O mito da seleção Canarinho nos fazia sonhar formosos
sonhos. Mas no futebol, assim como na política, é mau viver sonhando e sempre
preferível se ater à verdade, por mais dolorosa que seja
12 JUL 2014
Fiquei muito envergonhado com a cataclísmica derrota do
Brasil frente à Alemanha na semifinal da Copa do Mundo, mas confesso que não me
surpreendeu tanto. De um tempo para cá, a famosa seleção Canarinho se parecia
cada vez menos com o que havia sido a mítica esquadra brasileira que deslumbrou
a minha juventude, e essa impressão se confirmou para mim em suas primeiras
apresentações neste campeonato mundial, onde a equipe brasileira ofereceu uma
pobre figura, com esforços desesperados para não ser o que foi no passado, mas
para jogar um futebol de fria eficiência, à maneira europeia.
Nada funcionava bem; havia algo forçado, artificial e
antinatural nesse esforço, que se traduzia em um rendimento sem graça de toda a
equipe, incluído o de sua estrela máxima, Neymar. Todos os jogadores pareciam
sob rédeas. O velho estilo – o de um Pelé, Sócrates, Garrincha, Tostão, Zico –
seduzia porque estimulava o brilho e a criatividade de cada um, e disso
resultava que a equipe brasileira, além de fazer gols, brindava um espetáculo
soberbo, no qual o futebol transcendia a si mesmo e se transformava em arte:
coreografia, dança, circo, balé.
Os críticos esportivos despejaram impropérios contra Luiz
Felipe Scolari, o treinador brasileiro, a quem responsabilizaram pela
humilhante derrota, por ter imposto à seleção brasileira uma metodologia de
jogo de conjunto que traía sua rica tradição e a privava do brilhantismo e
iniciativa que antes eram inseparáveis de sua eficácia, transformando seus
jogadores em meras peças de uma estratégia, quase em autômatos.
Não houve nenhum milagre nos anos de Lula, e sim uma miragem
que agora começa a se dissipar
Contudo, eu acredito que a culpa de Scolari não é somente
sua, mas, talvez, uma manifestação no âmbito esportivo de um fenômeno que, já
há algum tempo, representa todo o Brasil: viver uma ficção que é brutalmente
desmentida por uma realidade profunda.
Tudo nasce com o governo de Luis Inácio 'Lula' da Silva
(2003-2010), que, segundo o mito universalmente aceito, deu o impulso decisivo
para o desenvolvimento econômico do Brasil, despertando assim esse gigante
adormecido e posicionando-o na direção das grandes potências. As formidáveis
estatísticas que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística difundia
eram aceitas por toda a parte: de 49 milhões os pobres passaram a ser somente
16 milhões nesse período, e a classe média aumentou de 66 para 113 milhões. Não
é de se estranhar que, com essas credenciais, Dilma Rousseff, companheira e
discípula de Lula, ganhasse as eleições com tanta facilidade. Agora que quer se
reeleger e a verdade sobre a condição da economia brasileira parece assumir o
lugar do mito, muitos a responsabilizam pelo declínio veloz e pedem uma volta ao
lulismo, o governo que semeou, com suas políticas mercantilistas e corruptas,
as sementes da catástrofe.
A verdade é que não houve nenhum milagre naqueles anos, e
sim uma miragem que só agora começa a se esvair, como ocorreu com o futebol
brasileiro. Uma política populista como a que Lula praticou durante seus
governos pôde produzir a ilusão de um progresso social e econômico que nada
mais era do que um fugaz fogo de artifício. O endividamento que financiava os
custosos programas sociais era, com frequência, uma cortina de fumaça para
tráficos delituosos que levaram muitos ministros e altos funcionários daqueles
anos (e dos atuais) à prisão e ao banco dos réus.
As alianças mercantilistas entre Governo e empresas privadas
enriqueceram um bom número de funcionários públicos e empresários, mas criaram
um sistema tão endiabradamente burocrático que incentivava a corrupção e foi
desestimulando o investimento. Por outro lado, o Estado embarcou muitas vezes
em operações faraônicas e irresponsáveis, das quais os gastos empreendidos
tendo como propósito a Copa do Mundo de futebol são um formidável exemplo.
O governo brasileiro disse que não havia dinheiro público
nos 13 bilhões que investiria na Copa do Mundo. Era mentira. O BNDES (Banco
Brasileiro de Desenvolvimento Econômico e Social) financiou quase todas as
empresas que receberam os contratos para obras de infraestrutura e, todas elas,
subsidiavam o Partido dos Trabalhadores, atualmente no poder. (Calcula-se que
para cada dólar doado tenham obtido entre 15 e 30 em contratos).
As obras em si constituíam um caso flagrante de delírio
messiânico e fantástica irresponsabilidade. Dos 12 estádios preparados, só oito
seriam necessários, segundo alertou a própria FIFA, e o planejamento foi tão
tosco que a metade das reformas da infraestrutura urbana e de transportes teve
de ser cancelada ou só será concluída depois do campeonato. Não é de se
estranhar que o protesto popular diante de semelhante esbanjamento, motivado
por razões publicitárias e eleitoreiras, levasse milhares e milhares de brasileiros
às ruas e mexesse com todo o Brasil.
As cifras que os órgãos internacionais, como o Banco
Mundial, dão na atualidade sobre o futuro imediato do país são bastante
alarmantes. Para este ano, calcula-se que a economia crescerá apenas 1,5%, uma
queda de meio ponto em relação aos dois últimos anos, nos quais somente roçou
os 2%. As perspectivas de investimento privado são muito escassas, pela
desconfiança que surgiu ante o que se acreditava ser um modelo original e
resultou ser nada mais do que uma perigosa aliança de populismo com
mercantilismo, e pela teia burocrática e intervencionista que asfixia a
atividade empresarial e propaga as práticas mafiosas.
Apesar de um horizonte tão preocupante, o Estado continua
crescendo de maneira imoderada – já gasta 40% do produto bruto – e multiplica
os impostos ao mesmo tempo que as “correções” do mercado, o que fez com que se
espalhasse a insegurança entre empresários e investidores. Apesar disso,
segundo as pesquisas, Dilma Rousseff ganhará as próximas eleições de outubro, e
continuará governando inspirada nas realizações e logros de Lula.
Se assim é, não só o povo brasileiro estará lavrando a
própria ruína, e mais cedo do que tarde descobrirá que o mito sobre o qual está
fundado o modelo brasileiro é uma ficção tão pouco séria como a da equipe de
futebol que a Alemanha aniquilou. E descobrirá também que é muito mais difícil
reconstruir um país do que destruí-lo. E que, em todos esses anos, primeiro com
Lula e depois com Dilma, viveu uma mentira que seus filhos e seus netos irão
pagar, quando tiverem de começar a reedificar a partir das raízes uma sociedade
que aquelas políticas afundaram ainda mais no subdesenvolvimento. É verdade que
o Brasil tinha sido um gigante que começava a despertar nos anos em que governou
Fernando Henrique Cardoso, que pôs suas finanças em ordem, deu firmeza à sua
moeda e estabeleceu as bases de uma verdadeira democracia e uma genuína
economia de mercado. Mas seus sucessores, em lugar de perseverar e aprofundar
aquelas reformas, as foram desnaturalizando e fazendo o país retornar às velhas
práticas daninhas.
Não só os brasileiros foram vítimas da miragem fabricada por
Lula da Silva, também o restante dos latino-americanos. Por que a política
externa do Brasil em todos esses anos tem sido de cumplicidade e apoio
descarado à política venezuelana do comandante Chávez e de Nicolás Maduro, e de
uma vergonhosa “neutralidade” perante Cuba, negando toda forma de apoio nos
organismos internacionais aos corajosos dissidentes que em ambos os países lutam
por recuperar a democracia e a liberdade. Ao mesmo tempo, os governos
populistas de Evo Morales na Bolívia, do comandante Ortega na Nicarágua e de
Correa no Equador – as mais imperfeitas formas de governos representativos em
toda a América Latina – tiveram no Brasil seu mais ativo protetor.
Por isso, quanto mais cedo cair a máscara desse suposto
gigante no qual Lula transformou o Brasil, melhor para os brasileiros. O mito
da seleção Canarinho nos fazia sonhar belos sonhos. Mas no futebol, como na
política, é ruim viver sonhando, e sempre é preferível – embora seja doloroso –
ater-se à verdade.