Não esteve sozinho o ministro Joaquim Barbosa na dor
estampada no rosto quando se deu conta de que o colega Luís Roberto Barroso, no
voto proferido, absolvia José Dirceu do crime de formação de quadrilha e,
assim, o deixava muito mais perto da porta de saída da prisão. A consequência
desastrosa do julgamento atinge em cheio o Judiciário no momento em que
recuperava sua imagem, tão desgastada.
Milhões de brasileiros que acompanharam a decisão final dos
embargos infringentes, ao longo da última semana de fevereiro, sentiram a mesma
indignação de Joaquim Barbosa e, se pudessem exprimir tal contrariedade, talvez
gritassem em coro que está na hora de rever o critério de escolha de ministros
para o Supremo Tribunal Federal (STF). Uma escolha que deixasse o escolhido
livre de ter de pagar o favor da nomeação.
Serão beneficiados pelo amolecimento já sacramentado
exatamente os políticos petistas que escandalizaram o País com sua conduta
criminosa, porque permanecerão menos tempo detrás das grades.
No momento em que o ministro Joaquim Barbosa, referindo-se a
Luís Roberto Barroso, falou em voto político, voto de interesse do Partido dos
Trabalhadores, não disse nenhuma novidade, porque era exatamente essa a
impressão causada por aquela decisão, proferida com certo pedantismo. Apesar do
esforço de Barroso, não conseguiu o ministro propagar a ideia de um voto apenas
jurídico.
O processo do mensalão, já tão velho, teve a incrível
qualidade de demonstrar a existência entre os brasileiros de um sentimento
nacional de justiça que pareceu estar adormecido durante décadas. À medida que
o julgamento avançava, conduzido por Joaquim Barbosa, e indicava ser possível
pôr gente rica na cadeia, esse sentimento de justiça se viu recompensado e
fortalecido. Melhorava a imagem do Judiciário.
Quando já estava para encerrar-se, houve a necessidade de
decidir se seriam recebidos ou não os embargos infringentes propostos por
alguns réus, principalmente os que faziam parte do grupo íntimo do
ex-presidente Lula. O risco desse julgamento estava na possibilidade de reduzir
a pena dos condenados e livrá-los da prisão em regime fechado. Foi o que
aconteceu.
Aparentemente sem remorso, e também sem se mostrar
envergonhado, Celso de Mello foi o ministro que convalidou os embargos
infringentes, admitindo-os, no ano passado. Como resultado, meses depois novos
ministros nomeados pela presidente Dilma Rousseff, disciplinados como
escoteiros, votaram a favor de deixar Dirceu mais próximo da porta de saída.
Imagina-se que entre os petistas tenha havido regozijo e
festa, até mesmo porque a partir do final de 2014 o ministro Ricardo
Lewandowski, que sempre defendeu José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares,
deverá assumir a presidência do Supremo. Com a decisão de procedência dos
embargos infringentes, chegará o momento de exame do regime de progressão das
penas. Enquanto o ministro Joaquim Barbosa se mantiver na presidência do STF, e
na relatoria do processo, as facilidades ocorrerão de conformidade com o que
diz a lei.
Há um cerco muito grande de políticos em torno do ministro
Joaquim Barbosa, decorrente da imagem que construiu no País graças à sua
conduta no Supremo. Os políticos oferecem-lhe apoio para concorrer à
Presidência da República e/ou ao Senado, acenando, enfim, com a possibilidade
de uma nova carreira pública.
Nascido numa região áspera de Minas Gerais, pessoa que
sofreu na infância e na adolescência as agruras de uma vida marcada por
preconceitos e privações, Barbosa acabou construindo com as próprias pernas uma
linda carreira jurídica, cresceu aos olhos de todos e desfruta imagem pública
raramente conseguida por outro brasileiro. Ele demonstra ter consciência desse
respeito e talvez se sinta dividido entre a lealdade que deve à magistratura e
à exortação, quem sabe tentadora, de uma nova carreira na vida pública.
Enquanto estiver como presidente do Supremo, Barbosa sabe
que poderá exigir rigor no cumprimento das condenações. Mas quando passar o
cargo ao colega Lewandowski a realidade poderá ser outra, porque a brandura
desse ministro em relação a alguns dos condenados sugere o risco de ocorrer o
oposto. Sem dúvida alguma os condenados, e seus advogados, estão ansiosos pela
chegada de Lewandowski a presidente.
Diante desse quadro, é de esperar que Joaquim Barbosa se
mantenha no Supremo, onde sua voz será sempre ouvida e poderá influir nas
decisões. Eventual saída para carreira política significaria deixar campo
aberto para excessos de bondade dos ministros tolerantes com os condenados. O
seu mandato na presidência do Supremo expira no fim do ano. Caso se aposente
antes, para assumir nova carreira no malvisto mundo político, o restante do
mandato de dois anos será cumprido pelo mais antigo ministro, ou seja, Celso de
Mello, e somente depois seria a vez de Ricardo Lewandowski, por dois anos.
Este ministro deverá assumir a presidência do Supremo numa
época bastante delicada, quando José Dirceu e a sua turminha estarão lutando
pela progressão das penas, algo que realmente preocupa. O exemplo de desprezo
pela Justiça dado pelos líderes e filiados do Partido dos Trabalhadores -
incluída a clara tentativa de desmoralizar as condenações com dinheiro
arrecadado coletivamente, em tom de deboche, para pagar as multas dos punidos -
deixa evidente a possibilidade de os condenados tentarem voltar, no futuro, a
disputar eleições.
É possível que esse seja mesmo o sonho de cada um deles.
Seria a forma de se vingarem dos que os condenaram e também de tentarem retomar
o projeto de fazer do Brasil uma República socialista, preguiçosa e burra como
Cuba ou, quem sabe, uma Venezuela ainda pior do que a que nos assusta a cada
dia pela desordem, que chega a ser até maior do que a existente no Brasil.