A velha esquerda muito acusou o presidente Fernando Henrique
de neoliberal. Numa das vezes, em 1997, FHC reagiu. “Só quem não tem nada na
cabeça é que fica repetindo que o governo é neoliberal isso é neobobismo.”
Agora, o neobobismo ressurge para fanfarronar as administrações do PT, no livro
10 anos de Governos Pós-Neoliberais no Brasil: Lula e Dilma organizado por Emir
Sader (Editora Boitempo).
O neoliberalismo, corrente nascida nos anos 1930, se opunha
à intervenção estatal adotada na Europa e nos Estados Unidos para enfrentar a
Grande Depressão. Nos anos 1970 defendia a reforma do estado intervencionista
ao qual atribuía a perda de dinamismo e o surto inflacionário de então nos
países ricos. A esquerda passou a usar o termo em tom pejorativo.
Na América Latina, os mesmos problemas decorriam também das
políticas de substituição de importações, que ficaram insustentáveis com as
crises do petróleo (1973 e 1979) mas foram mantidas mediante elevação da dívida
externa. O modelo ruiu de vez com a moratória mexicana de 1982, que fez secar a
fonte de recursos do exterior. A inflação evoluiu para hiperinflação em muitos
países.
No Brasil, chegara a hora de rever o modelo, que havia
legado uma industrialização ineficiente e uma inaceitável concentração de
renda. As bases do modelo eram o fechamento da economia o desregramento
orçamentário, a tolerância com a inflação, a concessão de subsídios e favores
fiscais a certos segmentos, e a escolha de vencedores pela burocracia.
Era preciso superar a hiperinflação, abrir a economia,
redefinir o papel do estado, privatizar estatais ineficientes — inclusive para
assegurar o acesso da população a serviços básicos como o das telecomunicações
— e construir moderna regulação econômica e de defesa da concorrência. A
redistribuição de renda viria com o fim da corrosão inflacionária da renda dos
trabalhadores e com programas sociais focalizados nos mais pobres. A
universalização do ensino fundamental e novos investimentos em educação eram
parte da grande empreitada.
Tais mudanças ciclópicas — "neoliberais" para a
velha esquerda — atingiram o auge com FHC. A velha esquerda nunca entendeu a
realidade. Manteve suas convicções estatistas mesmo depois da queda do Muro de
Berlim. Não percebeu que o fracasso da substituição de importações e também do
comunismo tinha a mesma origem, isto é a ausência de incentivos à inovação.
O governo Lula foi o maior herdeiro dessas transformações. O
crescimento foi impulsionado pelos correspondentes ganhos de produtividade e
pela emergência da China como nosso principal parceiro comercial. Havia, ainda,
disponibilidade de mão de obra para incorporar ao processo produtivo. Foi
possível, por tudo isso, ampliar os programas sociais, agora unificados no
Bolsa Família. Mas o êxito dificilmente viria se o presidente não houvesse
abandonado as ideias erradas do PT sobre política econômica.
Isso aconteceu com sua Carta ao Povo Brasileiro (2002). O
objetivo era afastar temores de uma ruptura desastrosa, caso o PT ganhasse as
eleições presidenciais. Lula jurou cumprir contratos e se comprometeu com o
superávit primário do setor público, um dos ícones do que a esquerda via como
neoliberalismo. No governo, manteve as privatizações, ampliou o superávit
primário e reforçou a autonomia operacional do Banco Central. Lula também seria
um neoliberal? Infelizmente, ele abandonou as reformas, o que em grande parte
explica a recente queda da produtividade.
Quem mudou rumos foi a presidente Dilma. Ela por certo
agrada a neobobos com a ação política sobre o Banco Central, a reinstituição do
controle de preços, o protecionismo e outras políticas típicas da era do
intervencionismo excessivo e da substituição de importações. Colhe inflação
alta e PIB baixo.
O artigo de Sader no livro é uma ode à alienação. Numa de
suas pérolas, afirma que a Carta ao Povo Brasileiro contribuiu para a crise
política iniciada em 2005, a do mensalão. A origem do maior escândalo político
da história seriam a continuidade da política econômica e a oposição, “dirigida
por uma mídia privada e refugiada nas denúncias de corrupção contra o governo”.
Neobobismo puro.