Algo vai mal quando um país que precisa enfrentar seus
problemas chama de ano da Copa um ano de eleições presidenciais. É o que está a
acontecer com o Brasil.
Cinquenta mil brasileiros são assassinados por ano, outros
cinquenta mil morrem no trânsito e outros 515 mil estão presos; a droga
compromete a vida, a capacidade de trabalho e o futuro de centenas de milhares
de nossos jovens; metade da população não tem acesso a água e esgoto; e a
economia se desindustrializa. Quanto ao potencial científico e tecnológico
estamos cada dia mais para trás em relação ao resto do mundo; as avenidas estão
atravancadas; a educação apresenta um retrato vergonhoso e uma brutal
desigualdade; os hospitais públicos estão caóticos; e a natureza está sendo
degradada. No país, temos 13 milhões de adultos que não diferenciam as letras e
outros 40 milhões sem capacidade de leitura; a produção não dispõe de logística
eficiente para sua distribuição; e cinquenta milhões de brasileiros vivem
graças à (felizmente) ajuda do programa Bolsa Família. Apesar disso, em vez de
propostas dos presidenciáveis para 2015, estamos preocupados se os estádios da
Copa ficarão prontos em 2014.
Isto se explica por nossa paixão pelo futebol, mas também
pela descrença com a política, sobretudo porque não há candidatos propondo
programas que empolguem a população. Até aqui, todos são tão iguais no
comportamento e na falta de propostas diferenciadas. Assim, sobra apenas o
grito de Viva a Copa.
Os candidatos ainda não apresentaram propostas para
transformar a viciada economia brasileira de exportadora de bens primários,
inclusive, alguns de indústria mecânica, em produtora de bens de alta
tecnologia; nem mostraram como vão fazer o desenvolvimento ser sustentável
ecologicamente e justo socialmente.
Não há propostas para o cerco em que vivem os brasileiros
por causa da violência urbana provocada por desesperados com suas pobrezas
diante da imensa guerra ao redor, nem para enfrentar a crescente mobilização de
desiludidos, movidos pelas redes sociais, para promoverem atos de bloqueio de
trânsito, queima de veículos e quebra de vidraças.
Nenhum candidato propôs ações para emancipar nossos pobres
da necessidade de ajuda mensal.
Nenhum dos presidenciáveis disse como vai conduzir o Brasil
no rumo da erradicação do analfabetismo e como garantir educação de qualidade
igual para todos. Nem qual será o salário dos professores ao fim de seu
mandato, nem como eles serão selecionados e avaliados.
Nesse quadro de “des-eleição”, o ano de 2014 será o ano da
Copa. No primeiro de janeiro de 2015, poderemos acordar com a sensação de que
tudo continuará no mesmo rumo de um país que cresce se desfazendo.
Por isso, só nos resta desejar um Feliz 2014 para cada um
dos brasileiros e um Feliz 2015 para o Brasil.