O novo obstáculo para a reeleição de Dilma Rousseff não mora
no Leblon, nem nos Jardins. Tampouco no sertão nordestino ou no Vale do
Jequitinhonha. Não atende pelo nome de elite branca, nem tem cartão Bolsa
Família. Está em boa parte nas regiões metropolitanas e ficou conhecido como
classe C. O mesmo estrato social que ascendeu durante os anos Lula e deu
suporte à candidatura Dilma tem desembarcado do governo em quantidade
suficiente para levar a disputa ao segundo turno. É o que mostra a comparação
entre a rejeição de Dilma em 2010 e em 2014, medida pelo Ibope.
Depois das manifestações de junho de 2013, a rejeição a
Dilma aumentou não apenas nas regiões metropolitanas, mas também nas capitais e
no interior. O sucesso da Copa no Brasil e o início da campanha podem alterar
esse cenário e confirmar uma tendência de aumento de Dilma apontada pelo último
Datafolha. No entanto, considerado o quadro atual descrito pelo Ibope, o maior
desgaste da presidente ocorreu no entorno das capitais das nove principais
regiões metropolitanas.
Em 2010, 23% dos moradores dessas cidades diziam que não
votariam em Dilma "de jeito nenhum". Hoje, são 38%. Considerando-se
apenas os eleitores das 178 cidades metropolitanas, ela passou a ser rejeitada
por pelo menos 2 milhões de pessoas. Se a eleição fosse hoje, em um universo de
13,3 milhões de votos, ela não contaria com 5 milhões. Em 2010, o índice de
rejeição retirava de Dilma 3 milhões de votos.
Não se pode dizer que os eleitores dos entornos das
capitais, em média, pertençam à elite. É gente que, segundo analistas do Ibope,
ganha entre dois e cinco salários mínimos, em geral. Segundo a última pesquisa
do instituto, 42% dos eleitores nesta faixa de renda não votam em Dilma.
A pesquisa Datafolha divulgada na última semana também
registra um percentual não desprezível de 36% de eleitores que não votariam de
jeito nenhum em Dilma entre os que possuem renda familiar de dois a cinco
salários mínimos. No Datafolha, Dilma recuperou quatro pontos percentuais e
lidera a pesquisa com 38% das intenções de voto.
Os números das regiões metropolitanas e da classe C
confirmam a preocupação de um dos principais ministros de Dilma, Gilberto
Carvalho, o primeiro a admitir que as vaias a ela no Itaquerão não eram só
expressão da insatisfação da "elite branca", como disse Lula no calor
da repercussão dos xingamentos. Em entrevista à "Folha de S. Paulo",
Carvalho se disse preocupado com "garçom falando que o PT é o mais
corrupto" e "meninos no metrô puxando o coro do mesmo palavrão usado
no estádio".
O ambulante Aílton Santos, de 47 anos, diz que não
engrossaria o coro. Mas não está satisfeito com o governo Dilma, em quem votou.
- Não é que a situação esteja ruim, mas não melhorou
conforme eu esperava.
Depois de comprar a prestações fogão e TV plana, ele
esperava abrir sua loja e dispensar a barraquinha de óculos em Osasco, na
Grande São Paulo. Votou com entusiasmo em Lula, em 2006 e em Dilma, em 2010. -
Achava que o meu sonho fosse se realizar no governo dela. Mas continuo aqui.
Enquanto o governo gastou com Copa, minha mulher teve que ser operada em outra
cidade, porque aqui falta médico.
POPULAÇÃO QUE ASCENDEU NOS ANOS LULA QUER MAIS MELHORIAS
A elevação do custo de vida e do nível de exigência da
classe C depois da ascensão social dos anos Lula são explicações para o aumento
da rejeição de Dilma no entorno das capitais, segundo analistas ouvidos pelo
GLOBO.
- Parte das classes populares da região metropolitana
percebeu uma desaceleração da melhora na vida, um aumento no endividamento, no
poder de compra da renda. E a expectativa desse grupo era de continuar
ascendendo - afirma o cientista político Fernando Abrúcio, da FGV.
- O raciocínio é simples. Se você achava que ia ter uma
Ferrari, mas no fim te sobra um carro 1.0, você fica descontente. Quanto mais
você tem, mais você quer - acredita.
Nos últimos anos a auxiliar de limpeza Josinete Cassimiro,
de 46 anos, comprou home theater, máquina de lavar e tanquinho graças ao acesso
ao crédito que conseguiu na gestão Lula. Mas ela diz que “o salário não
aumentou tanto quanto as despesas”.
- Esses governos ajudaram muito o pessoal do interior. Mas
agora a Dilma precisava olhar mais para o pessoal das cidades - diz Josinete,
que se ressente de não ter sido capaz de pagar faculdade de Administração para
a filha de 18 anos. A adolescente teve que abandonar o curso e trabalhar para
ajudar no sustento da casa. Josinete afirma que não votará mais em Dilma.
O fenômeno confirma um antigo temor que circulava entre os
dirigentes do PT. Não é surpresa para eles que os eleitores da classe C, que
carregaram Lula e Dilma rampa do Planalto acima, não tenham engrossado a
fileira de militantes do partido e não tenham sentimento de fidelidade em
relação à legenda.
- Até porque a condição de escolaridade e de renda dessas
pessoas melhorou, elas foram ficando mais críticas e mais exigentes do que
estavam em 2006 - afirma Márcia Cavallari, CEO do Ibope Inteligência.
Para Cavallari e Abrúcio, embora seja um dado fundamental
para os rumos da eleição, a rejeição da presidente ainda pode mudar. O primeiro
mês de propaganda eleitoral no rádio e na televisão deverá indicar a capacidade
do governo de reverter esses números. A diminuição depende, sobretudo, do que a
candidatura Dilma poderá oferecer de melhorias no bem-estar para essa nova
classe média.
- Para este eleitor, não importa se o governo até garantiu o
emprego, mas ele não tem dinheiro para pagar a TV a cabo. Repetir conquistas
que já foram obtidas não fará com que ele vote pelo governo - diz Abrúcio.