*Acadêmico de jornalismo
Por esses dias esteve sob meus olhos a menção a um episódio
que não poderia deixar passar, tamanho o seu caráter emblemático. Era o começo
da malfadada era petista em que ainda vivemos (ardentemente desejando que sejam
seus estertores). Lula chegava ao posto máximo de governo no Brasil, iniciando,
com alguma cautela, uma década de populismos repulsivos, escândalos,
intervencionismo e irresponsabilidade. Nada que não existisse antes na história
tupiniquim, é sabido, mas tudo alçado a categorias extremadas e levando o país
a uma situação-limite (em vias de; sim, ainda pode e deve ficar pior).
O presidente Lula foi recebido pela primeira vez pelo
presidente George Bush, eleito para a Casa Branca pelo Partido Republicano. O
relato está no livro “18 dias”, do estudioso brasileiro de Relações
Internacionais Matias Spektor. A direita americana e o governo empossado
começavam a olhar com mais atenção para o Brasil e havia o receio da formação
de um Eixo do Mal, congregando o PT, a Cuba de Castro e a Venezuela chavista.
Temia-se que as principais lideranças do Foro de São Paulo conduzissem a
América Latina a um rumo desastroso de relativização da propriedade privada e
da liberdade – um rumo antiamericano é claro. Independente de terem se deixado
iludir depois pela aparente “moderação” petista, hoje, tendo a visão direta do
processo, sabemos que a impressão não estava tão equivocada.
Segundo os entrevistados de Spektor, Bush simpatizou com
Lula, apesar das diferenças notórias entre seus partidos, e o entendimento
inicial foi muito bom – ao contrário do que se deu mais à frente, mas isso é
outra história. O que nos interessa é um fato curioso que Spektor afirma ter
acontecido na reunião da equipe diplomática da presidência dos EUA. Bush teria
se virado para o assessor de assuntos latino-americanos, John Maisto, e
indagado:
“E aquela estrela vermelha? Você viu aquilo na lapela dele?”
perguntou o presidente a Maisto.
‘É o emblema do partido’ respondeu o assessor.
“Eu sei que é o emblema do partido!” exclamou Bush. “Mas
agora ele é o presidente do Brasil, não do partido”.
A estrela vermelha na lapela é um detalhe muito pequeno?
Podemos concordar em responder afirmativamente. Mas insignificante? Jamais.
Pouco importa o que achemos de Bush, o questionamento que ele fez é
provavelmente a mais perfeita síntese da confusão original de nossa esquerda
mais canhota – mais especificamente a governista, a que se encampa sob a
legenda do Partido dos Trabalhadores, mas isso se aplica também a todos os
militantes de partidos nanicos que mantém fidelidade “farisaica” aos leninismos
mais embolorados.
Eles não são capazes de distinguir seu partido, seu grupo,
seu “coletivo”, da nação – ou melhor, da sociedade. Não compreendem a
diversidade do povo, não a toleram, não concebem a discussão e a divergência de
opiniões. A sociedade é o partido, a sociedade é a ideologia – e por esse
símbolo de um sonho irrealizável, instrumentalizado pela corrupção e pelos
interesses pessoais das lideranças, mas nutrido sinceramente pelos “idiotas
úteis”, tudo vale. Mais por ele que bela bandeira nacional.
Vê-se isso, por exemplo, em muitas manifestações de rua que
têm transcorrido desde o “fenômeno” de junho. Abundam bandeiras vermelhas e
odes a Che. O pavilhão verde e amarelo, “símbolo augusto da paz” (como diz o
belo hino em sua homenagem), se aparece, é muito timidamente, envergonhado
pelas destrutivas companhias.
Vê-se isso no Estado aparelhado nas diversas instâncias
possíveis, quase que em simbiose com o partido – só não mais por não ter sido
possível. Ainda.
Vê-se isso na divisão do país entre “nós” e “eles”, como
hoje gosta de ressaltar a oposição – porque não é um verdadeiro “patriota”
aquele que não comunga de suas ideias, aquele que não dissolve sua
individualidade em meio à “manada” dos entusiastas. Aquele é tão somente um
inimigo da nação.
Na cultura de ódio e segregação que eles disseminam, em suas
retóricas e exibições burlescas, o povo se encontra artificialmente dividido em
facções, sendo muito fácil cair na tentação de patrulhar e silenciar quem não
se encampa sob a bandeira do “Brasil do PT” ou do “Brasil sem pobreza”, do
“Brasil da Copa das Copas”, quem se atreve ao ato de traição de criticar a
velhacaria reinante.
Bush poderia ter visto apenas uma estrela na lapela. Viu
mais, decerto sem saber; viu um símbolo profético de um futuro cujo peso
sentimos agora. Mais do que tirar a estrela da lapela, hoje é preciso cortar o
elo que a mescla criminosamente com o Estado e, principalmente, com o monopólio
de toda a virtude.