Vários profissionais estão desconcertados com o português de
boa parte da mídia, mas não apenas com erros de ortografia, mais leves; ou de
sintaxe, mais graves, por ferirem a lógica e confundirem os leitores. Sua
perplexidade é com ataques absurdos como o seguinte: o bandido é flagrado com
arma na mão, confessa o crime diante de câmeras e microfones, sem nenhum tipo
de coação, e, às vezes, reconhece, orgulhosamente, que o sujeito filmado pelos
sistemas de vigilância de lojas ou residências é ele, sim, o meliante. E ainda
assim boa parte da mídia o denomina “suposto assaltante”, “suspeito de crime” e
outras delicadezas.
Escrever bem começa pelo seguinte: dar às coisas o nome que
as coisas têm. E não é só em relação a assaltantes e gatunos, não. São
assustadoras as indulgências concedidas a esses políticos corruptos. Elas são
mais perigosas do que aquelas dadas aos bandidos comuns. Quando vão parar nos
presídios, irrompe na cena a cara de pau adicional de simular esmolas recebidas
para lhes custear as multas aplicadas pela autoridade competente. Esmolas de
meio milhão de reais! O Brasil acaba de criar o mendigo de elite, que é o
bandido político.
Gozam dos benefícios dos eufemismos citados também políticos
de outros países. “Suposto” e “suspeito” vêm sendo palavras curingas e têm
servido para tudo, principalmente para substituir o que significa outra coisa.
Suposto quer dizer admitido por hipótese. Deixamos a palavra
ali embaixo de “posto”, aguardando que a verdade seja apurada. Suspeito tem o
significado de alguém do qual desconfiamos, que tenha feito algo que ele até
pode negar. Porém, quando supostos e suspeitos admitem ou confessam, sem coação
nenhuma, que foram os autores do que lhes é atribuído, eles não são mais
suspeitos nem supostos.
Podemos fazer pouco, mas podemos ao menos contar ao distinto
público as coisas como as coisas são. E para isso as palavras são outras, a
sintaxe é outra, a lógica é outra.
É preciso que profissionais da fala e da escrita voltem aos
bancos escolares ou ao menos façam algumas oficinas que lhes ensinem a
escrever! Eles lidam com uma ferramenta, já caracterizada também como arma,
cujos poderes foram reconhecidos por generais que se destacaram em batalhas
memoráveis, algumas das quais mudaram o mundo. Eles diziam temer mais a pena do
que a espada!
A vida privada não pode ser pauta da mídia, mas, quando está
em questão o dinheiro público ou o interesse público, daí é bom lembrar que no
passado os políticos tinham ao menos vergonha na cara. Um destes casos resultou
no filme Escândalo (1989). Na Inglaterra dos anos 60, John Profumo era ministro
da Guerra e namorava a modelo e corista Christine Keeller, que dormia também
com o adido militar russo naquele país, Yevgeny Ivanov. Alertado pelo Serviço
Secreto Inglês, Profumo deu fim ao caso, escrevendo à amante.
Ela seguiu sua vida. Posou pelada para uma revista e ganhou
algum dinheiro. E aconteceu uma coisa curiosa: quem ficou mais famosa e vendeu
bastante dali por diante foi a cadeira em que ela foi fotografada, a chaise
3107, do arquiteto e decorador dinamarquês Arne Jacobsen, por esconder seios e
baixo ventre da moça e assim respeitar os códigos da censura daquela época. Ele
renunciou à política e foi trabalhar de faxineiro em serviços comunitários.
Hoje não seria assim. Depois de receber mesadas vindas do
dinheiro público, amantes de políticos influentes, do Executivo e do
Legislativo, seguem gozando dos benefícios da impunidade. Delas mesmas e de
seus protetores. Eles, quando ameaçados de perder o mandato, renunciam. E
depois voltam ao antigo posto ou a um novo, consagrados pelo voto! A culpa é
dos eleitores? Não é só deles. É de boa parte da mídia, que em muitos casos não
contou as coisas como as coisas foram.
O tempora, o mores (que tempos, que costumes!), exclamou o
orador Cícero, de quem no passado todos sabíamos de cor o seguinte trecho de um
de seus discursos contra o senador Catilina: “Quo usque tandem abutere, Catilina,
patientia nostra?” (Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?).
Resposta: todos os Catilinas do Brasil vão continuar
abusando sempre, ao que parece. Mas aparência e essência não são a mesma coisa.
Se fossem, a ciência seria desnecessária e nós não precisaríamos saber de nada!