quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Editorial Correio Braziliense: Sexta-feira, feriado nacional

Dia 28 de fevereiro deveria ser feriado nacional, com direito a hasteamento da bandeira, execução do hino e celebração de culto ecumênico em praça pública. A comemoração impediria que os governantes de plantão se esquecessem da maior vitória da sociedade brasileira na segunda metade do século 20. Fato que mudou a vida dos brasileiros e se tornou conquista tão importante que, ao maltratá-la ou descurar de preservá-la, a autoridade corre o risco de receber o devido troco nas urnas.

Trata-se do tiro de morte na hiperinflação, que muitos comemoram em 1º de julho, data em que entraram em circulação as primeiras notas e moedas do real. Mas foi no último dia de fevereiro de 1994, há 20 anos, portanto, que o Brasil começou a deixar para trás longo e desafortunado período de inflação acelerada. Naquela data, foi publicada a Medida Provisória nº 434, instituindo a unidade real de valor (URV), moeda virtual que não circulava, mas servia como padrão do valor monetário.

Uma equipe de então jovens, mas já experientes economistas, criou a passagem para a moeda definitiva. Mas foi a maioria da população quem fez o milagre. A inflação andava perto dos 40% ao mês e vários planos econômicos tinham fracassado, desgastando a crença na capacidade do governo de cuidar do monstro alimentado durante décadas com rações de correção monetária e gastos públicos sem medida.

Mas o que precisa ser homenageado, não apenas na sexta-feira, mas todos os dias, é a capacidade do brasileiro de aprender. A população já tinha entendido que a inflação só é boa para os próprios governantes e para quem tem dinheiro, que pode ganhar com aplicações financeiras.

Para o comum dos brasileiros, a inflação é imposto perverso, que retira poder de compra dos salários sem dar nada em troca. Para o administrador público, não há perdas, só ganhos. Afinal, os impostos acompanham a corrida dos preços e basta atrasar dois ou três meses a correção dos salários para “gerar” boa reserva e, com ela, inaugurar obras que rendem votos.

Não foi só isso que o cidadão aprendeu. No dia seguinte à publicação da MP 434, já havia vendedores ambulantes explicando aos menos atentos que a URV era o dólar e, por isso, valeria sempre 1, mas seriam necessários mais cruzeiros reais para comprá-la, se ela estivesse à venda. Naquela dia, a URV era “cotada” a CR$ 647,50, e, em julho, quando foi transformada em real, CR$ 2.750.

Desde então, o brasileiro adicionou a moeda aos símbolos nacionais que realmente preza, como o hino e a bandeira. O orgulho nacional não tolera que estrangeiros falem mal do Brasil. Já ao hino e à bandeira nem a brasileiro é permitido outro sentimento que não seja a paixão irrefreável. Do valor da moeda temos aprendido a não abrir mão e é bom que os governantes se lembrem de que, nesse caso, a famosa falta de memória do povo não vigora.

A conquista de uma moeda decente e sua preservação não é, portanto, obra de um governo ou partido. É patrimônio da sociedade. Daí o preço eleitoral a pagar por quem descurar da austeridade com o gasto público e da política monetária adequada ao combate sem trégua do aumento de preços. É isso que, à falta da decretação do feriado da URV, precisa ser lembrado todos os dias aos que pensam em colocar o efêmero sucesso nas urnas à frente das prioridades do povo.