Sabemos todos das críticas comuns ao capitalismo. Injustiça
social, viramos mercadoria. Sonhamos com um mundo no qual todos terão praia sem
trânsito, com areia e água igual para todos. Mulheres e homens se amariam sem
ciúmes e também amariam outros animais e plantas de forma igualitária e com
respeito. Um mundo no qual todos viveriam numa mistura de Islândia e França,
com clima italiano.
Vulcões não engoliriam civilizações, tsunamis não invadiriam
a terra, jacarés respeitariam os direitos humanos. Mulheres não desejariam mais
de um vestido, homens não teriam medo da impotência. Todos integrados num
sistema autorregulativo de paz e amor. Críticas de uma mente infantil.
A melhor crítica à sociedade de mercado foi feita por seu
maior defensor, Adam Smith (século 18). Tradutor de Rousseau, Smith discutiu
com ele a corrupção do caráter causada pelo sociedade comercial.
Rousseau entendia que a corrupção era política e seria
resolvida com remédios políticos: revolução, destruição da cultura e técnica,
frutos do mundo baseado em trocas comerciais, uma nova pedagogia que deixasse a
harmonia e beleza da natureza humana inata se manifestar de novo na sua
integração com a harmonia e beleza da natureza a nossa volta. E, assim sendo,
de novo, voltaríamos ao mundo no qual o homem acordaria, caçaria de manhã,
almoçaria ao meio-dia, escreveria um livro à noite, sem um tsunami ou inveja
sequer.
Para Smith, a corrupção é moral, e não política.
Interessante ver como aquele para quem a sociedade comercial era um trunfo
humano a ser preservado, será o mesmo homem para quem o risco dessa mesma
sociedade será muito mais difícil de curar do que para nosso filósofo da
vaidade, Rousseau.
Smith temia que a sociedade de mercado causasse um
enfraquecimento das virtudes heroicas. A perda dessas virtudes (coragem,
disciplina e força), causada por uma vida baseada na produção de riquezas
materiais e consequente riqueza de bens imateriais (hoje materializados em leis
luxuosas sobre direitos, desejos e liberdades numa sociedade baseada em escolhas
individuais contra sociedades que esmagam esta escolha sob a bota de modelos
coletivistas tradicionais, religiosos ou marxistas), apareceria na covardia
generalizada e no vício do bem-estar, material e imaterial.
Se a URSS tivesse ganho a Guerra Fria, seriamos todos pobres
e ninguém teria esses luxos materiais e imateriais. O capitalismo deixou todo
mundo frouxo.
Logo, o enriquecimento produz homens e mulheres covardes em
larga escala porque produz demandas de luxo generalizado.
Para Smith, o homem moderno poderia vir a ser um covarde
viciado em seus pequenos luxos. No entendimento do nosso iluminista escocês (o
iluminismo britânico é infinitamente mais sofisticado do que o francês, o único
ensinado no Brasil tacanho de nosso dia a dia), somos capazes de benevolência e
empatia (ou simpatia), e buscamos uma certa imparcialidade em nossos
julgamentos morais por percebermos como ela é importante para o convívio
racional.
Entretanto, a virtude heroica da sociedade de mercado,
pensava ele, era a autonomia, não a pura kantiana, mas a capacidade de
assumirmos nossas decisões morais na vida alimentada por nosso desejo de sermos
donos de nossa vida material, na medida do possível.
Ele bem sabia o quão duro é ser assim. Sempre foi. Mas a
corrupção do caráter, baseada nos ganhos materiais e imateriais do bem-estar,
nos tornaria uns frouxos. E isso aconteceu. E esta frouxidão se materializa
numa demanda interminável de facilitação da própria vida.
Logo, vamos exigir a abolição do trabalho como direito.
Ganhar a vida com o suor do rosto sem garantia de retribuição será considerado
contra os direitos humanos.
O novo crescimento do socialismo rosa-choque, inclusive em
lideres como Obama, é fruto dessa corrupção. Smith previu as bases para o
surgimento do pensamento de Marx e Gramsci: a corrosão do caráter causada pelo
enriquecimento das sociedades e suas demandas de supressão das condições reais
da vida como dor, luta e trabalho sem garantias.