Volto ao tema do humor porque a questão continua a preocupar
e acho que o que aconteceu com o grupo Porta do Fundos não pode acontecer. O
humor não pode ser considerado “falta de respeito”. Humor não é caso de
polícia.
Quando o vocabulário público toma esse viés, estamos às
portas da censura. Mas quem normalmente gritou contra a censura na ditadura são
os mesmos que agora são os verdadeiros responsáveis por esta infelicidade.
Vemos “ex-guerrilheiros da liberdade” agora pregando a
censura em nome do culto das “vítimas sociais”. Claro que quase toda a moçada
que diz que era guerrilheira da liberdade no tempo da ditadura era de fato tão
autoritária quanto os militares. Mas ninguém pode dizer isso, porque é “feio”.
Este é um “adendo” a ser feito à comissão da verdade.
Mas o problema não foi criado pelos cristãos ou pela polícia
ofendida. Foi criado por toda uma “trupe” que abraçou a causa do politicamente
correto no Brasil. Agora, aguentemos.
Como determinar se
mostrar Jesus batendo papo na cruz com o soldado romano que vai pregar suas
mãos não é “falta de respeito” se aceitamos de partida a ideia de que “falta de
respeito” ou “incitação ao preconceito” podem ser associados ao humor? Como
dizer que um cristão está errado em afirmar que uma piada desta “incita a
população descrente a ridicularizar cristãos”?
Portanto, devemos responsabilizar aqueles que começaram com
essa cultura de censura travestida de “discurso do respeito”.
Liberdade de
expressão implica riscos. E não se responde a liberdade que nos incomoda
pedindo R$ 1 milhão por insulto. Mas o Brasil está virando uma ditadura light e
só não vê quem não quer. Os ignorantes ainda não perceberam que a destruição da
liberdade é muito mais eficaz quando é levada a cabo pela “cultura” e não pelas
armas. Foi isso que os “totalitários do bem” perceberam e estão pondo em
prática.
Mas o próprio sistema legislativo e jurídico brasileiro
(seja por contar com oportunistas de plantão, seja por contar com idealistas
totalitários --não conheço um idealista que não acabe sendo totalitário...)
criou as condições de possibilidade pra eliminarmos a liberdade de expressão no
Brasil.
O politicamente correto é uma cultura descarada do medo e
não uma preocupação com a justiça. O Brasil não tem cultura de liberdade. É
autoritário à esquerda e à direita.
Muita gente que agora está indignada com a tentativa de
alguns cristãos de processar o grupo em questão é, em parte, o tipo de gente
que inventou a cultura da demonização do humor. Que provém do veneno que
criaram.
Podemos esperar mais dos cristãos de fato “praticantes”,
pois eles são organizados, têm grana e filhos aos montes. Não vai parar aí. São
uma cultura combativa que derrubou o império romano.
Em 1992, o cientista político Samuel P. Huntington fez uma
conferencia no American Enterprise Institute, depois ampliada e publicada na
revista “Foreign Affairs” em 1993, com o título “The Clash of Civilizations” (O
Conflito das Civilizações). Algumas semanas atrás, o colega J.P. Coutinho citou
este texto em sua coluna aqui na “Ilustrada”.
Pois bem, a playboizada politicamente correta adora xingar
Huntington dizendo que seu texto é “preconceituoso”. Mas qualquer um que leia
seu texto, guardando a distância devida (1992-1993), perceberá que sim, de lá
pra cá, os conflitos são cada vez mais culturais. E o “clash” não é só entre
grandes sistemas civilizacionais (como é o foco de Huntington), mas entre
culturas locais.
O conflito atual entre russos e ocidentais, na realidade
muito antigo, marca a diferença entre práticas centradas na ideia de etnia
misturada com interesses pragmáticos contra práticas centradas na ideia de
interesses pragmáticos sem opções étnicas.
O autor fala de
países rasgados entre culturas conflitantes. O Brasil hoje é um país rasgado
entre uma cultura liberal, centrada no indivíduo e na valorização da autonomia
e autorresponsabilidade, e uma autoritária, centrada no “coletivo” e no culto
do ressentimento e da dependência.