A profecia do declínio dos EUA é uma narrativa política
cíclica que descreve trajetórias balísticas. No ciclo mais recente, o
lançamento do projétil do declinismo coincidiu com o colapso financeiro de
2008, um evento que lhe conferiu alta velocidade inicial e extraordinário
alcance. Contudo, o projétil atingiu o apogeu anos atrás e já ingressou na
etapa descendente de sua trajetória. Nessa etapa, os países que acreditaram no
mito declinista, como o Brasil, precisam se ajustar a um cenário externo
inesperado.
Os arautos do antiamericanismo são, quase sempre, adeptos
fervorosos do declinismo. Eles imaginam-se pensadores originais, mas estão
enganados: as fontes do declinismo encontram-se na própria tradição política
americana, que gera versões liberais e conservadoras dessa profecia. Nos EUA,
desde o sobressalto causado pelo lançamento do Sputnik soviético, em 1957,
emergiram cinco narrativas declinistas sucessivas em número igual de décadas.
Do “Vietnã” ao “Afeganistão e Iraque”, da “estagnação econômica” à “crise
financeira global”, a música da ruína reproduz melodias conhecidas, ainda que
sedutoras. A diferença entre o declinismo “made in USA” e o declinismo
propagado fora dos EUA não está na composição, mas no tom dos instrumentos:
melancolia, num caso; júbilo, no outro.
O declinismo é uma fábula e, como tal, “não trata de
verdades, mas de consequências”, assinalou Josef Joffe. A narrativa da ruína
americana é, portanto, impermeável ao teste da validação empírica, o que
explica sua inesgotável capacidade de renascer ciclicamente, com a mesma força
persuasiva de sempre. Os declinistas tocam uma música destinada a configurar
crenças e mudar atitudes políticas. Nas suas versões autóctones, a finalidade é
perturbar os espíritos para vender uma ideia de redenção — e, assim, derrotar a
profecia insuportável. Pense, por exemplo, no vaticínio de Samuel Huntington
sobre os efeitos corrosivos da imigração hispânica na coesão da sociedade
americana, um artefato “sociológico” destinado a fornecer argumentos eleitorais
para a ala direita, nativista, do Partido Republicano.
Fora dos EUA, a narrativa declinista é um componente crucial
nos discursos antiamericanos de correntes políticas avessas ao liberalismo, ao
modernismo, ao cosmopolitismo e ao judaísmo. Meio século atrás, o egípcio Sayyd
Qutb formulou a doutrina da jihad contemporânea sob o impacto duradouro de uma
viagem aos EUA na qual concluiu que o Ocidente perdera a vitalidade moral,
condenando-se a um declínio irreversível. A França de Vichy era declinista,
tanto quanto é, hoje, a Frente Nacional, de Marine Le Pen. Entre as elites
francesas, conservadoras ou social-democratas, o prognóstico da decadência
americana é algo próximo a um consenso nacional, com raízes psicológicas
fincadas na percepção compartilhada do declínio francês. Há uma década, a
direção do Partido Comunista Chinês promoveu um seminário fechado sobre a
história da ascensão e do declínio das grandes potências, extraindo a
reconfortante conclusão de que a “Pax Americana” cederá lugar a uma “Pax
Chinesa”.
A profecia declinista perpassava os discursos de Nikita
Kruschev, mas só contaminou de fato o pensamento da esquerda marxista depois da
queda do Muro de Berlim. O filósofo-militante alemão Robert Kurz fabricou uma
versão pretensamente sofisticada da venerável narrativa no livro “O colapso da
modernização”, de 1991, que interpreta a implosão do “império soviético” como
sinal periférico anunciador de uma crise terminal do sistema capitalista. A
tese rocambolesca converteu-se, instantaneamente, numa espécie de amuleto das
correntes de esquerda engajadas no movimento antiglobalização. Nesses círculos,
o nome de Kurz brilhou intensamente durante a pequena recessão do início do
século e, novamente, na hora da crise global deflagrada pela queda da Casa dos
Lehman Brothers.
A esquerda latino-americana, vincada pelos nacionalismos e
atraída por caudilhos, sempre foi esperançosamente declinista. A “revolução
bolivariana” de Hugo Chávez reativou a profecia da decadência americana, que
encontra fortes ecos no PT. A crença na falência histórica do (mal denominado)
“capitalismo liberal” provocou uma notável inflexão na política externa
brasileira, deixando como herança o isolamento comercial do Brasil na concha de
um Mercosul sem horizontes. No auge do ciclo declinista mais recente, Lula
convenceu-se da eficácia do capitalismo de estado e, para regozijo comum dos
seus “desenvolvimentistas” e do alto empresariado associado ao Palácio, soltou
as rédeas do crédito público subsidiado. Desse autoengano nasceu o “pibinho da
Dilma”, um reflexo da retração da produtividade de nossa economia.
Obviamente, todas as curvas balísticas ingressam, em algum
momento, na etapa descendente. O ano de 2014 abre-se com o prognóstico de um
crescimento global (calculado à base da paridade do poder de compra) próximo a
4%, quase um ponto percentual mais que o do ano passado. Depois de muitos “anos
chineses”, o motor da expansão será, uma vez mais, a economia americana, que
experimenta os efeitos combinados da recuperação dos preços dos imóveis e da
explosão da produção interna de energia. Novamente, o declinismo entra em
declínio, recolhendo-se à hibernação até que algum evento geopolítico ou
econômico impactante propicie a sua reanimação.
Nessa etapa, carentes de argumentos verossímeis, os profetas
do declinismo tendem a enrijecer sua linguagem, refugiando-se nas mais
desvairadas hipóteses conspiratórias. A fórmula manjada do “ataque
especulativo” (contra o BNDES, na versão de Luciano Coutinho, ou contra a
política fiscal do governo, na de Arno Augustin), inscreve-se nesse padrão
facilmente reconhecível. A “guerra psicológica adversa”, invocada por Dilma
Rousseff, pertence ao mesmo arsenal de bombas sujas. Eles não aprenderam nada.
Azar do Brasil.