Há algo novo no ar; nos artigos de opinião, nas discussões
políticas, no comentário econômico. Os observadores mais atentos, olhando de
longe a movimentação que veio de fora dos meios esperados - a academia, a
grande imprensa, a política, o meio artístico -, já têm um nome na ponta da
língua: “nova direita” - nome dado, evidentemente, pela velha esquerda.
De perto ela é mais complexa. A tal “nova direita” é no
mínimo duas coisas bem distintas. E, dessas duas, uma nem é direita, embora
seja nova. Nesse mesmo balaio estão dois grupos: conservadores e libertários.
Eles têm algo em comum: a insatisfação com o estado do Brasil e a descrença nas
opções políticas disponíveis ou mesmo na política como um todo. Não pertencem à
direita tradicional e, obviamente, se opõem ao governo do PT. O que não quer
dizer que aceitem de bom grado o rótulo de direita.
Bem, os conservadores aceitam. Sua marca distintiva é
justamente o ódio a tudo o que vem da esquerda. Consideram-se desprovidos de
ideologia. Não querem grandes revoluções ou mudanças bruscas e populistas. Veem
no PT não apenas um partido de esquerda e, sim, a peça de um movimento político
corrupto, revolucionário e destrutivo que põe o país em risco.
Nesse ódio ao esquerdismo entram articulistas como Reinaldo
Azevedo no campo da política e, no da cultura, o filósofo Luiz Felipe Pondé.
Para além deles, aparece aqui e ali uma série de jornalistas, comentadores
sociais e mesmo artistas, cada um com seu público fiel: Rachel Sheherazade (SBT
Brasil), Paulo Eduardo Martins, Lobão.
Por trás de todos está um mentor em comum: Olavo de
Carvalho, jornalista e filósofo que vive nos Estados Unidos, de onde escreve
artigos e dá cursos on-line. Rodrigo Constantino, Rachel Sheherazade, Lobão e
Reinaldo Azevedo são leitores seus. Felipe Moura Brasil, novo blogueiro da “Veja”,
é o organizador de seu livro mais popular - “O Mínimo Que Você Precisa Saber
para não Ser um Idiota”, coletânea de artigos que resume seu pensamento.
De acordo com Olavo de Carvalho, o esquerdismo vai muito
além da política. Toda a cultura está tomada pelo marxismo cultural e a
inversão de valores por ele efetuada. O pensamento e os slogans da esquerda são
hegemônicos e constituem, assim como o PT, parte de um processo para implantar
o comunismo na América Latina via o Foro de São Paulo, organização que reúne os
principais partidos e movimentos de esquerda no continente.
O conservador vê sua luta antes de tudo como uma guerra
cultural. Por isso, a preocupação especificamente política, quando vai além da
mera oposição ao PT, se foca em questões pontuais: aborto, casamento gay,
drogas, armas, defesa da família e da religião. Isso acaba dando ao movimento o
aspecto de reacionarismo ideológico que ele tanto quer evitar.
A outra metade da “nova direita”, a ala liberal ou
libertária, também luta contra uma imagem negativa. O pouco de liberalismo que
o Brasil conheceu foi sempre visto como uma agenda tecnocrática de economistas,
gente que transita entre a teoria econômica pura e o mercado financeiro. Justa
ou injustamente, é tachado de pensamento da elite. Além disso, sempre conviveu
com o conservadorismo cultural. Essa associação ainda é comum, como no caso de
Rodrigo Constantino, que iniciou sua carreira como liberal radical e vem cada
vez mais adotando o discurso conservador. O liberalismo brasileiro clássico é,
assim, facilmente classificável como direita.
Os libertários, ala mais radical do liberalismo, querem
enterrar essa associação. Parte dos membros se coloca mesmo como “esquerda
libertária”, posição até então desconhecida no Brasil. Seu foco é na
erradicação da pobreza, nos custos que as regulamentações estatais impõem às
camadas mais baixas e aos microempreendedores e em causas progressistas como
casamento gay e liberação das drogas. Uma boa leitura nesse sentido é o blog
Capitalismo para os Pobres, de Diogo Costa, professor do Ibmec-MG. É um
liberalismo que não se opõe ao Bolsa Família, mas combate veementemente o
BNDES, grande concentrador de capital e poder nas mãos de políticos e
megaempresários.
Outra iniciativa que chama a atenção é o Estudantes Pela
Liberdade, com membros em universidades de todas as regiões do Brasil, que
organizam grupos de estudo, palestras, promovem debates, militância, etc. Tudo
isso num tom de diálogo com a esquerda universitária.
Se os conservadores têm conquistado mais espaços nas mídias
tradicionais (TV, jornais e revistas), os libertários têm crescido
principalmente na internet. O Instituto Mises Brasil tem o site de economia
mais acessado do país, com análises pautadas pela escola austríaca de economia,
conhecida pelo radicalismo de seus membros. Já o site do Instituto Ordem Livre,
que adota uma abordagem mais plural, hospeda colunas sobre combate à pobreza,
urbanismo, ética e política.
Falando em política, tem outra novidade na área. O Partido
Novo, que está em processo de formalização, tem algo que ninguém mais tem:
dinheiro. Talvez por isso encarne a esperança de todos. Inicialmente, parece
defender uma agenda liberal mais tradicional, que pede privatizações,
eficiência na gestão e corte de impostos. Mas pode também dar uma guinada
libertária, defendendo desregulamentações e fim de transferências de renda
regressivas.
Conservadores olham para o passado: querem conservar os
valores da civilização ocidental e as instituições vistas como suas principais
representantes - a igreja, a família, o Estado democrático de direito, os
direitos naturais.
]
Podem ser até liberais em economia, mas seu coração não está
na liberdade enquanto tal. Já libertários olham para o futuro sem medo de criar
utopias e apostar nas mudanças revolucionárias que sua proposta trará. O Estado
é visto ou como uma barreira à criação do novo ou como um definidor de caminhos
fixos para a mudança, proibindo e barrando caminhos alternativos.
De princípios humildes, a “nova direita” vem causando
desconfortos e sendo bem recebida por muitos. De direita ou não, o fato é que
ela traz novidades.
-------------------------------------
Joel Pinheiro, mestrando em filosofia, é editor da revista “Dicta&Contradicta”
FONTE: Valor Econômico online, 31/01/2014