O julgamento do mensalão reforçou os defeitos do Poder
Judiciário. A lentidão para apreciar as ações, a linguagem embolada e oca de
juízes, promotores e advogados, o burocratismo e a leniência quando crimes são
cometidos por poderosos.
O Supremo Tribunal Federal, ao longo da história
republicana, em diversos momentos foi subserviente frente ao Poder Executivo,
ignorou a Constituição e as leis — por mais incrível que isto pareça. Mas
rasgar uma decisão produto de um processo que se estende desde 2007 — quando a
denúncia foi aceita — isto nunca ocorreu. A revisão da condenação por formação
de quadrilha da liderança petista foi o ato mais vergonhoso da história do STF
desde a redemocratização.
Até 2012, o governo federal deu pouca importância à Ação
Penal 470. Mesmo a nomeação dos novos ministros foi feita sem dar muita atenção
a um possível julgamento. Um deles, inclusive, foi indicado simplesmente para
agradar ao então todo poderoso governador Sérgio Cabral.
Afinal, o processo vinha se arrastando desde agosto de 2007.
Muitos esperavam que sequer entraria na pauta do STF e que as possíveis penas
estariam prescritas quando do julgamento. Porém, graças ao árduo trabalho do
ministro Joaquim Barbosa e do Ministério Público, a instrução do processo foi
concluída em 2011.
O presidente Ayres Brito, de acordo com o regimento da
Corte, encaminhou então o processo para o exame do revisor. Esperava-se que
seria questão meramente burocrática, como de hábito. Ledo engano. O ministro
Ricardo Lewandowski segurou o processo com a firmeza de um Gilmar dos Santos
Neves. E só “soltou” o processo — seis meses depois — por determinação expressa
de Ayres Brito.
O calendário do julgamento foi aprovado em junho de 2012.
Registre-se: sem a presença de Lewandowski. Dois meses antes, o ministro Gilmar
Mendes repeliu (e denunciou publicamente) uma tentativa de chantagem do
ex-presidente Lula, que tentou vinculá-lo ao “empresário” Carlinhos Cachoeira.
Em agosto, finalmente, começou o julgamento. Diziam à época
que as brilhantes defesas levariam ao encerramento do processo com a absolvição
dos principais réus. Os advogados mais caros foram aqueles que pior
desempenharam seus papéis. O Midas da advocacia brasileira foi o Pacheco do
julgamento, sequer conseguiu ocupar os 60 minutos regulamentares para defender
seu cliente.
Os inimigos da democracia perderam novamente. Foram
sentenciados 25 réus — inclusive a liderança petista. Desde então, as atenções
ficaram voltadas para tentar — por todos os meios — alterar o resultado do
julgamento. A estratégia incluiu a nomeação de ministros que, seguramente,
votariam pela absolvição do crime de formação de quadrilha.
Mas faltava rasgar a Lei 8.038, que não permitia nenhum tipo
de recurso para uma ação penal originária, como foi o processo do mensalão. E o
PT conseguiu que o plenário — já com uma nova composição — aceitasse os
recursos. A partir daí o resultado era esperado
Derrubada a condenação por formação de quadrilha, o processo
no seu conjunto ficou absolutamente incompreensível. Como explicar — para só
falar dos sentenciados — que 25 pessoas de diversos estados da federação,
exercendo distintas atividades profissionais e de posições sociais díspares,
tenham participado de toda a trama? Foi por mero acaso? Banqueiros, donos de
agências de publicidade, políticos de expressão, ministro, sindicalistas,
funcionários partidários e meros empregados com funções subalternas não formaram
uma quadrilha para através do desvio de dinheiro público comprar uma maioria na
Câmara dos Deputados? E as dezenas de reuniões entre os sentenciados? E as
condenações por peculato, corrupção ativa e passiva? E os crimes de gestão
fraudulenta e evasão de divisas?
Parodiando um ministro do STF, o processo do mensalão não
fecha. Neste caso, é melhor derrubar as condenações (claro que, seguindo a
tradição brasileira, somente dos poderosos, excluindo as funcionárias da
SM&P) e considerar tudo como um mal-entendido.
Deve ser registrado que toda esta sórdida manobra não
encontrou resposta devida do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Nas
últimas sessões estava macambúzio. Pouco falou. E, quando teve a oportunidade
de expor as teses do Ministério Público, deu a impressão que o fez com enfado,
como uma pesada obrigação. A única semelhança com a enérgica atuação do
procurador Roberto Gurgel foi o uso dos óculos.
O PT ganhou no tapetão, para usar uma metáfora ao gosto do
réu oculto do mensalão, o ex-presidente Lula. Para os padrões da Justiça
brasileira, o resultado pode até ser considerado uma vitória. Afinal, mesmo que
por um brevíssimo período, poderosos políticos estão presos. Mas fica um gosto
amargo.
A virada de mesa reforça a sensação de impunidade, estimula
o crime e a violência em toda a sociedade. O pior é que a decisão foi da
instância máxima do Judiciário, aquela que deveria dar o exemplo na aplicação
da justiça.
Mas, se a atual composição do STF não passa de uma correia
de transmissão do Executivo Federal, a coisa vai ficar ainda pior. Os ministros
que incomodam a claque petista — por manterem a independência e julgarem
segundo os autos do processo — estão de saída. Dois deles, nos próximos meses,
devem se aposentar. Aí teremos uma Corte que não vai criar mais nenhum
transtorno aos marginais do poder. Não fará justiça. Mas isto é apenas um
detalhe. O que importa é transformar o STF em um simples puxadinho do Palácio
do Planalto. Afinal, vai ficar tudo dominado.