Eu sabia que eles assinariam um manifesto. Ingênuo, imaginei
que, desta vez, seria um texto contra o pacote fiscal de Dilma Rousseff
(culpando, bem entendido, o mordomo, que se chama Joaquim).
Contudo, eles desistiram de fingir: o inevitável manifesto,
intitulado “O que está em jogo agora”, é tão oficialista como “A voz do Brasil”
dos velhos tempos. Num lance vulgar de prestidigitação, o texto dos
“intelectuais de esquerda”, assinado por figuras como Marilena Chaui, Celso
Amorim, Emir Sader, Fabio Comparato, Leonardo Boff, Maria da Conceição Tavares
e Samuel Pinheiro Guimarães, apresenta-se como uma defesa da Petrobras — mas,
de fato, é outra coisa.
O ofício intelectual não combina bem com manifestos. Dos
intelectuais, espera-se o pensamento criativo, a crítica do consenso, a
dissonância — não o chavão, a palavra de ordem ou o grito coletivo. Por isso,
eles deveriam produzir manifestos apenas em circunstâncias excepcionais.
Os “intelectuais de esquerda”, porém, cultivam o estranho
hábito de assinar manifestos. Vale tudo: crismar um crítico literário como
inimigo da humanidade, condenar a palavra equivocada no editorial de um jornal,
tomar o partido de algum ditador antiamericano, denunciar a opinião desviante
de um parlamentar. O manifesto sobre a Petrobras é parte da série — mas, num
sentido preciso, distingue-se negativamente dos demais.
A fabricação em série de manifestos é um negócio inscrito na
lógica do marketing. De fato, pouco importa a substância do texto, desde que
ele ganhe suficiente publicidade, promovendo a circulação do nome dos
signatários.
Como os demais, o manifesto da Petrobras é uma iniciativa em
proveito próprio. Mas, nesse caso, o proveito tem dupla face: além do marketing
da marca, busca-se ocultar o fracasso de uma ideologia. Por isso — e só por
isso! — ele merece a crítica de quem não quer contribuir, involuntariamente,
com a operação mercantil dos “intelectuais de esquerda”.
Segundo o manifesto, a Operação Lava-Jato desencadeou uma
campanha da mídia malvada para entregar a Petrobras, junto com nosso petróleo
verde-amarelo, aos ambiciosos imperialistas.
A meta imediata da conspiração dos agentes estrangeiros
infiltrados seria restabelecer o regime de concessão. Sua meta final seria
remeter-nos “uma vez mais a uma condição subalterna e colonial”. A fábula,
dirigida a mentes infantis, esbarra numa dificuldade óbvia: sem o aval do
governo, é impossível alterar o regime de partilha.
A Petrobras não foi derrubada à lona pelo escândalo revelado
por meio da Lava-Jato, que apenas acelerou o nocaute. Os golpes decisivos foram
assestados ao longo de anos, pela política conduzida nos governos lulopetistas,
sob os aplausos extasiados dos “intelectuais de esquerda”.
No desesperador cenário atual, a direção da Petrobras
anuncia uma redução brutal de investimentos na prospecção e extração,
precisamente os setores em que a estatal opera com eficiência. O regime de
partilha obriga a empresa a investir em todos os campos do pré-sal.
A troca pelo regime de concessão será, provavelmente, a
saída adotada pelo governo Dilma. Os “intelectuais de esquerda”, móveis e
utensílios do Planalto, escreveram o manifesto para, preventivamente, atribuir
a mudança de rumo aos “conspiradores da mídia”. Por meio dessa trapaça,
conciliam a fidelidade ao “governo popular” com seus discursos ideológicos
anacrônicos. Ficam com o pirulito e a roupa limpa.
Há uma diferença de escala, de zeros à direita, entre as
perdas decorrentes da corrupção e as geradas pelo neonacionalismo reacionário.
A Petrobras é vítima, antes de tudo, do investimento excessivo movido a dívida,
da diversificação ineficiente e do controle de preços de combustíveis.
Numa vida inteira de falcatruas, Paulo Roberto Costa, o
“Paulinho”, e Renato Duque, o “My Way”, seriam incapazes de causar danos
remotamente comparáveis aos provocados pelos devaneios ideológicos do
lulopetismo — que são os dos signatários do manifesto.
“A História dirá!”: os “intelectuais de esquerda” invocam,
ritualmente, o veredito de um futuro sempre adiável. O manifesto é uma manobra
diversionista. Ele existe para desviar a atenção pública de um singelo, mas
preciso, veredito histórico: a falência da Petrobras é obra de uma visão de
mundo.
Franklin Martins, o verdadeiro autor do manifesto, cometeu
um erro tático ao colocar seu nome entre os signatários. Ao fazê-lo, o
ex-ministro descerra o diáfano véu de independência que cobriria a nudez do
texto. O manifesto não é a “voz da sociedade”, nem mesmo de uma parte dela, mas
a Voz do Brasil.
Nasceu no Instituto Lula, como elemento de uma operação de
limitação dos efeitos da Lava Jato. Enquanto os “intelectuais de esquerda” assinavam
uma folha de papel, Lula reunia-se com representantes do cartel das
empreiteiras e Dilma preparava o “acordo de leniência” destinado a restaurar os
laços de solidariedade entre as empresas e os políticos.
Sem surpresa, no último parágrafo, o manifesto menciona o
ano mágico. A conspiração “antinacional” e “antidemocrática” dos inimigos da
Petrobras almejaria provocar uma “comoção nacional” e, finalmente, a
“repetição” do golpe militar de 1964.
Na Venezuela, que deixou de ser uma democracia, o regime
aprisiona líderes opositores sob acusações fantasiosas de conspiração golpista.
No Brasil, que é uma democracia, acusações similares partem dos “intelectuais
de esquerda”.
Os signatários do manifesto, sempre encantados por regimes
nos quais a divergência política equivale à traição da pátria, sonham com o dia
em que falariam sozinhos, como porta-vozes de um poder incontestável.
O manifesto é uma peça de corrupção intelectual. Ele
contamina a praça do debate público com os resíduos de um discurso farsesco. A
Petrobras é um pretexto. Os “intelectuais de esquerda” enrolam-se no pendão
auriverde para fingir que não estão pelados.