Um leitor recomendou-me comentar o artigo de Leonardo Boff
publicado no JB de 25 de agosto com o título de “O socialismo não foi ao limbo”.
É o que faço aqui.
O artigo de Boff,
resenhado, fica assim:
1) caiu o Muro de Berlim, muro do socialismo existente, que
se reconhece violador de direitos humanos, autoritário, etc; 2) caiu, também, o
muro de Wall Street e se deslegitimaram o neoliberalismo e o capitalismo; 3) o
capitalismo centralizaria uma riqueza imensa em 737 grupos
econômico-financeiros enquanto 85 pessoas acumulariam recursos equivalentes aos
ganhos de 3,5 bilhões de pobres; 4) é necessário recuperar a experiência das
reduções jesuítas e o comunismo da república comunista cristã dos guaranis; 5)
o socialismo é tudo de bom; 6) o capitalismo é tudo de ruim e seus efeitos na
sociedade são terríveis; 7) a única saída é acabar com a propriedade privada e
instituir a propriedade social dos meios de produção, acautelando-se para que
os indivíduos adiram a esse projeto de modo consciente e queiram viver as novas
relações.
***
Quero ater-me, aqui, às acusações que Leonardo Boff faz às
economias livres. É como se do exílio do povo hebreu no Egito às investidas do
Estado Islâmico, raros fossem os males da humanidade não derivados do
neoliberalismo e do capitalismo. Ora, se a história andasse como ele a
descreve, viveríamos sob inimaginável convulsão social, na guerra de todos
contra todos (o armagedon que ele prenuncia), com uma queda de Bastilha por
semana.
Diferentemente do que acontece com os socialismos e com o
comunismo, as liberdades econômicas não tiveram um fundador, não tiveram um
Marx na potência -1 para concebê-las. Ninguém apareceu na humanidade para
excitar, na mente da plebe, legítimos anseios de realização pessoal por meios
próprios. Ninguém preconizou: “Monta tua empresa, cria teu negócio, põe tua
criatividade em ação, persegue teus ideais!”. Tais bens da civilização foram
conquistas dos indivíduos, no mundo dos fatos, na ordem da natureza, e têm sido
o cada vez mais eficiente motor do progresso econômico e social.
O leitor desatento de “O socialismo não foi ao limbo” ficará
com a ilusória impressão de que, se a miséria de tantos é produto ou subproduto
da economia de empresa, os miseráveis da África e da Ásia eram seres humanos
que viviam na abundância, na mesa farta e na prodigalidade dos frutos da
natureza até que o famigerado capitalismo aparecesse para desgraçar suas vidas.
O fato de que nas regiões do mundo onde se perenizam as situações que Boff
descreve não exista uma economia livre, não haja empresas, nem empregos, parece
passar ao largo das considerações do ex-frei. Vale o mesmo para a inoperância,
nessas regiões, do braço do Estado, que o comunismo apresenta como sempre
benevolente.
Cinco realidades vazam para a valeta lateral da pista por
onde ele anda com sua análise dos sistemas econômicos. São fatos esféricos: 1)
a fome era endêmica na Europa até meados do século passado e foi a economia de
mercado que criou, ali, a prosperidade; 2) sempre que os meios de produção
viraram propriedade do Estado a fome grassou mesmo entre os que plantavam; 3)
enquanto as experiências coletivistas conseguiram, como obra máxima, nivelar a
todos na miséria, a China, com o capitalismo mais rude de que se tem notícia,
em poucas décadas, resgatou da pobreza extrema mais de 500 milhões de seres
humanos (Word Bank, China Overview, apr/2014); 4) não é diferente a situação no
Leste da Ásia, inclusive no Vietnã reunificado e comunista, no Camboja do
Khmer-Vermelho, no Laos e na Tailândia; 5) quem viaja pelo Leste Europeu sabe
quanto as coisas melhoraram por lá desde que as economias daqueles países,
infelicitados pelo dogmatismo comunista, se libertaram do tacão soviético.
A história mostra, enfim, que o comunismo é imbatível quando
se trata de gerar escassez, miséria e aviltamento da dignidade humana. Nossa Ibero-América, onde as prescrições
políticas e econômicas do Foro de São Paulo ditam regras para muitos países,
parece nada aprender das constatações acima. Consequentemente, as coisas andam
mal e é preciso botar a culpa em qualquer um que não nos vendedores de ilusões,
nas utopias que se requebram como odaliscas, nos delírios do neocomunismo, nos
corruptos e nos corruptores. Decreta-se, então, para todos os males, a
responsabilidade da economia de empresa, do capitalismo e, sim, claro, dos
Estados Unidos.