quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Coronel Lício Augusto Maciel e seu discurso-depoimento sobre a Guerrilha do Araguaia que nunca foi contestado e não deveria ser esquecido

Discurso do Coronel Lício Augusto Maciel na Câmara dos Deputados, em sessão solene em homenagem aos combatentes mortos no Araguaia, realizada no dia 26 Jun 2005.

[Com a aprovação do autor, o discurso foi revisado, sem comprometimento de sua essência, apenas para concatenar o texto narrativo, já que feito de improviso.]

Como participante dos acontecimentos que passo a relatar, fiz apenas um resumo dos itens mais perguntados, porque a dissertação será por rememoração dos fatos. Para isso, tiro os óculos, a fim de que aqueles que vou citar me olhem bem no fundo dos olhos e tenham suficiente coragem de afirmar que tudo o que foi dito aqui é a pura verdade - se bem que não há necessidade, porque eles mesmos já confirmaram em outras ocasiões.

O primeiro item selecionado se refere à razão da minha escolha para a missão de descobrir o local da guerrilha, que hoje se diz Guerrilha do Araguaia.

Em 1969, após a morte do terrorista Marighella em São Paulo, em seus documentos foram encontradas várias citações sobre o local da “grande área”, uma possível grande área de treinamento de guerrilha.

Eu estava chegando a Brasília em 1968, já pela segunda vez. No meu passado, em 1954, fiz o curso de paraquedista e, em seguida, o curso de Forças Especiais da Divisão de Pára-Quedistas, especializando-me na modalidade Guerra na Selva. Posteriormente, ao curso de Operações Especiais (hoje Forças Especiais) foram incorporadas outras especialidades e, mais tarde, criado o Centro de Instrução de Guerra na Selva, CIGS, no coração da Amazônia.

Detentor do curso de Forças Especiais e considerado, à época, elemento com credenciais para desenvolver operações de selva, percorri muitas vezes a rodovia Belém-Brasília, estrada pioneira (de barro). Eu e minha equipe, de 3 ou 4 homens, chegamos à conclusão, pelos indícios obtidos, de que a “grande área” estava na região do “Bico do Papagaio”, entre Xambioá, Marabá, Tocantinópolis e Porto Franco.

Não obstante, o fato mais importante que nos permitiu chegar a essa conclusão foi a prisão, em Fortaleza, do terrorista Pedro Albuquerque. Pedro Albuquerque foi preso quando tentava tirar documentos em Fortaleza. Recolhido ao xadrez, tentou suicídio, cortando os pulsos. A sentinela, ao passar, viu, deu o alarme e ele foi levado para um hospital da guarnição.

O documento resultante das declarações de Pedro Albuquerque foi enviado diretamente de Fortaleza para Brasília e chegou às mãos do General Bandeira, que imediatamente mandou buscar o preso. Enquanto eu preparava a equipe, o preso chegou e partimos, junto com Pedro, para o ponto de referência indicado por Pedro: Xambioá.

Chegamos ao Rio Araguaia, pegamos uma canoa grande, com motor de popa e fomos até ao local de Pará da Lama: era uma picada ao longo da floresta, na direção do Xingu. Andamos o dia inteiro. Chegamos ao anoitecer na casa do último morador, com o Pedro levado por nós. Não estava algemado, amarrado ou coisa assim. Ele foi acompanhando nossa equipe, livre. Há várias testemunhas desse episódio aqui presentes.

Chegamos à casa de Antônio Pereira, pernoitamos sob telheiros e, no dia seguinte, às 4 horas, prosseguimos em direção ao local indicado pelo Pedro Albuquerque. Ao chegarmos lá, avistamos três homens, ou melhor, três pessoas, pois uma era mulher, descansando para almoço, presumo. Aproximamo-nos do local para conversar com eles, para saber o que estavam fazendo ali. Eram três e, no nosso grupo, havia seis, o que levou-os a fugir.

Fiquei abismado com o estoque de comida e de material cirúrgico encontrado no local, onde havia até uma oficina de rádio, 60 mochilas de lona, costuradas (no local) em máquina industrial. Jogamos muita coisa no meio de um açude, tocamos fogo no resto e voltamos sem fazer prisioneiro.

Poderíamos ter atirado naqueles elementos. Estávamos a 80 metros: um tiro de fuzil os atingiria facilmente, pois estavam sentados. Mas nosso objetivo não era matar, não era trucidar. Nosso objetivo era confirmar o que eles estavam fazendo lá, pois, de acordo com Pedro Albuquerque, eram guerrilheiros. Estavam exatamente na área indicada por Pedro Albuquerque que, aliás, viu toda a operação.

Destruímos todos os seus aparelhos e um grande volume de frutas - melancia, jerimum etc. Ficamos impressionados com a quantidade de comida que havia lá, inclusive sacas de arroz; havia até, como já disse, uma oficina de rádio, com equipamentos sofisticados. Embora uma oficina rústica, mas que funcionava, assim como o gerador, lá atrás. O Pedro Albuquerque retornou com dois dos nossos, sendo recolhido ao xadrez de Xambioá, e continuamos nossa missão.

Como os três elementos fugitivos certamente avisaram para o resto do grupo do Destacamento C, mais ao sul, em frente a São Geraldo do Araguaia, que estávamos indo para lá, ao chegarmos os vimos fugindo com muita carga - até violão levavam. Estavam se retirando da área do Destacamento C, do Antônio da Dina e do Pedro Albuquerque.

É bom lembrar que Pedro Albuquerque nos levara ao Destacamento C, ao qual pertencera e de onde fugira porque os bandidos exigiram que fizesse um aborto em sua mulher, que estava grávida. Mas o casal não se conformou com a ordem, principalmente porque outra guerrilheira grávida tinha sido mandada para São Paulo, para ter o filho nas “mordomias” daquela cidade. Coincidentemente, ela era casada com o filho do chefe militar da guerrilha, Maurício Grabois.

Passamos a perseguir esse grupo e continuamos avançando. Embora chovesse bastante, estávamos nos aproximando. Eles resolveram soltar a carga que estavam levando e o guia, morador da área, disse-me: “Agora, nós não vamos pegar eles porque estão fugindo pra gameleira”.

Demos uma meia parada e passamos a destruir o equipamento abandonado por eles. Foi então que pressentimos a vinda de alguém pela trilha. Nós estávamos no meio da mata e esse elemento vinha pela trilha. Agachamo-nos e observamos um elemento forte, com chapéu de couro, mochila nas costas e facão na cintura. Então, quando chegou bem próximo, dei a ordem: “Prendam esse cara!”

Não sei, não posso me lembrar, se foi o Cid ou se foi o Cabo Marra que pegou o Genoíno, pois esse elemento, que dizia chamar-se Geraldo, posteriormente foi identificado como Genoíno - que naturalmente está me olhando agora. E eu tiro os óculos justamente para ele me reconhecer, porque da minha cara ninguém esquece, principalmente com aquela cara que eu estava na mata, depois de vários dias passando fome e sede, sujo, cheio de barba... Mas é a mesma cara... É o mesmo olhar de quando o encarei e disse:

“Seu mentiroso! Confesse! Você não tem mais alternativa”.

Por que eu descobri que o Genoíno era guerrilheiro?

Ele se dizia Geraldo e se dizia morador da área (claro, elemento na área, suspeito, eu mandei deter). Mesmo algemado e com tudo nas costas, uma mochila pesada e grande, ele fugiu. O Cabo Marra deu três tiros de advertência, e ele parou. Mas não parou por causa da advertência, parou porque se emaranhou no cipoal e o pessoal conseguiu pegá-lo.

Eu perguntei: “Por que você está fugindo? Nós apenas estamos querendo conversar com você. Para você não fugir, vamos ter de algemá-lo”.

“Eu sou morador” - disse ele.

Deixei o pessoal especializado em inquirição conversar com o Genoíno - até então Geraldo. O Cid conversou bastante tempo com o Genoíno e, afinal, veio a mim e disse: “Comandante, não tem nada, não”.

“Está bem” - respondi. Como eu já estava há muito tempo no mato e já tinha decidido levar esse Geraldo para Xambioá, peguei a mochila dele.

Quero também ressaltar que havia um elemento na minha equipe - já falecido - especialista em falar com o pessoal da área; um elemento excepcionalmente bondoso, ao qual presto minhas homenagens. O João Pedro, apelidado por nós de Jota Peter, ou Javali Solitário - onde estiver estará me escutando. João Pedro era quem falava com o matuto, com o pessoal da área. Eu, na minha linguagem urbana, não era entendido nem entendia o que eles falavam. Pois bem, o Javali veio a mim e disse: “Ele não tem nada. É morador da área”.

Como homem de selva que era, peguei a mochila do Geraldo e comecei a abri-la. Tirei pulôver, rede e um bocado de “bagulho” da mochila do Geraldo, até encontrar um tubo de remédio no fundo da mochila. Ao pegar aquele tubo e olhar para o Genoíno, vi que ele estava lívido, pálido. Lembro-me que ainda lhe disse: “Companheiro, fique tranquilo porque nós não vamos fazer nada com você; você é morador da área”. E abri o tubo...

Lá encontrei material típico de sobrevivência - linha de pesca fina, anzóis. Como eu havia feito um curso e só sabia teoricamente sobre o assunto, interessei-me por aquele exemplo prático, em um local de difícil acesso na selva amazônica. À medida que eu ia puxando aquelas linhas, o Genoíno - aliás, o Geraldo - ia ficando mais desesperado. E quando eu esvaziei o tubo, olhei para ele... estava branco como cera.

Quando eu olhei para ele [Genoíno]e disse: “Você não tem mais alternativa porque aqui está a mensagem”, ele disse: “Eu falo”.

Foi quando, lá no fundo do tubo, vi um papel pautado, dessas cadernetas em que todo dono de bodega na área anotava as suas vendas. Cortei uma talisca do meu lado, puxei o papel e lá estava a mensagem do Comandante do Grupamento B, da Gameleira, o Osvaldão, para o Comandante do Grupamento C, Antônio da Dina. Estava lá a mensagem que o Genoíno transportava para o Antônio da Dina. Era uma mensagem tão curta que ele, como bom escoteiro que era, poderia ter decorado, pois até hoje, mais de 30 anos passados, eu me lembro do que ela dizia. Era uma dúzia de palavras em linguajar militar, de próprio punho do Osvaldão, o Comandante do Grupamento B da Gameleira, o grupamento mais perigoso da guerrilha, como constatamos no desenrolar das lutas.

Aliás, esse foi o grupo que matou o primeiro militar na área. Antes de qualquer pessoa morrer, o grupo do Osvaldão matou o Cabo Rosa, Odílio Cruz Rosa. Depois do Cabo Rosa eles mataram mais 2 sargentos e fizeram muito mal aos militares, que nada sabiam até então. Só quem sabia era o pessoal de informações.

Bem, prosseguindo. O Genoino foi mandado para Xambioá. A essa altura ele deixou de ser suspeito e disse tudo sobre a área. Quando eu olhei para ele e disse: “Você não tem mais alternativa porque aqui está a mensagem”, ele disse: “Eu falo”.

Genoíno, olhe no meu olho, você está me vendo. Eu prendi você na mata e não toquei num fio de cabelo seu. Não lhe demos uma facãozada, não lhe demos uma bolacha - coisa de que me arrependo hoje.

Um elemento da minha equipe, fumador inveterado, abriu um pacote de cigarros, aproveitou aquele papel branco do verso, pegou um toco de lápis, não sei de onde, e o João Pedro começou a anotar o que o Genoino falava. Fui até um córrego próximo beber um pouco d’água. Voltei e o papel estava cheio, com toda a composição da Guerrilha - nomes, locais, Grupamento C, ao sul; Grupamento B, da Gameleira, perto de Santa Isabel; e Grupamento A, perto de Marabá. Eram esse os 3 grupos efetivos, em que se presumiam 30 homens por grupamento, além de um comitê militar, comandado por Maurício Grabois.

“Genoino, aquele rapaz foi esquartejado!”

Peguei aquele papel e ainda comentei com ele: “Pô, meu amigo, tu és um cara importante desse negócio aí, hein?” E mandei o Genoíno para Xambioá, onde foi recolhido ao xadrez e, posteriormente, enviado a Brasília. Três ou quatro dias depois, não me lembro, veio a confirmação da identificação: o guerrilheiro Geraldo era o José Genoino Neto.

Triste notícia veio depois. O grupo do Genoíno prendeu um filho do Antônio Pereira, aquele senhor humilde, que morava nos confins da picada de Pará da Lama, a quilômetros de São Geraldo. O filho dele era um garoto de 17 anos, que eu não queria levar como guia, porque ao olhar para ele me lembrei do meu filho, que tinha a mesma idade. Eu dissera ao João: “Não quero levar o seu filho”. Eu sabia das implicações, ou já desconfiava. Mas o pobre coitado do rapaz nos seguiu durante uma manhã, das 5h até o meio-dia, quando encontramos os três nos aguardando para almoçar. Pois bem. Depois que nos retiramos, os companheiros do José Genoíno pegaram o rapaz e o esquartejaram.

Genoino, aquele rapaz foi esquartejado!

Toda a Xambioá sabe disso, todos os moradores de Xambioá sabem da vida do pobre coitado do Antônio Pereira, pai do João Pereira, e vocês nunca tiveram a coragem de pedir pelo menos uma desculpa por terem esquartejado o rapaz! Cortaram primeiro uma orelha, na frente da família, no pátio da casa do Antônio Pereira; cortaram a segunda orelha; o rapaz urrava de dor; a mãe desmaiou. Eles continuaram, cortaram os dedos, as mãos e, no final, deram a facada que matou João Pereira. Pois bem, eles fizeram isso apenas porque o rapaz nos acompanhou durante 6 horas. Para servir de exemplo aos outros moradores, de forma que não tivessem contato com o pessoal do Exército, das Forças Armadas.

Foi o crime mais hediondo de que já soube. Nem na Guerra da Coréia ou na do Vietnã fizeram isso. Algo parecido só encontrei quando trucidaram o Tenente PM Alberto Mendes Júnior. Esse Tenente PM se oferecera voluntariamente para substituir dois subordinados que estavam feridos, capturados pela guerrilha do Lamarca. Lamarca pegou o rapaz, castrou-o, obrigou-o a engolir os órgãos genitais e trucidou-o.

Pois o crime contra o João Pereira foi muito mais grave, muito mais horrendo. E eles sabem disso. Peçam desculpas ao Antônio Pereira, se ele estiver vivo! Tenham a coragem de reconhecer, pois toda a Xambioá sabe disso!

Genoíno preso e identificado... mas a Guerrilha prossegue. Depois de matar o João Pereira, mataram o Cabo Odílio Cruz Rosa; depois do Rosa, eles mataram dois sargentos; depois dos dois sargentos, eles atiraram no Tenente Álvaro, que pode contar a história, como estou contando aqui.

Na minha versão, o Álvaro deu voz de prisão ao bandido e eles atiraram. Outro, que estava atrás, atirou nas costas do Álvaro. Depois desse ferido, houve vários outros feridos, até que, finalmente, eu fui ferido e tive que sair da área.

Porém, antes, as tropas do Exército saíram da área, ao constatar que aquele era um movimento de monta, mais planejado - planejado em Cuba.

Sabemos como funciona a mente de um comunista. Um comunista tranquilo, sem arma na mão... tudo bem. Aquilo é o que ele pensa e a nossa democracia permite isso. Mas aquele que pega em arma, tem de ser eliminado. Um homem que entra numa mata para combater em nome de um regime de Fidel Castro, esse cara tem que ser morto!

Foi então realizada a Operação Sucuri, que fez um levantamento completo de informações: do que se tratava, qual o valor do inimigo, onde ele estava, enfim, todos os itens necessários para que fosse elaborada uma ordem de operações para o combate à Guerrilha. Isso durou 5 ou 6 meses e já existe literatura publicada muito boa a respeito.

Elementos militares descaracterizados, à paisana, foram postos dentro da mata, desarmados, com identidade falsa, infiltrados na área dos bandidos. Qualquer um de nós, em sã consciência, reconhece que esses homens da Operação Sucuri foram uns heróis. Naquela época, se me tirassem as armas e me botassem na mata... não sei não... No ímpeto da juventude, talvez eu fosse, como eles foram. Eram capitães, tenentes e sargentos.

Terminada a Operação Sucuri, já sabíamos do que se tratava, confirmadas todas ou quase todas as informações que o Genoíno tinha dado. Três grupos, comando militar e a chefia em São Paulo, sob o comando de João Amazonas - que fugiu da área ao primeiro tiro. Grande valentia! Herói... João Amazonas ?! João Amazonas, repito, fugiu da área ao primeiro tiro, junto com Elza Monnerat. Deixou lá garotos, estudantes e os fanáticos comunistas, tipo Maurício Grabois, que influenciou seu filho, André Grabois, o personagem central do evento que vou relatar agora.

O comandante do Comitê militar da guerrilha era o André Grabois. A esposa dele, a Criméia, que talvez esteja me olhando, disse que o pegamos numa emboscada, mas não houve emboscada!

Como o Exército saíra da área para fazer operação de informações, a Operação Sucuri, eles cantaram vitória prematuramente: “Seu Exército é de fritar bolinho”.

Muito bem... fritamos bolinho !

Eu já estava de volta à área e recebi a seguinte ordem: “Vá à região de São Domingos a pé, porque de viatura não se chega lá. Eles destruíram uma ponte na Transamazônica.” Peguei a minha equipe e fui para São Domingos. Atravessei o rio. A ponte, de madeira, estava destruída, mas atravessei a vau. Cheguei a São Domingos e encontrei o posto da PM incendiado. Ao alvorecer daquele dia - se não me engano, 10 de outubro de 1973, eles destruíram e incendiaram o posto. Deixaram todos os militares nus, inclusive o Tenente PM comandante do destacamento; pegaram todo o armamento, toda a munição e todo o fardamento. Entraram na mata e deixaram um recado: “Não ousem nos seguir, porque o pau vai quebrar”.

Infelizmente, Criméia, seu marido morreu por isso: pude ver as suas pegadas bem nítidas, pois eles estavam carregados com cunhetes de munição, fuzis da PM, revólveres, e foi fácil seguir o grupo.

No terceiro dia, para resumir, houve o encontro. Eles estavam tão certos de que o Exército não iria lá que estavam caçando porcos. Às 6 da manhã, eu escutei o primeiro tiro e o grito dos porcos. Às 15 horas houve o combate. Vejam bem o espaço de tempo: de 6 da manhã às 15 horas. Eu estava a menos de 10 metros do primeiro homem, que era o comandante do grupo, André Grabois, filho de Maurício Grabois. Ele estava sentado, com um gorro da PM na cabeça, que tomara do Tenente, e uma arma na mão. Olhei para os meus companheiros, que vinham rastejando, e perguntei: “Será que vamos encontrar um bando de PMs aí ?”

Olhei... eles entraram em posição... e eu me levantei. Quase encostei o cano da minha arma em André Grabois: “Solte a arma !”. Ele deu aquele pulo e a arma já estava na minha direção. Não deu outra: os meus companheiros, que chegavam, acertariam o André, caso eu tivesse errado, o que era muito difícil, pois estava a um metro e meio, dois metros dele.

Foi destruído o Comando militar da Guerrilha. Todos eram formados na China, em Pequim, em Cuba. Não me lembro do nome de todos, mas citarei alguns: André Grabois; o pai, Maurício Grabois, que mandou o filho fazer curso em Cuba; o Calatroni; o Nunes. O João Araguaia se entrincheirou atrás de um tronco de árvore e não se mexeu; depois do tiroteio, saiu correndo, sem arma. Ninguém atirou no João Araguaia porque ele estava sem arma. O Nunes estava gravemente ferido, mal falava e, quando o fazia, o sangue corria pela boca, mas ele conseguiu dizer da importância do grupo e citou os nomes - não sei se nome ou codinome - de todos eles: o Zequinha, ele disse, esse é o André Grabois. Estava morto.

Esse foi o primeiro combate significativo contra os guerrilheiros, onde foram desmoralizados. Eles diziam para os soldados não entrarem na mata porque os oficiais não entravam. Ora, o próprio acampamento dos militares ficava no meio da selva...

Em seguida, ocorreu o incidente do dia 23 de outubro, 10 dias depois. Continuando na perseguição ao bando, encontramos pegadas de um grupo numeroso. Aquele grupo, do Zé Carlos, era do Grupamento A. Quando encontramos umas trilhas, depois, soubemos que era do Grupamento B, do Osvaldão. Eu já estava a menos de 100 metros do grupo quando percebi o guia voltando para a retaguarda. O guia era um morador da área, que não tinha nada com a guerra; estava lá apenas auxiliando o Exército a pegar os “paulistas”, que era como chamavam os guerrilheiros.

Quando o guia começou a retrair, achei que a coisa estava feia, mas continuei. Nisso, um dos guerrilheiros retorna, volta inesperadamente, e dá de cara comigo. Eu agachado e ele olhando para mim. Foi quando dei a ordem de prisão: “Mãos na cabeça !”.

Ele levantou uma mão e foi quando vi que era uma mulher. Ela levantou uma mão fazendo sinal de... para eu ficar olhando para a mão enquanto ela desamarrava o coldre. Dei 3 vezes a ordem de prisão, mas ela não obedeceu. Quando eu vi que ela estava abrindo o coldre gritei “Não faça isso !”. Mas ela sacou a arma e vi que não tinha jeito: atirei. Acertei a perna dela, que caiu, caiu feio. Aliás, ela não caiu, desmoronou; deu um salto, como se tivesse recebido uma patada de elefante. Ela caiu uns 3 metros adiante, tal o impacto.

Eu corri, ela não estava mais com a arma, estava nos estertores da dor, chorando e gritando. Eu disse: “Fica calma que vamos te salvar”. Procurei a arma... a selva muito cheia de folhas... não achei a arma. Meu erro: não deixei um sentinela com ela. Éramos poucos, eles eram vinte, eu precisava de gente.

Continuamos a perseguição ao grupo, e eles atravessaram o córrego. Resolvi voltar, já estava escurecendo. Quando me agachei ela atirou-me, à queima roupa. O tiro pegou na mão e acertou na face, atravessando o véu palatino e se encaixando atrás da coluna; e eu caí. Outro tiro que ela deu acertou o braço do Capitão Curió, subcomandante da equipe. O restante da minha equipe revidou, claro, encerrando a carreira de bandido da Sônia, nome da guerrilheira.

Fui carregado em uma rede e transportado na mata. Altas horas da noite, os soldados que estavam me carregando passaram os seus fuzis para um outro, do lado deles. E o que ia levando 2 fuzis, um fuzil batendo no outro, fazia muito barulho na mata, o que se propagava a longa distância. Os terroristas haviam armado uma emboscada que teria sido o fim para nós. Mas aquele companheiro, com o qual eu brigava tanto, pedindo que deixasse de fumar, nos salvou. Ele, que assumira o comando da equipe, mandou parar, para dar uma pitada. Isso, a uns 50 metros da emboscada. Paramos e ficou aquele silêncio. Eu fui estendido no chão, dentro da rede, sangrando muito, quase desacordado. Os terroristas, então, achando que havíamos pressentido a emboscada, fugiram - aqueles valentes guerrilheiros ! Claro que eles teriam matado todos nós, não tenham dúvida. Nós estávamos completamente sem atenção, pois a minha equipe estava levando o seu comandante, quase morto, para o primeiro local onde o socorro poderia alcançar.

Na localidade de São José, pediram uma ambulância para levar um ferido. De São José, a ambulância me levou para Bacaba, de lá para Marabá e de Marabá para Belém, onde passei uns dias para me restabelecer e ter condições de viajar. Depois fui levado para Brasília onde fui operado. A operação se revestia de cuidados especiais, sob o risco de ficar paraplégico para o resto de minha vida. Graças a Deus, as sequelas foram muito menores e hoje eu estou falando aos senhores aqui, com muita honra.

Encerrando, digo que é muito difícil falar em conclusões de uma luta de 4 anos. Citarei apenas 2 dos itens que alinhavei para as conclusões. Permitam-me que os leia e que recoloque os óculos para isso.

Primeira conclusão: tenho imenso orgulho de haver participado dessa luta, por ter agido positivamente para evitar que os guerrilheiros do PCdoB implantassem no País um regime comunista igual ao de Cuba, com paredão e tudo - a propósito, esse risco não acabou, alerto.

Segunda conclusão: além de prestar homenagem às bravas esposas dos militares, tanto daquela época quanto da atual, estendo aos membros da minha valorosa equipe a honra de que estou sendo alvo presentemente.


Muito obrigado.