A comunidade europeia, essa reunião de países cheios de
gente mimada, anda querendo discutir se é certo tratar uma criança quando é
pequena de menino ou menina. O debate, é evidente, é coisa de gente riquinha
que acaba levando a sério delírios da chamada teoria de gênero, essa invenção
de professores desocupados com problemas de identidade sexual.
De fato, desse jeito, parece que a Europa ocidental acabou
mesmo. As escolas europeias, se essa ideia idiota passar, vão virar um antro de
“autoritarismo de gênero”.
Nesse sentido, Putin talvez esteja fazendo um favor aos
europeus, lembrando a eles que existe um mundo de preocupações reais, e não os
debates idiotas sobre se meninos são meninos e meninas são meninas ou se tudo
isso é uma invenção humana como o “croissant”.
Nesse cenário, cabe bem o Obama, que, sendo um presidente
pop das redes sociais, deve ter mandando um WhatsApp para o Putin protestando
contra a anexação da Crimeia pelos russos, coisa que o russos têm todo o
direito de fazer e que a maioria esmagadora da população da Crimeia deseja.
Imagino que Obama, cuja única competência é ser o primeiro
presidente negro dos EUA (uma grande coisa, sem dúvida), deve ter posto na sua
página do “Face” grandes bravatas dizendo que ia fazer isso e aquilo e colocar
o Putin no seu lugar. Na verdade, quem colocou quem aqui no “seu lugar”? O
Putin é que colocou a série toda de líderes ocidentais nos seus lugares, porque
estes, viciados em discutir como a vida é uma “agência de direitos chiques”,
enquanto comem queijos e vinhos, se esqueceram de que a vida é o que acontece
quando você está ocupado delirando com seus sonhos de Branca de Neve.
Putin é um choque de realidade na sociedade fútil em que se
transformou a Europa ocidental, banhada em “direitos” que custam muito caro.
Voltando à discussão sobre o sexo das crianças. Chocante é
como muitos psicólogos, contaminados pela ideia de que construímos sujeitos
socialmente, se deixam levar por essa bobagem do tamanho de um bonde cheio de
bobos. O fato de que existam gays e lésbicas, e que estes tenham, sim, direito
de viver como todo mundo, não implica o direito de teóricos autoritários
começarem a legislar sobre a sexualidade de um monte de crianças “avant la
lettre”.
Imagino que, se essa lei pegar, o número de crianças com
problemas de identidade no futuro da Europa será enorme; mas tudo bem, porque o
Estado de bem-estar social (esse personagem de um conto de fadas) vai garantir
terapia para todo mundo. Levar um debate desses a sério beira as raias da pura
e simples irresponsabilidade moral.
Voltando à Rússia. Desde, no mínimo, o século 19 (vemos
isso, por exemplo, nos debates na imprensa russa, debates esses do qual fez
parte gente de peso como Dostoiévski, Turguêniev e Tolstói), a Rússia se vê
como uma nação que deve cuidar de si mesma para não se transformar no fantasma
de si mesma que virou a Europa, bêbada com o que alguns filósofos e similares
inventaram para combater o tédio.
Um amigo meu, discutindo esse projeto de lei estúpido, fez
uma bela analogia. Sabemos que Francis Bacon, entre outros (o louquinho do
Giordano Bruno também fez essa crítica, mas a usou para seus delírios
metafísicos inócuos), criticou duramente o que se convencionou chamar em
história da filosofia de “baixa escolástica”.
A escolástica foi um tipo de prática filosófica muito comum
na Idade Média, que buscava racionalizar todo o conhecimento a partir de
enunciados lógicos sistemáticos que supostamente esgotariam a totalidade da
realidade, inclusive a metafísica. Grandes figuras desse período, como Tomás de
Aquino, foram escolásticos.
A “baixa escolástica” é a marca da decadência da
escolástica, que por sua vez representou a decadência da Europa medieval e metafísica
pré-científica e burguesa.
Os escolásticos decadentes, para Bacon, discutiam coisas
como “quando um homem puxa um burro, é ele quem puxa ou a corda?”. Ou: “Teriam
os anjos sexo?”.
Estamos quase lá: os
europeus se preparam para discutir se as crianças têm sexo. A Europa precisa
muito de Putin.