A frase que resume os dez anos de reinado do oprimido no
Brasil foi dita pelo deputado João Paulo Cunha (PT-SP), condenado no processo
do mensalão: “Se o Mandela ficou 27 anos preso, eu suportarei também.”
Nelson Mandela tinha acabado de morrer, e já era contrabandeado
pelo herói mensaleiro. Os oprimidos de gravata sugam o que podem, até a memória
alheia. Não se pode esquecer que, em sua propaganda eleitoral, Dilma Rousseff
confiscou a identidade de Norma Bengell, usando uma foto da atriz na passeata
de 1968 em sua apresentação biográfica. No dia seguinte ao brado de João Paulo
Cunha, Dilma estava no Congresso do PT que apoiou os mensaleiros condenados. A
presidente repetiu, com a ajuda de Lula, o já famoso gesto do braço erguido com
o punho cerrado — inaugurado por Dirceu e Genoíno na chegada à prisão. Não se
sabe bem o que significa aquela mão fechada. Há quem diga que é um aviso de que
não vão devolver o que roubaram.
Como pode a presidente da República participar de um comício
em defesa de corruptos condenados e presos? Um comício onde um partido político
censura a mais alta corte da Justiça, com pesados ataques ao seu presidente?
Dilma pode. Assim como o mensaleiro João Paulo pode se comparar a Mandela e, em
seguida, dizer “longe de mim me comparar a Mandela”. Pode também distribuir
centenas de exemplares de uma revista inocentando a si mesmo, e se declarar
ofendido quando a imprensa pergunta quem pagou aquilo. Num país saudável, João
Paulo Cunha viraria piada e Dilma Rousseff teria de prestar esclarecimentos no
Congresso Nacional sobre seu gesto favorável a criminosos. Mas no Brasil a
moral virou geleia.
Tanto que, no embalo do espírito natalino, virou moda entre
a elite culta defender José Genoíno. Vozes intelectualizadas se erguem para
avisar que o ex-presidente do PT, condenado e preso, não ficou rico e vive até
hoje modestamente. Os samaritanos não chegam a dizer que o mensalão não
existiu, mas dizem que a biografia de Genoíno é ótima e ele é cardíaco. Bradam
que é um absurdo estigmatizar como bandido um cara tão legal.
Não é preciso dizer mais nada para explicar o Brasil de
hoje. Um indivíduo condenado como partícipe do maior assalto aos cofres
públicos da história da República encontra, entre vozes supostamente
respeitáveis, uma espécie de anistia informal. Estava no bando mensaleiro, mas
leva uma vida franciscana. Se meteu nesse rolo, mas é gente boa. Note-se que
essas pessoas de bem não chegam ao delírio petista de afirmar que qualquer um
dos mensaleiros seja inocente. Apenas se mostram indignadas com o fato de um
sujeito bacana como Genoíno (condenado por corrupção ativa e formação de
quadrilha) ser tratado como criminoso. Está inaugurada a figura do infrator
bonzinho.
Possivelmente Genoíno não tramaria o valerioduto, exatamente
por sua boa índole. Mas então deveria, em vez de assinar a papelada suja de
Valério, ter se demitido imediatamente da presidência do PT. Não o fez porque
já havia transformado a política em emprego, assim como o exército de
companheiros medíocres que tomaram o Brasil de assalto como meio de vida. E não
largarão o osso em 2014, justamente porque os brasileiros honestos são
indulgentes com o infrator bonzinho.
No mesmo congresso partidário em que Dilma participou do
desagravo aos mensaleiros, Lula deu mais uma aula de princípios. O oráculo
afirmou que a imprensa (sempre ela) exagerou no caso do emprego de José Dirceu.
Um sujeito condenado por desviar uma montanha de dinheiro público consegue, na
prisão, salário de 20 mil reais como gerente de um hotel que tem um “laranja” entre
seus donos. Mais impressionante: esse condenado que não disfarça suas ótimas
relações com o submundo é apoiado em público pelo ex-presidente e sua preposta
que governam o país. E o país, ato contínuo, avisa que vai reeleger o bando em
primeiro turno.
Pensando bem, com um salvo-conduto desses, piratear Nelson
Mandela e Norma Bengell está barato. Jesus Cristo não escapa.
Enquanto isso, na realidade tediosa dos que não têm os
punhos cerrados em direção ao céu, o Brasil bate mais um recorde: maior rombo
nas contas externas em mais de 50 anos. Uma bobagem, puro preconceito contra o
governo popular: os investidores estão fugindo do Brasil só porque o governo
petista mente sobre suas contas, tenta esconder a inflação comprimindo tarifas
e comprometendo empresas como a Petrobras, diz coisas desencontradas sobre
política monetária, abandona a infraestrutura e fatura com a selva tributária,
fazendo o risco Brasil disparar. Tudo inveja da ascensão terceiro-mundista,
diria o saudoso Hugo Chávez.
Agora há uma corrente do PT defendendo apoio formal aos
métodos boçais dos black blocs. Medida desnecessária. Os métodos do partido
destroem com muito mais eficácia.