Toda decisão covarde, quer se expresse por ação ou omissão,
deixa no fundo da alma uma vergonha que, quanto menos reconhecida e confessada,
mais exige rituais histéricos de compensação. Posta vergonhosamente em fuga por
um golpe militar que não disparou um só tiro, a esquerda brasileira exibe até
hoje os sintomas residuais do vexame enterrado, mas jamais completamente
esquecido: daí sua compulsão incurável de exagerar hiperbolicamente os
sofrimentos padecidos e a força ameaçadora do adversário, pintado sempre como
um dragão voraz mesmo quando obviamente não passa de um cãozinho doméstico.
Exemplo típico é o historiador comunista Nelson Werneck
Sodré, do qual escrevi em 2008
(v.http://www.olavodecarvalho.org/semana/080414dc.html) :
“Descrevendo no seu livro A Fúria de Calibã os horrores
apocalípticos da perseguição a intelectuais logo após o golpe de 1964, que ele
não hesita em nivelar ao que sucedeu na Alemanha de Hitler, acaba se traindo ao
relatar que, naquele mesmo período, publicou não sei quantos livros, teve não
sei quantas críticas favoráveis, algumas entusiásticas, foi brindado com alguns
prêmios literários e no fim ainda recebeu uma homenagem no Instituto Brasileiro
de História Militar, em cerimônia realizada na presença... do presidente da
República, marechal Castelo Branco. Jamais um historiador consentiu em
personificar tão escandalosamente um exemplum in contrarium da sua descrição
geral dos fatos.”
Mas, evidentemente, Werneck não foi o único. A repressão foi
tão violenta, tão avassaladora, que o período do governo militar (1964-1985)
acabou sendo, segundo registros da Câmara Brasileira do Livro, o de maior
prosperidade da indústria editorial esquerdista no país.
Paralelamente, jornalistas de esquerda dominavam as redações
dos maiores jornais e eles próprios publicavam semanários “nanicos” nos quais
falavam o diabo da “grande mídia burguesa”.
Intelectuais e artistas de esquerda imperavam também sobre
as universidades e a indústria de espetáculos – tudo isso porque, coitadinhos,
tinham sido banidos de toda atividade pública, como os dissidentes soviéticos
ou cubanos. Nunca no mundo os perseguidos se refugiaram em catacumbas tão altas
e vistosas.
Erik von Kuenhelt-Leddihn já ensinava que ninguém jamais
entenderá a mentalidade esquerdista se não estudar muito bem o mecanismo do
fingimento histérico.
Mas ninguém cairia vítima de uma neurose se dela não
extraísse alguma vantagem secundária, algum lucro que pode ir muito além do
mero reconforto psicológico postiço.
Exagerar o tamanho e a periculosidade do adversário
dissemina entre os militantes um estado de alerta, instila neles um reflexo de
autodefesa grupal que os predispõe a odiar o adversário mesmo e sobretudo
quando nada sabem dele. Que partido revolucionário não precisa disso?
Quando uma compulsão neurótica se soma a um proveito
objetivo, ficar cada vez mais neurótico se torna um modo de vida, uma “forma
mentis” integral que acaba por absorver a personalidade inteira. Que mais pode
desejar um revolucionário do que um uma engenharia cênica na qual fugir da
realidade se transmuta num meio de agir sobre ela com alguma eficácia?
Dessa incongruência nasce uma segunda, também característica
da mente revolucionária, que é o hábito de cantar vitória ao mesmo tempo que se
imagina o adversário cada vez mais forte e indestrutível, principalmente quando
este agoniza e esperneia no ar entre gemidos de impotência.
É assim que, no seu blog da "Carta Maior", o
indefectível dr. Emir Sader, mais conhecido nos círculos reacionários como
Marquês de Sader, explica a adesão dos liberais Eduardo Gianetti da Fonseca e
André Lara Rezende à candidatura Marina Silva como um truque maquiavélico da
direita, prenúncio da restauração conservadora, quando ela é obviamente o
oposto: a autodissolução de um corpo debilitado num corpo mais forte que, ao
absorvê-lo, o extingue.
Duas ou três concessõezinhas oferecidas pela candidata à
economia liberal, que no fundo em nada diferem daquelas feitas pelo primeiro
mandato do sr. Lula, pouco significam em comparação com o fato de que o partido
de Marina pertence ao Foro de São Paulo e, como tal, tem compromissos estratégicos
internacionais que, no presente momento, seus aliados liberais não compreendem
e nem sequer vislumbram, e que com toda a certeza prevalecerão, a longo prazo,
sobre qualquer arranjo oportunista de campanha eleitoral.
Nada mais característico da debilidade direitista no Brasil,
aliás, do que a pseudo-esperteza de aderir ao que não se pode vencer, receita
de Maquiavel que, praticada pelo próprio inventor, só o levou de derrota em
derrota até a completa humilhação final de ter de viver, na velhice, de um
empreguinho chinfrim arrumado, num gesto de caridade, por um de seus velhos
inimigos.
Maquiavel é o guru dos derrotados, sempre um derrotado ele
próprio. Talvez por isso exerça tanta atração sobre quem não tem a mínima
vocação para a vitória nem, por isso mesmo, como diria o sr. Lula, “nenhuma
perspectiva de poder”.
Interpretando a debilidade como sinal de força, o Marquês de
Sader, por seu lado, foge da realidade ao mesmo tempo que age sobre a mente da
sua platéia com realismo exemplar: instigando nos fortes o medo do fraco para
impeli-los a torná-lo mais fraco ainda.
Entre a dialética
revolucionária e as astúcias teatrais do fingidor histérico, a semelhança não é
jamais mera coincidência.