Raras vezes houve vitória eleitoral tão pouco festejada. Nem
mesmo o partido da vencedora, tonitruante e dado a autocelebrações, vibrou o
suficiente para despertar o País da letargia. Os mais espertos talvez tenham
percebido que seus quadros minguaram, com graves perdas de entusiasmo e adesão
na juventude e certo rancor em setores do empresariado mais moderno.
A reeleita possivelmente saboreie o êxito com certo amargor.
É indiscutível a legalidade da vitória, mas discutível sua legitimidade. O que
foi dito durante a campanha eleitoral não se compaginava com a realidade. Só
mesmo seu ministro da Fazenda, que coabita com o novo ministro designado, pôde
dizer de cara lavada que a economia saíra da estagnação e os males que a
assolam vêm da crise mundial.
Recentemente, fazendo coro a essa euforia de encomenda,
diante de dados que mostram um "crescimento" de 0,1% do PIB no
trimestre passado, houve a repetição da bobagem: finalmente a economia teria
saído da "recessão técnica", de dois ou mais trimestres seguidos.
Palavras, palavras, palavras, que não enganam sequer os que as estão
pronunciando.
Na formação do novo Gabinete a presidenta começou a atuar
(escrevo antes que a tarefa esteja completa) no sentido de desdizer o que
pregara na campanha. Buscou um tripé "de direita" para o comando da
economia. Na verdade, o adjetivo é despiciendo: a calamidade das contas
públicas levou-a a escolher quem se imagina possa repô-las em ordem, pois sem
isso não existe direita nem esquerda, mas o caos. Menos justificável, senão
pela angústia dos apoios perdidos, é a composição anunciada do resto do
Ministério, de cunho mais conservador/clientelístico. Esperemos.
A presidenta, com essa reviravolta, deve sentir certa
constrangedora falta de legitimidade. Foi a partir da ação dela na Casa Civil,
e daí por diante, que se implantou a "nova matriz econômica": mais
gastança governamental e mais crédito público, à custa do Tesouro. Foi isso que
não deu certo, e serviu de alavanca para outros equívocos que levaram o governo
do PT a perder a confiança de metade do País. Sem falar da quebra moral.
Metade, sim, mas que metade? É só ver os dados eleitorais
com maior minúcia, município por município: a oposição ganhou, em geral, nas
áreas mais dinâmicas do País, inclusive nas capitais onde há sociedade civil
mais ativa, maior escolaridade, capacidade empreendedora mais autônoma e menos
amarras aos governos. O lulopetismo, nascido no coração da classe trabalhadora
do ABC, recuou para as áreas do País onde a ação do governo supre a ausência de
uma sociedade civil ativa e de setores produtivos mais independentes de
decisões governamentais.
É falaciosa a afirmação de que houve vitória da oposição em
áreas geográficas tomadas isoladamente: Sudeste rico em contraposição ao
Nordeste pobre, idem quanto ao Sul ou quanto o Centro-Oeste em relação ao
Norte. Ou de ricos contra pobres, à moda lulista. Por certo, como há maior
concentração da pobreza nas áreas mais dependentes do assistencialismo
governamental, houve, de fato, uma distinção na qual as faixas de renda pesam.
Mas os 7 milhões de dianteira que Aécio levou sobre Dilma em São Paulo terão
sido "dos ricos"? Absurdo. Nas áreas menos dependentes do governo,
ricos e pobres tenderam a votar contra o lulopetismo e nas demais, a favor de
Dilma, ou melhor, do governo. A votação na oposição no Acre, em Rondônia, em
Roraima ou nas capitais do Norte e Nordeste se explica melhor pelo dinamismo do
agronegócio e pelos serviços que ele gera e, no caso das capitais, pela maior
autonomia de decisão das pessoas.
Esse o xis da questão. Eleito com apoio dos mais dependentes
(não só dos mais pobres, mas também dos dependentes da "máquina
pública" e das empresas a ela associadas), o "novo" governo
precisa fazer uma política econômica que atenda aos setores mais dinâmicos do
País. Vem daí certa tristeza na vitória: a tarefa a ser cumprida seria mais bem
realizada com a esperança, o ânimo e o compromisso de campanha dos que não
venceram. Cabe agora aos vitoriosos vestir a camisa de seus opositores (como
Lula já fez em 2003), continuar nos maldizendo e fazendo mal feito o que nós
faríamos de corpo e alma, portanto, melhor. Atenção: a economia não é tudo.
Menos ainda um ajuste fiscal. O êxito de uma política econômica depende, como é
óbvio, da política. Economia é política. Política exige convicção, capacidade
de se comunicar, mensagem e desempenho. No Plano Real coube-me ser o arauto,
falar com a sociedade, ir ao Congresso, convencer o próprio governo. O
presidente Itamar Franco teve a sabedoria de indicar, para me suceder, o
embaixador Ricupero, que fez o mesmo papel. E agora, quem desempenhará a função
de governar numa democracia, isto é, obter o apoio, o consentimento, a adesão
dos demais atores políticos? Do Congresso, das empresas, dos sindicatos, das
igrejas, da mídia, numa palavra, da sociedade.
A presidenta Dilma, mulher sincera, ciosa de suas opiniões,
terá condições para se transmutar em andorinha da mensagem execrada por ela e
sua grei? A nova equipe econômica terá esse perfil ou se isolará no tecnicismo?
O "petrolão" será uma ventania ou um tufão a derrubar as muralhas do
governo e da "base aliada"? E a oposição, ela se oporá de verdade ou
embarcará no tecnicismo e na boa vontade à espera que o "mercado",
sobretudo o financeiro, se acalme e tudo volte à moda antiga? O mesmo se diga
de cada setor da sociedade.
É mais fácil rearranjar a economia do que acertar a
política. Que fazer com essa quantidade de partidos e ministérios, interligados
mais por interesses, muitos dos quais escusos? Sem liderança, nada a fazer. Com
miopia eleitoreira, menos ainda. Tomara não sejam os juízes os únicos a purgar
nossos males, como ocorreu na Itália, até porque no exemplo citado o resultado
posterior, a eleição de um demagogo como Berlusconi, não foi promissor.