sentinela com ela. Éramos poucos, eles eram vinte, eu
precisava de gente.
Continuamos a perseguição ao grupo, e eles atravessaram o
córrego. Resolvi voltar, já estava escurecendo. Quando me agachei ela
atirou-me, à queima roupa. O tiro pegou na mão e acertou na face, atravessando
o véu palatino e se encaixando atrás da coluna; e eu caí. Outro tiro que ela
deu acertou o braço do Capitão Curió, subcomandante da equipe. O restante da
minha equipe revidou, claro, encerrando a carreira de bandido da Sônia, nome da
guerrilheira.
Fui carregado em uma rede e transportado na mata. Altas
horas da noite, os soldados que estavam me carregando passaram os seus fuzis
para um outro, do lado deles. E o que ia levando 2 fuzis, um fuzil batendo no
outro, fazia muito barulho na mata, o que se propagava a longa distância. Os
terroristas haviam armado uma emboscada que teria sido o fim para nós. Mas
aquele companheiro, com o qual eu brigava tanto, pedindo que deixasse de fumar,
nos salvou. Ele, que assumira o comando da equipe, mandou parar, para dar uma
pitada. Isso, a uns 50 metros da emboscada. Paramos e ficou aquele silêncio. Eu
fui estendido no chão, dentro da rede, sangrando muito, quase desacordado. Os
terroristas, então, achando que havíamos pressentido a emboscada, fugiram -
aqueles valentes guerrilheiros ! Claro que eles teriam matado todos nós, não
tenham dúvida. Nós estávamos completamente sem atenção, pois a minha equipe
estava levando o seu comandante, quase morto, para o primeiro local onde o
socorro poderia alcançar.
Na localidade de São José, pediram uma ambulância para levar
um ferido. De São José, a ambulância me levou para Bacaba, de lá para Marabá e
de Marabá para Belém, onde passei uns dias para me restabelecer e ter condições
de viajar. Depois fui levado para Brasília onde fui operado. A operação se
revestia de cuidados especiais, sob o risco de ficar paraplégico para o resto
de minha vida. Graças a Deus, as sequelas foram muito menores e hoje eu estou
falando aos senhores aqui, com muita honra.
Encerrando, digo que é muito difícil falar em conclusões de
uma luta de 4 anos. Citarei apenas 2 dos itens que alinhavei para as
conclusões. Permitam-me que os leia e que recoloque os óculos para isso.
Primeira conclusão: tenho imenso orgulho de haver
participado dessa luta, por ter agido positivamente para evitar que os guerrilheiros
do PCdoB implantassem no País um regime comunista igual ao de Cuba, com paredão
e tudo - a propósito, esse risco não acabou, alerto.
Segunda conclusão: além de prestar homenagem às bravas
esposas dos militares, tanto daquela época quanto da atual, estendo aos membros
da minha valorosa equipe a honra de que estou sendo alvo presentemente.
Muito obrigado.