O Brasil está infestado de ‘militantes imaginários’. Mas, o
que é um “militante imaginário”? (Ouvi essa expressão do José Arthur Gianotti ─
na mosca. Já escrevi sobre isso e volto). O militante imaginário (MI) é encontrado
em universidades, igrejas, conventos, jornais, bares. O militante imaginário é
um revolucionário que não faz nada pelo bem do povo; ele se julga em ação, só
que não se mexe. A revolução imaginária não tem armas, nem sangue, nem
dificuldades estratégicas, nem soldados. Trata-se apenas de um desejo ou de
ignorantes ou de pequenos burgueses que sonham com uma vitória sem lutas. É uma
florescência romântica, poética que nos espera numa ‘parusia’ (Google, gente
boa) ao fim da história.
O militante imaginário precisa de algo que ilumine sua vida,
uma fé, como os evangélicos ─ o ‘bem’ de um futuro, o bem de uma sigla, de um
slogan. Pensando assim, tudo lhe é permitido e perdoado. “Sou de esquerda” ─
berra o publicitário, o agiota, o lobista. É tão prático… O grande poeta
Ferreira Gullar, ex-exilado, perseguido na ditadura, foi dar uma palestra na
USP e ficou perplexo com a obviedade ideológica dos jovens, como se
estivéssemos ainda na chegada de Fidel a Havana. Tudo comuna. Ser ‘de esquerda’
dá um charme extra a ignorantes de politica. Não há mais esquerda e direita;
certo seria falar em ‘progressistas e reacionários’. Com essa dualidade antiga,
o PT é ‘de direita’. Mas o MI não quer saber disso ─ continua sonhando com o
surgimento mágico de Lula, com seu dedinho cortado.
A revolução do imaginário militante é uma herança modernista
que ficou, desde a coragem de barbudos de Cuba, dos Panteras Negras, dos
vietcongues. Nós, no Brasil, amantes do gesto abstrato, inventamos a “revolução
cordial”. Preferimos o mundo da teoria. A realidade atrapalha, com suas vielas,
esgotos e becos sem saída. Bem ou mal, um militante do PT trabalha, luta por
seus ideais delirantes. Mas o militante imaginário é o revolucionário que não
gosta de acordar cedo. É muito chato ir para a porta da fabrica panfletar.
Militantes imaginários espalham-se pelo país torcendo por uma ‘esquerda’ como
por um time. Isso garante-lhes um charme de revolta, de serem ‘contra o
Sistema’. Os jovens por exemplo preferem o maniqueísmo de uma ‘esquerda’ que desconhecem
às complicadas equações para entender o mundo atual. (A propósito, não percam
na internet o manifesto a favor da Coreia do Norte no site do PCdoB. É caso de
hospício).
O militante imaginário é uma variante do “patrulheiro
ideológico”. Só que o patrulheiro vigia a liberdade dos outros. O militante
imaginário só pensa em si ─ para ele, todos somos burgueses, malvados, contra o
bem. Ele nem nos dá a esmola de uma crítica. Ele sorri de nossos argumentos,
olhando-nos, superior, complacente com nossa ‘alienação’.
O militante imaginário (MI) tem uma espécie de saudade.
Saudade de um mundo que já foi bom. Só que ninguém sabe dizer quando o mundo
foi bom. Quando o mundo foi bom? Durante a guerra de 14, no stalinismo, nos
anos 40, quando? O MI tem saudade de um tempo quando se achava que o mundo
“poderia” ser bom; é a saudade de uma saudade.
Muitos pensam que são ‘marxistas’. Não são. São restos de um
mal entendimento da herança de Hegel, que nos brindou com as “contradições
negativas”, ou seja, o erro é apenas o inevitável caminho para uma vitória
futura do Espírito. Quanto mais erro houver, mais comprovação de sucesso;
quanto mais derrota, mais brilha a solidão da esperança.
Não me esqueço de um debate do grande intelectual liberal
José Guilherme Merquior com dois marxistas sérios e sinceros. Eles faziam
“autocrítica” de todos os erros sucessivos do socialismo real: 1956 na Hungria
foi um erro, 1968 em Praga foi um erro, terrível a matança de Pol Pot no
Camboja, na revolução cultural da China, 64 e 68 foram duas subestimações do
inimigo. E concluíram: continuaremos tentando, chegaremos lá. Merquior atalhou
na hora: “Mas, por que vocês não desistem?”. É isso. Mesmo com todas as
evidências de ilusões perdidas, os militantes produzem mais fé ─ como evangélicos.
Não são de partido algum, mas com sua torcida ridícula, desinformada, ajudam a
eleição dos velhos bolcheviques tropicais.
O MI não quer a vitória, pois seria o fim do sonho e o
inicio de um inferno administrativo. Já pensou? Ter de trabalhar na revolução?
O militante imaginário detesta contas, balanços, safras de grãos, estatísticas,
tudo que interessa à chamada ‘direita’ concreta. Por isso, ela ganha sempre. A
esquerda tem “princípios” e “fins”. Mas a direita tem “meios”; a direita é um
fim em si mesma. A esquerda é idealista, franco-alemã. A direita é
“materialista histórica”.
A esquerda sonha com o “futuro”. A direita sonha com o
“mercado futuro”.
A esquerda é contra a social democracia ─ deu em Hitler. A
direita é contra a social democracia ─ deu em Hitler.
Esquerda e direita se unem numa coisa: nunca são culpados e
nunca pagam a conta, como os usineiros.
Estamos vivendo um momento histórico gravíssimo. Estão
ameaçadas todas as realizações do governo de FHC, que modernizou
institucionalmente o país, enquanto pôde, sob a mais brutal oposição do PT.
Seus líderes diziam: “Se o Fernando Henrique for pela ajuda a criancinhas com
câncer, temos de ser contra”. As obras do medíocre PAC estão todas atrasadas,
as concessões à iniciativa privada são lentas e aleijadas, a inflação está
voltando, os gastos públicos subiram 20% e os investimentos caem, o estimulo ao
consumo em vez do estimulo à produção vai produzir a catástrofe, e tem muita
gente da própria “esquerda” querendo que a Dilma se ferre para a volta do mais
nefasto homem do país: o Lula.
Não É possível que homens inteligentes não vejam este óbvio
uivante, ululante.
Mas qual intelectual ou artista famoso teria coragem, peito,
cu, para denunciar isso publicamente? Quem?
É melhor ficarem quietos e não se comprometerem. O mito da
esquerda impede que se pense o país, trava a análise crítica.
Deus vai castigá-los.