quarta-feira, 12 de junho de 2013

Arnaldo Jabor: O militante imaginário


O Brasil está infestado de ‘militantes imaginários’. Mas, o que é um “militante imaginário”? (Ouvi essa expressão do José Arthur Gianotti ─ na mosca. Já escrevi sobre isso e volto). O militante imaginário (MI) é encontrado em universidades, igrejas, conventos, jornais, bares. O militante imaginário é um revolucionário que não faz nada pelo bem do povo; ele se julga em ação, só que não se mexe. A revolução imaginária não tem armas, nem sangue, nem dificuldades estratégicas, nem soldados. Trata-se apenas de um desejo ou de ignorantes ou de pequenos burgueses que sonham com uma vitória sem lutas. É uma florescência romântica, poética que nos espera numa ‘parusia’ (Google, gente boa) ao fim da história.

O militante imaginário precisa de algo que ilumine sua vida, uma fé, como os evangélicos ─ o ‘bem’ de um futuro, o bem de uma sigla, de um slogan. Pensando assim, tudo lhe é permitido e perdoado. “Sou de esquerda” ─ berra o publicitário, o agiota, o lobista. É tão prático… O grande poeta Ferreira Gullar, ex-exilado, perseguido na ditadura, foi dar uma palestra na USP e ficou perplexo com a obviedade ideológica dos jovens, como se estivéssemos ainda na chegada de Fidel a Havana. Tudo comuna. Ser ‘de esquerda’ dá um charme extra a ignorantes de politica. Não há mais esquerda e direita; certo seria falar em ‘progressistas e reacionários’. Com essa dualidade antiga, o PT é ‘de direita’. Mas o MI não quer saber disso ─ continua sonhando com o surgimento mágico de Lula, com seu dedinho cortado.

A revolução do imaginário militante é uma herança modernista que ficou, desde a coragem de barbudos de Cuba, dos Panteras Negras, dos vietcongues. Nós, no Brasil, amantes do gesto abstrato, inventamos a “revolução cordial”. Preferimos o mundo da teoria. A realidade atrapalha, com suas vielas, esgotos e becos sem saída. Bem ou mal, um militante do PT trabalha, luta por seus ideais delirantes. Mas o militante imaginário é o revolucionário que não gosta de acordar cedo. É muito chato ir para a porta da fabrica panfletar. Militantes imaginários espalham-se pelo país torcendo por uma ‘esquerda’ como por um time. Isso garante-lhes um charme de revolta, de serem ‘contra o Sistema’. Os jovens por exemplo preferem o maniqueísmo de uma ‘esquerda’ que desconhecem às complicadas equações para entender o mundo atual. (A propósito, não percam na internet o manifesto a favor da Coreia do Norte no site do PCdoB. É caso de hospício).

O militante imaginário é uma variante do “patrulheiro ideológico”. Só que o patrulheiro vigia a liberdade dos outros. O militante imaginário só pensa em si ─ para ele, todos somos burgueses, malvados, contra o bem. Ele nem nos dá a esmola de uma crítica. Ele sorri de nossos argumentos, olhando-nos, superior, complacente com nossa ‘alienação’.

O militante imaginário (MI) tem uma espécie de saudade. Saudade de um mundo que já foi bom. Só que ninguém sabe dizer quando o mundo foi bom. Quando o mundo foi bom? Durante a guerra de 14, no stalinismo, nos anos 40, quando? O MI tem saudade de um tempo quando se achava que o mundo “poderia” ser bom; é a saudade de uma saudade.

Muitos pensam que são ‘marxistas’. Não são. São restos de um mal entendimento da herança de Hegel, que nos brindou com as “contradições negativas”, ou seja, o erro é apenas o inevitável caminho para uma vitória futura do Espírito. Quanto mais erro houver, mais comprovação de sucesso; quanto mais derrota, mais brilha a solidão da esperança.

Não me esqueço de um debate do grande intelectual liberal José Guilherme Merquior com dois marxistas sérios e sinceros. Eles faziam “autocrítica” de todos os erros sucessivos do socialismo real: 1956 na Hungria foi um erro, 1968 em Praga foi um erro, terrível a matança de Pol Pot no Camboja, na revolução cultural da China, 64 e 68 foram duas subestimações do inimigo. E concluíram: continuaremos tentando, chegaremos lá. Merquior atalhou na hora: “Mas, por que vocês não desistem?”. É isso. Mesmo com todas as evidências de ilusões perdidas, os militantes produzem mais fé ─ como evangélicos. Não são de partido algum, mas com sua torcida ridícula, desinformada, ajudam a eleição dos velhos bolcheviques tropicais.

O MI não quer a vitória, pois seria o fim do sonho e o inicio de um inferno administrativo. Já pensou? Ter de trabalhar na revolução? O militante imaginário detesta contas, balanços, safras de grãos, estatísticas, tudo que interessa à chamada ‘direita’ concreta. Por isso, ela ganha sempre. A esquerda tem “princípios” e “fins”. Mas a direita tem “meios”; a direita é um fim em si mesma. A esquerda é idealista, franco-alemã. A direita é “materialista histórica”.

A esquerda sonha com o “futuro”. A direita sonha com o “mercado futuro”.

A esquerda é contra a social democracia ─ deu em Hitler. A direita é contra a social democracia ─ deu em Hitler.

Esquerda e direita se unem numa coisa: nunca são culpados e nunca pagam a conta, como os usineiros.

Estamos vivendo um momento histórico gravíssimo. Estão ameaçadas todas as realizações do governo de FHC, que modernizou institucionalmente o país, enquanto pôde, sob a mais brutal oposição do PT. Seus líderes diziam: “Se o Fernando Henrique for pela ajuda a criancinhas com câncer, temos de ser contra”. As obras do medíocre PAC estão todas atrasadas, as concessões à iniciativa privada são lentas e aleijadas, a inflação está voltando, os gastos públicos subiram 20% e os investimentos caem, o estimulo ao consumo em vez do estimulo à produção vai produzir a catástrofe, e tem muita gente da própria “esquerda” querendo que a Dilma se ferre para a volta do mais nefasto homem do país: o Lula.

Não É possível que homens inteligentes não vejam este óbvio uivante, ululante.

Mas qual intelectual ou artista famoso teria coragem, peito, cu, para denunciar isso publicamente? Quem?

É melhor ficarem quietos e não se comprometerem. O mito da esquerda impede que se pense o país, trava a análise crítica.

Deus vai castigá-los.