Quando a nação fica sabendo que os muitos escândalos da
Petrobras são apenas alguns dentre muitos outros, nascidos no seio fértil do
governo recém reeleito, a Comissão da Verdade chega, célere, em seu socorro.
Veio a lume, ontem, o relatório final. Sai da pauta a corrupção financeira e
entra na pauta a corrupção da história.
Imagine, leitor, que durante o governo Sarney, fosse
deliberada a criação de uma Comissão da Verdade com o objetivo de examinar e
esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas durante a
ditadura de Getúlio Vargas, “a fim de efetivar o direito à memória e à verdade
histórica e promover a reconciliação nacional”. Foram muitas e graves as
violações. E a nação, decorridos, então, 40 anos da ditadura de Getúlio, se
agitava indormida e irreconciliada ante a tenebrosa lembrança dos abusos
cometidos por Felinto Müller e seus asseclas.
Avancemos, com nossas suposições. Para compor a Comissão e
desenvolver o histórico trabalho, o governo Sarney nomearia sete membros,
escolhidos a dedo entre os remanescentes parceiros mais leais de Carlos
Lacerda. Tudo gente da velha e combativa UDN.
Uma tal comissão, não fosse apenas fruto de imaginação,
concebida para compor o raciocínio que exponho neste texto, seria um disparate,
um destampatório, motivo de gargalhadas, porque existem bibliotecas inteiras,
centenas de trabalhos acadêmicos a respeito da Era Vargas e da ditadura
getulista. Ninguém precisaria então, e não precisa ainda agora, de uma comissão
para descrever o período e, menos ainda, de uma versão oficial dos fatos de
então, narrados por seguidores de seu maior adversário.
Acho que não preciso desenhar para ser entendido. A atual
Comissão Nacional da Verdade era tão necessária quanto seria a CNV sobre Vargas
ao tempo de Sarney. Não é assim que se faz historiografia. Versões oficiais são
próprias de regime totalitários. Nas democracias, abrem-se os arquivos para que
os pesquisadores pesquisem e para que os historiadores escrevam, emitindo suas
opiniões em conformidade com o conhecimento adquirido e à luz dos respectivos
critérios. E já há centenas de trabalhos feitos. A nação custeou uma comissão
que não deveria ser criada, cujo objetivo foi o de transformar comunistas
terroristas, sequestradores, guerrilheiros, assaltantes, homicidas em “heróis
do povo brasileiro”, lutadores por uma democracia que odiavam com o furor
ideológico. Com o mesmo furor ideológico que motivou a luta armada dos
comunistas, no mundo inteiro, naquele período da Guerra Fria, infelizmente
muito quente por estas bandas.
Passado meio século, muitos dos reverenciados pela CNV estão
no poder e persistem nos mesmos afetos ideológicos e na mesma aversão à
democracia representativa. Seu apego aos direitos humanos acabam quando visitam
Cuba ou Caracas, ou quando elogiam a tirania comunista na Coreia do Norte.
Quanto ao mais, tortura é crime odioso, terrorismo é crime odioso, comunismo e
ditaduras são regimes odiosos e a anistia, ampla, geral e irrestrita, foi
pedida pelos que hoje a querem revogar.
O trabalho dessa Comissão é leviano, violador da lei que a criou,
mal intencionado, revanchista. E é o equivalente, em colarinho branco e bem
remunerado, ao popular linchamento.