A democracia segue sendo defendida como o melhor sistema de
governo, em qualquer circunstância, pela maioria dos brasileiros, mas há
fissuras nesta relação: no momento em que se completa 50 anos do golpe militar
de 1964, os brasileiros veem a situação política daquela época melhor do que
atualmente, e estão um pouco ou muito insatisfeitos com o funcionamento da
democracia, na qual veem alguns problemas, como corrupção e insegurança.
Esses e outros dados fazem parte de pesquisa realizada pelo
Instituto Datafolha com o objetivo de consultar a opinião pública brasileira
sobre seus valores democráticos e a respeito do regime militar que vigorou no
país a partir de abril de 1964. As entrevistas com 2614 brasileiros com 16 anos
ou mais foram feitas entre os dias 19 e 20 de fevereiro de 2014. Os resultados
para o total da amostra tem margem de erro de 2 pontos percentuais, para mais
ou para menos.
A comparação direta entre democracia e ditadura segue
favorável à primeira: 62% dos brasileiros acreditam que a democracia é sempre
melhor que qualquer outra forma de governo, patamar similar ao verificado em
dezembro de 2008 (61%) e, numericamente, o mais alto já atingido na série
histórica do Datafolha sobre o tema.
Os menores foram registrados em fevereiro de 1992 (42%
defendiam a democracia ante outras formas de governo) e em setembro de 1989
(43%). Atualmente, há ainda 16% para quem tanto faz se o governo ou é uma
democracia ou uma ditadura (em 2008, 19%); 14% que defendem que em certas
circunstâncias é melhor uma ditadura do que um regime democrático (eram 11% em
2008); e 8% que não souberam responder.
Maioria prefere governo vigiando vida dos cidadãos
Com o objetivo de consultar a cultura democrática dos
brasileiros, o Datafolha apresentou aos entrevistados uma série de questões com
duas opções de resposta que se confrontavam entre si. Dentre essas questões, a
que mais polarizou as opiniões dos brasileiros se refere à vigilância dos
governos sobre a sociedade.
Para 56%, quanto mais vigiadas pelo governo estiverem as
pessoas, melhor para a sociedade, e 35% acreditam que quanto mais livres da
vigilância do governo estiverem as pessoas, melhor para a sociedade
Em outra questão, a maioria (64%) apontou que os direitos
humanos devem valer para todos, inclusive para criminosos, e 31% indicaram que
os direitos humanos não devem valer para os criminosos.
Um em cada cinco brasileiros (21%) acredita que a tortura
pode ser praticada se for a única forma de obter provas e punir criminosos,
opinião que contrasta com a de outros 73%, para quem a tortura nunca pode ser
praticada, mesmo se for a única forma de se obter provas e punir criminosos.
Também fica em 21% a parcela de brasileiros que preferem que
apenas pessoas alfabetizadas tenham o direito de votar em eleições, ante 77%
que preferem que qualquer pessoa, independente de ser analfabeto, tenha o
direito de votar.
Para 83%, o governo deve ouvir mais os cidadãos para tomar
decisões importantes, enquanto 13% defendem que o governo deve ouvir mais
técnicos e especialistas para tomar decisões importantes. Somam 4% os que não
opinaram.
Também foi avaliado o grau de ação do governo que os
brasileiros admitem em alguns aspectos sociais e institucionais do país.
A intervenção em sindicatos é a que causa mais divisão,
ainda assim com ampla maioria contrária à intervenção governamental: concordam,
totalmente ou em parte, que o governo deve ter o direito de intervir nos
sindicatos 28% da população adulta do país, enquanto 59% discordam, 5% não
concordam nem discordam e 7% não opinaram.
A prisão de suspeitos de crime sem a autorização da Justiça
tem o aval, total ou em parte, de 26%, e 66% discordam que o governo deveria
ter o direito a tal prática. Uma fatia de 8% não opinou sobre o assunto.
Uma fatia de 22% concorda, totalmente ou em parte, que o
governo deveria ter o direito de proibir a existência de algum partido
político, atitude da qual 66% discordam, totalmente ou em parte. Somam 11% os
que não concordam nem discordam.
Com o direito do governo proibir greves também concordam
22%, outros 72% discordam, e 6% não concordam nem discordam ou não souberam
opinar.
O direito do governo fechar o Congresso Nacional tem o aval
de 20%, e a discordância de 69%. Uma fatia de 12% não concorda nem discorda ou
não tem opinião sobre o direito do governo intervir no Congresso.
Concordam que o governo deveria ter o direito de torturar
suspeitos para tentar obter confissões ou informações 14%, e 78% discordam que
o governo deveria ter esse direito. Há ainda uma fatia de 8% que não concorda
nem discorda ou não soube opinar sobre essa questão.
A censura a rádios, jornais e TVs deveria ser um direito do
governo, concordam, totalmente ou em parte, 13% dos brasileiros adultos. A
ampla maioria (80%), porém, discorda dessa posição, e os demais 7% não
concordam nem discordam ou não opinaram a respeito.
Quando se voltam à realidade do regime democrático, os
brasileiros adotam uma postura majoritariamente crítica: 59% estão um pouco
satisfeitos com o funcionamento da democracia no Brasil. Outros 28% estão nada
satisfeitos, e só 9% estão muito satisfeitos.
A baixa ou nenhuma satisfação com a democracia brasileira
encontro respaldo na avaliação feita pela maioria dos brasileiros de que o país
vive uma democracia com grandes problemas (61%) ou uma democracia com pequenos
problemas (21%). Apenas 3% acreditam que o país vive uma democracia plena,
índice menor do que o dos que acreditam que o Brasil não vive uma democracia
(9%).
Para metade (51%) dos brasileiros com 16 anos, há nenhuma
chance de ocorrer uma nova ditadura no país, enquanto 24% avaliam que há um
pouco de chance, e 15%, muita chance. Há ainda 10% que não souberam opinar.
O legado do regime militar ao país encontra uma imagem
difusa entre os brasileiros, passados quase trinta anos da entrega da
Presidência da República de um militar para um civil eleito por voto indireto,
em 1985.
Para 46%, a ditadura militar deixou mais realizações
negativas do que positivas para o Brasil, parcela duas vezes superior à dos avaliam
o contrário, de que a ditadura deixou mais realizações positivas do que
negativas (22%). Uma parte significativa (32%), porém, não soube avaliar o
legado do governo militar para o país.
Corrupção é aspecto mais crítico da democracia na comparação
com ditadura, avaliam brasileiros
A comparação direta entre a situação atual e a do regime
militar traz aspectos favoráveis e desfavoráveis para a democracia que vigora
no país.
Para 39%, por exemplo, a situação política atual é pior do
que a do regime militar. Acreditam que é melhor 33%, e 19% avaliam que é igual.
A comparação que avalia o nível de corrupção é ainda mais
desfavorável à atualidade: para 68%, a situação da corrupção está pior hoje do
que no período da ditadura militar, outros 18% avaliam que a situação está
igual, e só 8% acreditam que está melhor. Não responderam 6%.
Em relação à segurança pública, metade (51%) acredita que a
situação está pior hoje do que na época do regime militar, outros 25% avaliam
que está melhor, 17%, que está igual, e 7% não souberam opinar.
A área da saúde está pior hoje do que antes para 45%, e 33%
avaliam que está melhor. Há ainda 15% que veem a situação da saúde como igual,
e 5% não opinaram.
A preservação do meio ambiente divide opiniões: 38%
acreditam que está pior hoje do que na era dos militares, 33% opinam que está
pior, e 18%, que está igual. Neste caso, 10% não responderam.
Sobre a situação da educação, 47% acreditam que ela é melhor
atualmente do que antes, no período militar, e 32% avaliam que está pior. Para
14%, está igual, e 6% não souberam responder. A situação econômica registra
índices semelhantes: 49% dizem que está melhor, 24%, que está pior, e 18%, que
está igual.
O mesmo acontece com a situação social, vista como melhor
hoje do que no período dos militares por 49%, como pior por 20%, e como igual
por outros 22%;
Em relação aos direitos humanos, 51% opinam que a situação
hoje é melhor, ante 22% que a veem como pior. Para 17%, continua igual, e 10%
não opinaram a respeito.
Com melhor imagem na comparação com o período do regime
militar aparecem a cultura e a liberdade de expressão. A situação da primeira é
vista como melhor hoje do que no regime militar por 57%, e os demais se dividem
entre aqueles que a avaliam como pior (18%), igual (17%) e os que não
responderam (8%).
Dois em cada três brasileiros (67%) avaliam que a liberdade
de expressão é melhor atualmente do que na ditadura militar. Outros 13%
acreditam que está pior, 12%, que está igual, e 8% não responderam.
Apoio a punição de crimes contra governo militar é maior do
que a torturadores do regime
De dezembro de 2008 para cá, passou de 46% para 61% a
parcela da população com 16 anos ou mais que atribui a culpa dos principais
problemas enfrentados pelo Brasil hoje aos governos civis que sucederam os
ditadores brasileiros.
No mesmo período, passou de 24% para 14% a fatia dos que
atribuem a culpa dos principais problemas aos governos militares que
antecederam os civis, e de 25% para 20% a taxa dos que não souberam opinar.
Outra comparação com o levantamento de 2008 mostra que
cresceu de 41% para 46%, em cinco anos, a parcela de brasileiros que defendem
punição para pessoas que torturaram presos políticos durante a ditadura militar
no país. A participação dos que são contrários a tal medida seguiu direção
oposta e caiu de 45% para 41%. Há ainda 5% que são, atualmente, indiferentes a
respeito do assunto.
Na pesquisa mais recente, o Datafolha também consultou os
brasileiros sobre a possibilidade do Judiciário e a polícia reexaminarem casos
de pessoas que praticaram atentados contra o governo durante a ditadura, e a
parcela favorável a uma revisão neste caso é ainda maior: 54% são a favor, 29%
são contra, e 6% são indiferentes.
O pagamento de indenização a presos políticos ou para
famílias de perseguidos e assassinados pela ditadura militar brasileira também
é apoiado pela maioria: 52% concordam totalmente com o pagamento das
indenizações, e 22% concordam em parte. Discordam totalmente dessa medida 9%, e
5% discordam em parte. Há ainda 5% que não concordam nem discordam.