Custa crer que a presidente Dilma Rousseff tenha falado
sério quando propôs um “plebiscito popular” – existe outro? – para a convocação
de uma Assembleia Constituinte, sem a participação dos atuais legisladores, com
a incumbência exclusiva de fazer a reforma política. Essa foi a principal
enormidade que apresentou na reunião de emergência da segunda-feira com os 27
governadores e 26 prefeitos de capitais, convocada para a presidente mostrar
serviço à rua. Ela também pediu pactos nacionais para, entre outras coisas,
tipificar a “corrupção dolosa” ─ existe outra? ─ como crime hediondo e pela
responsabilidade fiscal para conter a inflação. Eis um faz de conta: ninguém
contribuiu tanto para desmoralizar esse princípio do que o atual governo com a
“contabilidade criativa” a que recorre para tapar os seus desmandos fiscais.
A ideia da Constituinte exclusiva ─ que teria sido soprada
para a presidente pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o
governador do Ceará, Cid Gomes ─ foi defendida pelo então presidente Lula na
campanha reeleitoral de 2006, para exorcizar o mensalão denunciado no ano
anterior. É um delírio político e jurídico. Chegue como chegar a respectiva
proposta ao Legislativo, são remotas as chances de ser aprovada. É mais fácil
Dilma se transformar da noite para o dia numa chefe de governo afável, pronta a
ouvir e a respeitar os seus subordinados do que os congressistas entregarem de
mão beijada a terceiras pessoas a atribuição, esta sim de sua alçada exclusiva,
de aprovar mudanças na legislação eleitoral e partidária. E, raciocinando por
absurdo, se o fizerem, a lei que vier a ser sancionada pela presidente deverá
ser abatida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Plebiscitos e referendos o Congresso tem a prerrogativa de
convocar ─ desde que os seus propósitos não colidam com a Constituição. O
conceito de Constituinte exclusiva simplesmente inexiste na Carta de 1988. Uma
assembleia do gênero não poderia ter o seu âmbito circunscrito de antemão.
Nomeado por Dilma, o novo ministro do STF, Luís Roberto Barroso, que toma posse
hoje, escreveu em 2010 que “ninguém pode convocar um Poder Constituinte e
estabelecer previamente a (sua) agenda”. De resto, “não há absolutamente nada”
na Constituição que impeça a reforma política. No mínimo, portanto, a Constituinte
dilmista é uma falsa solução para um problema verdadeiro ─ a crônica relutância
dos políticos em mexer nas regras sob as quais fizeram carreira.
O debate sobre o assunto data de 1993. Mas só na legislatura
iniciada 10 anos depois a questão avançou. Uma comissão especial aprovou, com o
endosso do PT, a proposta de seu relator, deputado Ronaldo Caiado, do então
PFL, pelo financiamento público exclusivo das campanhas e o voto em listas
fechadas para deputados e vereadores. A proposta, afinal, não vingou. Hoje, o
que se tem é o projeto do deputado Henrique Fontana, do PT gaúcho. O texto
conserva o financiamento público e o voto em lista, porém “flexível” em vez de
fechada. O que tem de melhor é a extinção das coligações partidárias em
eleições proporcionais, o que permite aos partidos nanicos vender aos maiores o
seu tempo no horário de propaganda em troca de vagas na chapa comum. O ponto é
que a reforma política não é um antídoto contra a corrupção.
Aplica-se, a respeito, o comentário do criminalista Antônio
Cláudio Mariz de Oliveira sobre o segundo desatino da presidente ─ o de querer
enquadrar a corrupção como crime hediondo. “A lei penal não inibe a prática de
qualquer crime, especialmente de corrupção”, observa Mariz. “Acabar com a
corrupção ou reduzi-la depende de mudança ética. Depende da classe política e
da própria sociedade.” O pretendido enquadramento, para ele, é “medida
demagógica, sem nenhum alcance prático”. A verdade, ao fim e ao cabo, é que
seria ingênuo esperar de Dilma que tivesse chamado governadores e prefeitos
para uma conversa objetiva e consequente – em vez de brindá-los com “qualquer
nota”. Pouco antes, Dilma havia recebido os líderes do MPL, que pregam o
transporte gratuito. À saída, uma deles, Mayara Vivian, foi ao nervo do problema.
“A Presidência”, resumiu, “é completamente despreparada.”