O Brasil é mesmo um país sui generis, com particularidades
bem extravagantes. Uma delas deu certo: a jabuticaba. Só prospera por aqui e é
uma delícia. O resto, como não se cansa de dizer por aí, é besteira e fabrica o
nosso atraso. Em nenhum outro país do mundo, liberais empedernidos servem a
governos de esquerda, nominalmente ao menos. Em tese, teríamos essa
particularidade. Todos sabemos que Joaquim Levy, novo ministro da Fazenda,
chegou para, digamos, refazer as pazes entre o governo Dilma e o mercado.
Levy participou nesta terça de um café da manhã com a
imprensa. Deixou claro que é mesmo diferente do esquerdista Guido Mantega, seu
antecessor. Chamou o mandato em curso de Dilma de “segundo tempo”, afirmou que
houve um “empate em zero a zero” no primeiro — não especificou quem era o
adversário — e disse ser chegada a hora de marcar gol. Para quem está à caça de
frases de efeito, declarou com pompa: é a iniciativa privada que toca o país.
Beleza! Tudo no lugar!
Sob Levy, está claro, mudanças importantes serão operadas na
economista, também no quesito despesas. As barbeiragens cometidas no setor
elétrico no primeiro mandato de Dilma tendem a ser corrigidas agora. Cessará o
subsídio ao setor, e o consumidor tenderá a pagar pela energia algo mais
parecido com o que ela custa. É ruim? Para quem paga, é. Mas é necessário. Um
país começa a se danar quando os preços entram em parafuso.
O governo decidiu também dar uma paulada na bagunça do
seguro-desemprego, como se pode ler
posts abaixo. Ninguém ignora que o benefício se transformou numa forma de
captação de recursos públicos, a um custo bilionário. E poderíamos dizer,
então: “Eis aí o liberal Levy! Ele serve a um governo que se diz de esquerda,
mas está fazendo a coisa certa”.
Pois é. Ocorre que o
“liberal” — ou “neoliberal”, como querem alguns — Levy também está preocupado
com a arrecadação, não é? Sim, eu acho isso justo. Aliás, se o Brasil voltar a
crescer, se gastar menos na administração da própria máquina, se desperdiçar
menos dinheiro, se puser fim à corrupção, é certo que arrecadará mais. Ocorre
que o homem anda com outras ideias.
Ele está de olho no bolso dos prestadores de serviço e disse
que vai analisar a situação das “pessoas que têm renda através de pequena
empresa, que pagam 4%, 5% de imposto em vez de 27,5%”. Ou seja: o senhor
Joaquim Levy está empenhado agora em tirar salário — porque é disto que se
trata — de uma fatia da classe média. A classe média, leitores, é aquela gente
que sempre paga a conta no Brasil.
Espera-se que o senhor Joaquim Levy se lembre de que os
ditos “prestadores de serviço”, que atuam como pessoas jurídicas, não gozam de
benefícios que oneram tanto o estado como as empresas com as quais mantêm
contrato. Elevar o imposto pago por esses profissionais vai, sim, lhes roubar
renda, sem que voltem a ter nenhum dos benefícios dos quais abriram mão. Mais:
o governo pode estar dando um tiro no pé, estimulando a informalidade.
Em nenhum país do mundo, um liberal proporia tomar dinheiro
da sociedade — especialmente da camada que impõe maior dinamismo na economia —
em favor de um estado perdulário — todos são; o brasileiro é mais. Com que
discurso Levy vai bater a carteira da classe média? Também ele vai brincar de
luta de classes, a exemplo de seus neocompanheiros do PT?
Aliás, para onde vai um governo que decide ampliar o
“Supersimples” e que, ao mesmo tempo, demonstra a disposição de tungar seus
eventuais beneficiários — o que, convenham, nem o esquerdista Guido Mantega
decidiu fazer?
Que país sui generis! O comunista do Brasil, Flávio Dino,
novo governador do Maranhão, diz que seu Estado precisa de um choque de
capitalismo. E o liberal Joaquim Levy alimenta delírios confiscatórios. Isso
tudo poderia parecer engraçado. Mas isso tudo é só parte do nosso atraso e na
nossa miséria, também intelectual e política. Espero que as oposições não se
deixem encantar pelo dito conservadorismo do sr. Levy e se organizem para
impedir um novo assalto a uma fatia da sociedade que já paga a conta.