Emir Sader: Escribas de aluguel
Somente depois do fim da ditadura passou a surgir no Brasil
o fenômeno de artistas e intelectuais que, até ali, estavam nas filas da
oposição democrática, passando a buscar abrigo nos espaços das elites
conservadoras. A própria forma que assumiu a transição favoreceu essa
conversão.
Seu caráter conciliador entre o velho e o novo, chancelado
pela aliança promíscua no Colégio Eleitoral entre o PMDB e o então PFL, no bojo
do qual os que não ficavam com a candidatura de Paulo Maluf, recebiam o epíteto
de “democratas” ou de “liberais”, como o próprio nome do partido originário da
ditadura mencionava. Antonio Carlos Magalhães, Marco Maciel, José Sarney –
entre outros – embarcaram nessa canoa e foram recebidos de braços abertos pelos
que organizaram a transição conservadora da ditadura à democracia.
O processo de conversão de gente de esquerda para a direita
tem uma longa história. O principal mecanismo para essa transição é a critica
de erros – reais ou supostos – da esquerda, como justificativa para
distanciar-se desta e caminhar – de forma célere ou lenta – para a adesão à
direita. Passar da critica à demonização da URSS foi a forma clássica dessa
transição. Se o projeto que encarnava o socialismo de Marx, Lenin, Trotski,
tinha se degenerado tão brutalmente, haveria que jogar no lixo não apenas
aquela primeira forma de existência de um projeto socialista, mas o socialismo
e seus teóricos e dirigentes.
Faziam essa expurgação e eram acolhidos ou na social
democracia ou – passando às vezes por aí como transição – diretamente para a
direita. A teoria do totalitarismo teve o papel de tentar centrar o debate não
na polarização capitalismo/socialismo, buscando identificar a URSS com o
nazismo, Stalin com Hitler, todos na mesma canoa do totalitarismo.
Claro que não era apenas um processo de reconversão
intelectual. Era um processo de reconversão de classe social. Quem fazia esse
trajeto era acolhido e bem recompensado pela direita – com edição de livros de
denúncia do comunismo ou da esquerda –, com amplas entrevistas na mídia
conservadora, afora outras recompensas materiais.
Nada muito diferente do que acontece no mundo nas ultimas
décadas. Os pretextos podem ser o fim da URSS – confundido com o fim do
socialismo –, críticas levantadas pela direita sobre corrupção em partidos de
esquerda, políticas que não respeitariam o meio ambiente, etc., etc. O objetivo
é encontrar álibis para deixar de ser de esquerda.
As formas que essa conversão assume são, via de regra,
marcadas pelos generosos espaços que a mídia de direita reserva carinhosamente
aos que se dispõem a criticar sistematicamente a esquerda, com a suposta
autoridade de quem foi de esquerda ou diz que foi. Contanto que não dirijam os
fuzis que a direita lhes concede contra a própria direita.
Jornais como O Globo, O Estado de São Paulo, a Folha de São
Paulo, a Veja, entre outros, estão cheios de esquerdistas “arrependidos”, que
poupam seus patrões – que, todos, apoiaram o golpe de 1964 –, para concentrar
seu fogo na esquerda – no PT, nos governos do Lula e da Dilma, na CUT, no MST,
etc., etc.
São escritores e músicos em fim de carreira, que já não
produzem nada que valha a pena há décadas, que vivem do seu passado e do
serviço que prestam à direita. Ganham seu dinheirinho, têm seu espaço numa
imprensa cada vez menos lida, ou na TV como clowns da burguesia.
Escribas de aluguel terminam suas carreiras – que às vezes
tiveram algum brilho no passado – comendo da mão da direita oligárquica,
fazendo ainda pose de artistas ou de intelectuais, odiando o Brasil que se
transforma, se democratiza, apesar de e contra eles.
Lobão: Réplica ao texto do Sr. Emir Sader
Sr. Emir Sader,
Tomo a liberdade de interpretar como diretas as suas
indiretas à minha pessoa pelo singelo fato de ter escolhido o meu rosto para
emoldurar o seu artigo, e mesmo que o senhor não tenha tido a hombridade de
mencionar o meu nome, sinto-me na obrigação de lhe enviar a minha réplica.
Sendo assim, vamos começar por partes:
1) Se existe essa transição de esquerda para a direita, me
parece muito claro que o inverso é absolutamente verificável. O próprio Paulo
Maluf, o José Sarney, o Fernando Collor, o Severino Cavalcanti, o Renan
Calheiros entre tantos outros fazem parte integrante e fundamental da base
aliada do PT. Todos com calorosa acolhida e, por que não dizer, com ardorosa
defesa por parte de nossos grandes pensadores da esquerda (consulte sua colega,
Marilena Chauí e pergunte o que ela acha atualmente do Paulo Maluf. É comovente
perceber o amor, o carinho e admiração que ela nutre por ele nos dias de hoje).
Portanto, sua tese começa a se desmoronar logo no segundo parágrafo do seu
artigo.
2) O processo de conversão ao que o senhor se refere é algo
mais simples e direto. Basta ter o mínimo de bom senso e uma inteligência
mediana para se constatar a canoa furada que é a esquerda e seu lamentável
histórico. É um mimo da sua parte achar que a URSS é o único repositório de
quaisquer críticas tecidas à esquerda. Não, meu nobre companheiro. Não há na
história da humanidade um só caso de que possamos nos jactar de alguma pálida
forma que seja, da esquerda tendo um papel bem sucedido como modelo político.
Todos foram um retumbante fracasso. Na URSS, na China, no Vietnã, Camboja, em
Cuba, agora, na Venezuela, na Europa Oriental, na Albânia, na Coréia do Norte,
Angola e por aí vai… Todos regidos por tiranetes caricatos. E não temos apenas
a disseminação da miséria nesses povos, temos verdadeiros massacres, os maiores
genocídios da história se concentram justamente nas administrações comunistas.
Isso é fato irrefutável, portanto, o Stálin ser comparado a Hitler acaba sendo,
por incrível que pareça, um eufemismo. Não me parece muito consistente o senhor
querer fazer crer a qualquer criatura com mais de dois neurônios que Cuba é uma
democracia plena, onde se respeita os direitos fundamentais do cidadão. Isso é
um fato também. Não há o que discutir, lhe restando apenas o direito um tanto
suspeito de ser um tiete de um regime deplorável. No entanto, o Brasil trava
relações diplomáticas intensas com os irmãos Castro, auxiliando sua administração com polpudas quantias do
NOSSO dinheiro para aquela bela e tão maltratada ilha. E isso na maior cara de
pau!
3) No quinto parágrafo do seu artigo o senhor faz uma alusão
de casos de pessoas que são “recompensadas pela direita”. Mas que direita?
Praticamente TODOS os órgãos estão comprados pelo governo! A maioria esmagadora
dos intelectuais e artistas desse país está se lambuzando toda com gordas
verbas federais e deformando sua funções primordiais para se transformarem em
militantes cínicos (eu mesmo fui laureado com uma polpuda verba pela lei
Rouanet, verba essa que recusei peremptoriamente).
E daí a inversão dos fatos: vocês são os chapas-brancas!
Vocês são os militantes e patrulheiros ideológicos de plantão! Vocês se
locupletam com verbas públicas! Vocês são a força de engenharia social de um
governo corrupto e incompetente e isso é muito feio, pra não entrar muito fundo
na questão. O rebelde aqui sou eu,
companheiro. O espaço que recebo dessa tal mídia de direita a qual você
se refere é cada vez mais exíguo. Só consegui fazer um programa de televisão em
TV aberta e todos aqueles que costumava frequentar por tantos anos me fecharam
suas portas até o presente momento, embora, malgrado todas as tentativas
(inclusive a sua) de detratar e inviabilizar o meu livro, ele continua entre os
mais vendidos por mais de 20 semanas. Sorry…
Quando sai alguma matéria sobre o Manifesto do Nada na Terra
do Nunca é sempre no intuito de denegrir de forma capciosa o seu conteúdo e,
não raro, também a minha pessoa e minha conduta, da mesma forma que o senhor
comete neste artigo.
Estou cansado de ler resenhas e crônicas me esculhambando,
afirmando coisas absurdas como ser eu a favor da ditadura, da tortura, do
regime militar. Eu jamais tomei esse tipo de posição!
Eu simplesmente não acredito em quem pegou em armas nos anos
60 pra “defender a democracia” porque isso não aconteceu! Eles (o senhor estava
nessa também, não?) lutavam por uma outra ditadura! E esse é um cacoete mórbido
que virou tabu investigar e isso é péssimo para todos nós.
Não acredito em pessoas como o senhor, que não passa de um
filósofo de meia tigela, jogando pra sua galera, achando que vai se criar
cagando goma pra cima de mim. Não vai!
Não admito ninguém ficar questionando a validade da minha
qualidade artística, principalmente em se tratando de alguém que nada mais fez
do que mostrar ser um analfabeto musical de amplo espectro. De outra forma não
se arvoraria em tecer tão estúpido comentário em detrimento de uma porca e
covarde estratégia pretendendo me despotencializar por uma suposta e
inexistente decadência musical. Isto é, antes de mais nada, patético para a sua
já tão combalida reputação.
Para concluir, quero deixar bem claro ao senhor e aos seu
leitores uma coisa: se informe mais a respeito de quem está falando, nutra-se
de mais prudência, vai por mim… Tente enxergar o próprio rabo e pare de
projetar a sua mediocridade, sua obtusidade e sua venalidade em outros,
principalmente quando pode ter a infelicidade de se deparar com pessoas assim
como… eu.
Portanto, um dever de casa para o companheiro Emir Sader:
escreva cem vezes no seu caderninho: “Escriba de aluguel é o caralho.”