Uma
pesquisa nacional mostra que 79% dos brasileiros não conseguem entender um
manual de instrução para usar aparelhos domésticos
CAMILA GUIMARÃES
A maioria da população brasileira não domina a
linguagem científica necessária para lidar com situações cotidianas, tais como
ler resultados de exames de sangue, calcular se o tanque tem gasolina
suficiente para uma viagem, relacionar e entender o impacto de ações no meio
ambiente ou entender a cobrança da conta de luz.
Essa é a conclusão da primeira pesquisa nacional
que mede o índice de letramento científico (ILC) do brasileiro, feita pelo
Instituto Abramundo, em parceria com o Instituto Paulo Montenegro, do Grupo
IBOPE, e a ONG Ação Educativa.
Quase 65% da população metropolitana entre 14 e 50
anos, com mais de quatro anos de estudos, têm um ILC, no máximo, rudimentar.
Pouco menos de um terço (31%) consegue entender textos com um grau um pouco
maior de dificuldade, como interpretar a tabela de nutrientes em rótulos de
produtos e especificações técnicas de produtos eletroeletrônicos. A maioria
absoluta, 79%, além de não conseguir entender os termos científicos que lê, é
incapaz de aplicar isso em situações cotidianas, como ler um manual de
instrução para usar um aparelho doméstico.
O Brasil que não
sabe ler e fazer ciência
A pesquisa do ILC convidou os entrevistados a resolverem situações do cotidiano. Ele avalia o domínio da linguagem científica, como o conhecimento científico é colocado em prática no cotidiano e como tais conhecimentos pautam a visão de mundo dessas pessoas. |
||
Escala de
proficiência
|
Habilidades
|
% da população
metropolitana de 14 a 50 anos, com 4 anos ou mais de estudo:
|
Nível 1 –
Letramento Não-Científico
|
Consegue
localizar informações explícitas em textos simples (tabelas ou gráficos,
textos curtos) envolvendo temas do cotidiano: consumo de energia em conta de
luz, dosagem em bula de remédio, identificação de riscos imediatos à saúde.
Sem a exigência de domínio de conhecimentos científicos.
|
16%
|
Nível 2 –
Letramento Científico Rudimentar
|
Resolvem
problemas cotidianos que exigem o domínio de linguagem científica básica.
Interpretam e comparam informações apresentadas de diferentes formas
(gráficos, rótulos, textos jornalísticos, textos científicos, legislação).
Compreendem fenômenos naturais e impactos ambientais.
|
48%
|
Nível 3 –
Letramento Científico Básico
|
Elaboram
propostas para resolver problemas em diferentes contextos (doméstico ou
científico), a partir de evidências científicas em manuais de produtos,
infográficos mais elaborados, ou conjunto de tabelas e gráficos com maior
número de variáveis. Os temas abordados incluem a leitura de nutrientes em
rótulos de produtos, especificações técnicas de produtos eletroeletrônicos,
efeitos e riscos de fenômenos atmosféricos e climáticos e a evolução de
população de bactérias.
|
31%
|
Nível 4 –
Letramento Científico Proficiente
|
Elaboram
respostas com argumentos científicos. Para justificar essas respostas, são
capazes de incluir informações extras às apresentadas no problema. Usam uma
linguagem que está relacionada a uma visão científica do mundo. Argumentam,
por exemplo, sobre potência do chuveiro, temperatura global, biodiversidade,
astronomia e genética.
|
5%
|
"Nós já esperávamos um resultado ruim, mas o que veio foi péssimo”,
afirma Ricardo Uzal, presidente do Abramundo. “Nós sabemos o quanto a ausência
do domínio científico impede o exercício da cidadania. Quem tem esse domínio se
coloca de forma diferente diante de problemas do dia a dia, ele sabe
questionar, propor soluções, testar alternativas”. Uzal diz ainda que a
pesquisa mostra que faltam políticas públicas adequadas para melhorar o ensino
de ciências nas escolas. Os resultados da pesquisa da Abramundo evidenciam
ainda a falta de habilidade matemática aplicada no dia a dia. “A matemática
serve como base para todas as outras ciências”, afirma Uzal.
Entre os que fazem ou fizeram curso superior, apenas 11% podem ser
considerados proficientes. Há uma parcela significativa, de 37%, que não passa
do nível rudimentar. Entre os que estudaram até o ensino médio, a situação é
ainda mais crítica: apenas 1% é proficiente e mais da metade (52%), tem domínio
rudimentar.
Na mais prestigiada avaliação internacional de alunos, o PISA, feito
pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ciências
é a disciplina em que os alunos brasileiros estão mais defasados.
Na última prova, de 2013, o Brasil ficou 59º lugar, entre 65 países. Não
houve avanço em relação ao desempenho de 2009. Para os organizadores da
pesquisa do ILC, o resultado mostra a urgência de se criar políticas públicas
de educação, para melhorar a eficiência do ensino da disciplina no ensino
fundamental e médio. Em uma outra prova, o Pisa avaliou a capacidade dos alunos
de resolver problemas de lógica. O Brasil se deu mal novamente, ficou em 38º
lugar, entre 44 países.
Educação sem
ciência
Mesmo entre os que fazem ou fizeram um curso superior, o domínio da linguagem e de conceitos científicos, bem como as habilidades de aplicar isso no dia a dia, é baixo. |
||||
|
Nível 1
|
Nível 2
|
Nível 3
|
Nível 4
|
Ensino
fundamental
|
29%
|
50%
|
20%
|
1%
|
Ensino Médio
|
14%
|
52%
|
29%
|
4%
|
Ensino Superior
|
4%
|
37%
|
48%
|
11%
|
Mesmo entre as pessoas mais proficientes, são poucos os que se sentem à
vontade na hora de realizar pequenas tarefas ou ações que envolvem conhecimento
científico. Combater um pequeno incêndio seguindo as instruções escritas nos
equipamentos contra fogo, por exemplo. 27% da turma mais
proficiente, a do Nível 4, declarou que teria dificuldade ou não seriam capazes
de fazer isso. A mesma proporção apareceu entre os de Nível 3. Ler manuais para
instalar aparelhos domésticos é outro desafio para 18% dos mais proficientes,
20% dos de nível básico e 27% para os de letramento rudimentar.
Pequenos
desafios cotidianos
Mesmo entre os mais proficientes, algumas atividades que envolvem conhecer e aplicar conceitos científicos são complicadas. (Proporção de pessoas que declararam que teriam dificuldades ou não seriam capazes de fazer determinadas atividades, por nível de proficiência) |
||||
|
Nível 1
|
Nível 2
|
Nível 3
|
Nível 4
|
Compreender as
contraindicações de um remédio, lendo a bula
|
37%
|
26%
|
16%
|
11%
|
Conferir a conta
de luz
|
40%
|
28%
|
18%
|
8%
|
Ler manuais de
instalação de aparelhos domésticos
|
39%
|
27%
|
20%
|
18%
|
Combater um
pequeno incêndio seguindo instruções escritas no equipamento contra
fogo
|
45%
|
40%
|
27%
|
27%
|
Consultar dados
sobre saúde e remédios na internet
|
58%
|
41%
|
24%
|
16%
|
Leia abaixo uma questão para cada um dos níveis e confira em qual deles
você se enquadraria (as
respostas estão mais abaixo):
Nível 1
Melco Aspirina 500
Indicações: Dor de
cabeça, dores musculares, dor reumática, , dor de dente, dor de ouvido. Alivia
os sintomas da gripe comum.
Dose oral: 1 a 2
comprimidos de 6 em 6 horas, de preferência após as refeições, durante 7 dias
no máximo.
Precauções: Não use
para gastrite ou úlcera p´ptica. Não use se estiver tomando medicamentos
anticoagulantes, ou se tiver sangramentos frequentes.
Ingredientes: Cada comprimedo contém: 500 mg de ácido acetilsalicílico.
Excipiente: C.B.P 1 comprimido.
Questão: Por quanto
tempo, no máximo, você pode tomar esse remédio?
Nível 2
Leia o texto abaixo:
CHUVA, MENOR ATRITO DOS PNEUS
Ao dirigir na chuva, tenha em mente: os freios param as rodas, mas são os pneus
que param o carro. A mesma advertência vale para o caso de dirigir na lama,
sobre a areia, com óleo na pista ou em outras circunstâncias que alterem as
condições de atrito.
Pneus desgastados, sem estrias, na chuva, aumentam a probabilidade de
perda de aderência e consequente controle do veículo, pois a água não escoará e
o pneu deslizará sobre ela.
Questão: O que faz com que o pneu com estrias aumente a segurança quando a pista
está molhada?
Nível 3
Os gráficos a seguir mostram a evolução de populações de bactérias ao longo do
tempo em duas pessoas infectadas com a mesma bactéria. Nos dois casos, os
doentes tomaram antibióticos.
Questão: Formule hipóteses sobre o que pode ter ocorrido para justificar a
diferença nos gráficos dos dois casos.
Nível 4
A Organização das Nações Unidas (ONU) produz estudos que permitem fazer
projeções sobre a concentração de dióxido de carbono na atmosfera e o aumento
da temperatura global. É com base nesses estudos que foi produzido o gráfico a
seguir:
Questão: Por que o gráfico apresenta dois traçados, um para o "cenário
otimista" e outro para o "cenário pessimista".
Exemplos de respostas corretas
Nível 1
Por, no máximo, 7 dias.
Nível 2
O pneu com estrias facilita o escoamento da
água, diminuindo a perda de atrito, a perda de aderência.
Nível 3
O segundo paciente (caso B) pode ter interrompido o tratamento, quando os
sintomas diminuíram, fazendo voltar assim a infecção. Ou as bactérias
desenvolveram resistência/mutação/evolução. Ou o remédio não matou todas as
bactérias. Não tomou o remédio conforme indicava a bula ou o médico.
Nível 4
Deve mencionar termos que tenham o sentido de “depende”, “probabilidade” ou
“possibilidade” / São duas possibilidades diferentes, conforme o comportamento
humano e da atmosfera / Depende das emissões de carbono. / Não se sabe
exatamente o acontecerá, os gráficos lidam com
probabilidades/projeções/estimativa.