O GLOBO reconheceu hoje que seu editorial de 1964, apoiando
o “golpe” (ou contragolpe, dependendo do ponto de vista), foi um equívoco
histórico. O jornal reconhece que o contexto era diferente, que à época essa
pareceu a coisa certa a fazer para a equipe, mas que, com o benefício do
retrospecto, mostrou-se um erro ter apoiado os militares. Há controvérsias.
Diz o jornal hoje:
Os homens e as instituições que viveram 1964 são, há muito,
História, e devem ser entendidos nessa perspectiva. O GLOBO não tem dúvidas de
que o apoio a 1964 pareceu aos que dirigiam o jornal e viveram aquele momento a
atitude certa, visando ao bem do país.
À luz da História, contudo, não há por que não reconhecer,
hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram
outras decisões editoriais do período que decorreram desse desacerto original.
A democracia é um valor absoluto. E, quando em risco, ela só pode ser salva por
si mesma.
Será que não há mesmo como reconhecer, hoje, que o apoio foi
um erro? A democracia é um valor quase absoluto, muito valioso, mas ela é um
meio acima de tudo, um instrumento para a liberdade em sociedade. Não diria que
é um fim em si mesma. Regimes com cores democráticas podem levar a tiranias. O
Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores, que levou Hitler ao poder, foi
eleito, assim como Chávez na Venezuela.
A democracia é desejável, como sabiam Popper, Mises e
Churchill, pois é o pior modelo, exceto todos os outros; é um meio pacífico de
eliminar erros, sem derramamento de sangue revolucionário. Mas e quando a
própria democracia coloca no poder grupos que desejam destruí-la de dentro?
Salvador Allende fez isso, assim como Chávez e Kirchner. Era o caso de Jango? É
o caso do PT hoje?
Não são respostas fáceis. O que não podemos fazer, por
pressão das minorias organizadas, é reescrever a história e pintar aqueles
guerrilheiros comunistas como defensores da democracia. Não eram! Quando o
ministro do STF elogia a trajetória de José Genoino, de sua luta pela
“democracia”, isso é uma afronta aos fatos! Essa turma queria implantar no país
uma ditadura nos moldes cubanos. O GLOBO pode até se sentir acuado com tanta
pressão ideológica, mas não podemos ignorar a verdade.
Segue, portanto, um artigo meu que tenta resgatar um pouco
alguns acontecimentos importantes da época. Claro que o leitor pode continuar
condenando os militares e o editorial do GLOBO da época, mas sem dúvida não é
um ponto pacífico, uma conclusão trivial e óbvia. Vejam:
O contexto de 1964
“É sumamente melancólico – porém não irrealista – admitir-se
que no albor dos anos 60 este grande país não tinha senão duas miseráveis
opções: ‘anos de chumbo’ ou ‘rios de sangue’…” (Roberto Campos)
Muitos brasileiros pensam que os membros do PT e da esquerda
radical sempre participaram de uma luta pela democracia no Brasil. Na verdade,
eles queriam uma “democracia popular”, eufemismo para ditadura da nomenklatura,
como foi o caso de todos os países onde os comunistas tiveram sucesso.
Eles lutavam pelo modelo existente até hoje em Cuba, que de
democrático não tem absolutamente nada. Vale a pena voltar um pouco no tempo,
para resgatar os fatos deturpados por esses que posam atualmente de defensores
da democracia e recebem milhões de anistia do governo.
A chamada “crise da legalidade” foi deflagrada com a
renúncia de Jânio Quadros, quando os ministros da Guerra, da Marinha e da
Aeronáutica não aceitaram a posse do vice-presidente João Goulart, herdeiro
político do ditador populista Getúlio Vargas e acusado de ligações com os
comunistas. O país estava em sério risco de viver uma guerra civil.
Diante da estação da Central do Brasil, mais de cem mil
manifestantes gritavam por mudanças, com faixas como “Reconhecimento da China
Popular”, “PCB – Teus Direitos São Sagrados”, “Abaixo com as Companhias
Estrangeiras”, “Trabalhadores Querem Armas para Defender o Seu Governo” e
“Jango – Defenderemos as Reformas a Bala”. A classe média teve uma reação em
cadeia contra essa radicalização estimulada pelo próprio governo.
Leonel Brizola, cunhado de Jango, defendeu a substituição do
Congresso por uma Constituinte repleta de trabalhadores camponeses, sargentos e
oficiais nacionalistas. Goulart assinou um decreto, em 1964, desapropriando
todas as terras num raio de dez quilômetros dos eixos das rodovias e ferrovias
federais para sua reforma agrária, assim como encampou as refinarias de
petróleo privadas, em outro decreto.
Foi anunciado o tabelamento dos aluguéis. O governo estava
em crise, apelando para a intimidação, enquanto a economia afundava. A inflação
fora de 50% em 1962 para 75% no ano seguinte. Os primeiros meses de 1964
projetavam uma taxa anual de 140%, a maior do século. A economia registrava uma
contração na renda per capita pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial.
As greves duplicaram entre 1962 e 1963. O governo irresponsável acumulara um
déficit equivalente a mais de um terço do total das despesas. Jango nomeou o
almirante Paulo Mário da Cunha Rodrigues, próximo ao Partido Comunista.
O Congresso mostrava-se disposto a bloquear os projetos de
reforma. Luiz Carlos Prestes, ligado ao Partido Comunista, chegou a defender a
dissolução do Congresso. Um golpe, de um dos lados, parecia iminente e
inevitável. Tancredo chegou a prever que os passos de Jango levariam a uma luta
armada. O governador pernambucano esquerdista, Miguel Arraes, declarou estar
certo de um golpe, “de lá ou de cá”. Brizola repetia que “se não dermos o
golpe, eles o darão contra nós”.
Jango, na China, discursava sobre o socialismo no Brasil. A
famosa Revolta dos Marinheiros foi como uma gota no copo d’água lotado. Ocorreu
uma quebra de hierarquia militar. O cabo Anselmo liderou a revolta, que
resultou na demissão do ministro da Marinha, almirante Sílvio Mota, por tentar
reprimi-lo.
O contexto internacional da década de 60 era marcado pela
Guerra Fria, e Cuba, no continente americano, tinha sido o primeiro caso de
sucesso dos comunistas. O eixo da luta entre capitalistas e comunistas tinha se
deslocado para a América Central, e os ditadores da União Soviética estavam
investindo pesado no continente, enviando bilhões de dólares e agentes da KGB
para diversos países. Em 1962 ocorreu a crise dos mísseis nucleares, que os
russos instalaram clandestinamente no território cubano. Quase foi deflagrada
uma guerra nuclear pela tentativa de avanço imperialista dos soviéticos
comunistas.
O perigo do comunismo era real para todos os países,
incluindo o Brasil. Diversas nações caíram nas garras comunistas nesse período,
entrando em ditaduras duradouras e caóticas, enquanto outras acabaram partindo
para uma ditadura de direita, tentando travar os avanços comunistas. E era esse
regime, responsável pela morte de cerca de cem milhões de pessoas no mundo
todo, que as “vítimas” da ditadura queriam implantar no Brasil à força. Grandes
defensores da democracia!
Eis o contexto do “golpe” de 1964 pelos militares, que, na
verdade, foi mais um contragolpe. O general Humberto de Alencar Castello Branco
era chefe do Estado-Maior do Exército, e fora um respeitado chefe da seção de
operações da Força Expedicionária Brasileira. Assumiu o comando da nação,
fazendo um governo decente. Preparou as bases que permitiram o “milagre
econômico” posterior. Não vem ao caso analisar os anos da ditadura em si, que
foram péssimos para o país, com a exceção desses primeiros comandados por
Castello Branco, que pretendia inclusive anunciar eleições democráticas
rapidamente.
A ditadura acabou sendo um exemplo do positivismo de Comte,
com bastante interferência do Estado. Geisel, não por acaso o ditador mais
admirado pela esquerda, criou dezenas de estatais. A ditadura não teve nada de
liberal em economia, e a colocam à direita no espectro político apenas por ter
combatido a esquerda radical dos comunistas. Mas nenhuma similaridade pode ser
encontrada entre os militares e uma Margareth Thatcher, por exemplo, que
representa a direita e que possibilitou enormes avanços para a Inglaterra, que
estava caminhando rapidamente rumo ao fracasso com medidas socialistas.
Como o próprio Roberto Campos reconheceu, “o erro dos
militares foi não terem feito a abertura econômica antes da política; o erro
dos civis foi, depois da abertura política, praticarem uma fechadura
econômica”. O Brasil simplesmente não experimentou as graças do liberalismo.
Após a reação dos militares, com forte apoio popular na
época, que culminou no “golpe” de 64, os comunistas intensificaram alguns
ataques. Como os primeiros anos não foram na “linha dura”, os radicais de
esquerda perpetraram ações que incluíram assassinatos e seqüestros, como o do
embaixador americano, o que acabou provocando o agravamento brutal da
repressão, que chegou a partir do Ato Institucional nº 5.
Antes da assinatura do AI-5, já estavam no currículo desses
terroristas o assassinato de pessoas como o Major do Exército da então Alemanha
Ocidental, Edward Von Westernhagen, no primeiro dia de julho de 1968, e do
Capitão do Exército norte-americano Charles Rodney Chandler, em São Paulo, no
dia 12 de outubro de 1968.
Um dos grupos que defendia essa guinada violenta era o
Agrupamento Revolucionário de São Paulo, inspirada em Carlos Marighela, que
havia redigido o “Manual do Guerrilheiro Urbano”. Em 21 de junho de 1968, na
chamada “Sexta-feira Sangrenta”, ocorreu um confronto ininterrupto que
resultaria em centenas de feridos, 23 pessoas baleadas e quatro mortos,
incluindo um soldado da PM atingido por um tijolo.
Tentaram arrombar também as portas da agência do Citibank,
símbolo do “imperialismo ianque”, e jogaram vários coquetéis Molotov na sede do
jornal O Estado de São Paulo. O AI-5 foi assinado apenas em 13 de dezembro de
1968, como resposta aos crimes bárbaros cometidos pelos comunistas. O povo inocente
pagou o preço.
Não obstante esse contexto envolvendo os acontecimentos da
década de 1960, a esquerda que lutava pelo modelo comunista ainda tenta
monopolizar a moral, se colocando como vítima indefesa de autoritários
opressores. Qualquer ditadura merece ser criticada. Mas criticar nossa ditadura
não é o mesmo que inocentar os comunistas, que brigavam por outra ditadura
muito pior.
Roberto Campos concluiu: “Comparados ao carniceiro
profissional do Caribe, os militares brasileiros parecem escoteiros destreinados
apartando um conflito de subúrbio…” O mais revoltante mesmo, é ver esses
defensores de Fidel Castro condenando a nossa ditadura e ganhando rios de
dinheiro, extraídos na marra do povo, somente por terem sofrido num combate
onde representavam o pior lado do ponto de vista moral: o lado comunista.