São Paulo comemorou este mês o 82.º aniversário da Revolução
Constitucionalista de 1932, que muito pouca gente, neste Estado e no resto do
Brasil, sabe o que foi. É impróprio, aliás, usar verbos no passado para tratar
deste assunto, pois a luta de 1932, que começara pelo menos 50 anos antes com o
Movimento Abolicionista, que desaguou na República e se confunde com a história
deste jornal, é exatamente a mesma de hoje.
Gira em torno da seguinte pergunta: onde se quer instalar a
sociedade brasileira emancipada, no campo da civilização ou no da barbárie? No
Estado de Direito, com a lei igual para todos, ou nas variações do caudilhismo
populista, onde fala quem pode e obedece quem tem juízo? Numa meritocracia, em
que só a educação e a dedicação no trabalho legitimam a diferença, ou no
sistema em que a cooptação e a cumplicidade com a corrupção são os únicos
caminhos para o poder e para a afluência?
O Movimento Abolicionista é o primeiro na História do Brasil
a surgir nas ruas, não nos palácios, e a tomar o País inteiro numa avassaladora
mobilização cívica. Nasceu sob inspiração direta da Revolução Americana. Muitos
de seus principais líderes brancos e negros frequentaram as mesmas "lojas
maçônicas" lá, nos Estados Unidos, onde a elite do Iluminismo fugida do
absolutismo monárquico europeu, regime sob o qual viviam o Brasil e o resto do
mundo de então, iniciou o debate que resultaria no desenho das instituições da
democracia moderna.
Tratava-se de uma humanidade escaldada por 2 mil anos
dormindo sob o risco de sua majestade acordar de mau humor e mandar torturá-la
até a morte sem ter de dar explicações a ninguém. Para garantir que nunca mais
fosse assim aqueles conspiradores estabeleceram os princípios fundamentais da
democracia que até hoje não se instalou por aqui: o império incontestável da
lei, inclusive e principalmente sobre os governantes; a vontade popular,
democraticamente aferida, como única fonte de legitimação dessa lei, e o mérito
no trabalho como única fonte de legitimação do poder econômico; a
descentralização do poder para garantir a fiscalização mais direta possível dos
representados sobre os representantes, concentrando nos municípios todas as
decisões e os serviços públicos que pudessem ser prestados no âmbito deles; nos
Estados, apenas as que se referissem aos assuntos que envolvessem mais de um
município; e na União, só as que não pudessem ser resolvidos por essas duas
instâncias, mais as relações internacionais.
Para reduzir ainda mais o espaço para que as tentações do
mando não produzissem os efeitos que sempre produzem no caráter dos homens,
determinou-se que cada uma dessas instâncias de governo fosse dividida em três
Poderes autônomos e independentes entre si, uns encarregados de fiscalizar os
atos dos outros.
Não foi à toa, portanto, que os brasileiros oprimidos que
testemunharam esse verdadeiro milagre se tivessem encantado a ponto de dedicar
sua vida a fazê-lo acontecer também no Brasil.
Foi em nome desses princípios que nasceu a República. E foi
para preservá-los que foram feitas a Revolução de 1930, a Revolução de 1932, a
redemocratização de 1945, o contragolpe de 1964 e a redemocratização de 1985.
Getúlio traiu, como Lula, a bandeira da "ética na
política", que levou os dois ao poder, em 1930 e em 2002. Getúlio, adiando
a convocação de uma Constituinte e nomeando títeres como governadores dos
Estados até que São Paulo se levantasse contra a sua ditadura não declarada, em
1932; Lula, aliando-se a todos os "carcomidos" da política, que se
elegeu atacando, para se perenizar no poder.
Foram 87 dias de uma guerra desigual contra os Exércitos da
União. São Paulo foi derrotado militarmente, mas teve uma vitória moral tão
indiscutível que Getúlio, depois de devolver o governo do Estado a lideranças
paulistas (na pessoa de Armando Salles de Oliveira), sentiu-se constrangido a
convocar finalmente a Constituinte que deu ao Brasil, em 1934, a única
Constituição verdadeiramente democrática que o País teve.
Tão democrática que o caudilho não conseguiu conviver com
ela e "fechou" o País, em 1937, impondo a sua própria lei e
reinstalando a ditadura. Um movimento semelhante ao que o PT repetiu agora com
o Decreto 8.243, que segue vigendo, recorde-se, e determina que nossas leis
passarão a ser feitas não mais exclusivamente por um Congresso legitimado pelo
voto de todos os brasileiros, mas pelos "movimentos sociais" que o
partido escolher.
Um dos primeiros atos da ditadura varguista foi queimar
cerimonialmente as bandeiras dos Estados da Federação. O PT também trata de
centralizar o poder, mas por meio de uma sucessão de medidas provisórias e
outros expedientes sub-reptícios que, passo a passo, vão tirando atribuições e
fontes de arrecadação dos Estados e municípios, de modo a deixá-los totalmente
dependentes da União.
Getúlio fechou o Congresso; o PT subornou o Congresso.
Getúlio instalou um Poder Judiciário teleguiado; o PT criou um Poder Judiciário
colonizado. Getúlio instituiu o regime em que "para os amigos, (o Estado
dava) tudo; para os inimigos, (o Estado aplicava) a lei"; o PT instituiu o
sistema dos vazamentos seletivos para a imprensa dos "podres" de seus
adversários políticos, verdadeiros ou falsos, de par com as suítes especiais
nos presídios para os poucos "amigos" condenados antes da desmontagem
do Poder Judiciário. Getúlio criou a indústria de base e a distribuiu entre os
"amigos" que financiavam o regime; o PT reverteu a economia
democratizada que recebeu na política dos "campeões nacionais" donos
de monopólios financiados com dinheiro público, hoje os maiores contribuintes
de suas campanhas. Getúlio seduziu o povão com a outorga de direitos sem a
contrapartida de deveres; o PT seduziu o povão com os salários sem a
contrapartida do trabalho. Getúlio criou os sindicatos pelegos sustentados pelo
Estado; Lula e o PT são o produto direto deles.
São Paulo resistiu
sozinho a Getúlio; São Paulo vem resistindo quase sozinho ao PT. A luta de
1932, portanto, ainda não acabou. E em outubro próximo haverá mais uma batalha
decisiva.