Brasil teve sete anos para consertar caos dos aeroportos. E
o governo popular passou sete anos humilhando os passageiros
Durante sete anos, as autoridades federais rebateram os
prognósticos de que o Brasil não se prepararia a contento para sediar a Copa do
Mundo. Diante do bordão “imagina na Copa”, que apontava flagrantes de
desorganização, o governo criticava os pessimistas de plantão. Como a Copa
chegou e a bagunça geral não é mais uma questão de pessimismo, os companheiros
já têm outra resposta na ponta da língua: “E daí?”
“As obras que não ficarem prontas para a Copa ficarão
prontas em agosto, em setembro. E daí?”, argumentou o ministro da Secretaria-Geral
da Presidência, Gilberto Carvalho. De fato, não há problema. Até porque, se as
obras não ficarem prontas em setembro (para a eleição), ficarão prontas em
novembro, em dezembro (para o Natal). E daí? O povo pode votar tranquilo em
Dilma, que um dia ela entrega o prometido.
O Brasil teve sete anos para consertar o caos dos aeroportos
e da aviação civil. E o governo popular passou sete anos humilhando os
passageiros — até com falta de banheiro e ar-condicionado — para enfim, às
vésperas da Copa, decidir entregar os aeroportos à iniciativa privada (que
infelizmente não tem varinha de condão). Não pôde fazer isso antes, porque a
Agência Nacional de Aviação Civil estava alugada à quadrilha de Rosemary
Noronha, a protegida de Lula e Dilma. E daí?
São coisas da vida. Numa variação ousada da nova resposta
padrão, Dilma Rousseff peitou os críticos: “Estamos atrasados em relação a
quê?”
Como se vê, não há como responsabilizar o governo popular
por nada. Tudo é relativo. A reforma dos aeroportos está atrasada em relação a
quê? Em relação ao Itaquerão, por exemplo, não há atraso nenhum. O estádio que
Lula mandou o contribuinte dar de presente ao Corinthians e comparsas
associados só será testado, em plena capacidade e com o sistema de comunicação
funcionando, na abertura da Copa. Quem considera isso um absurdo e uma
temeridade está atrasado em relação ao moderno conceito de governo sereno e
despreocupado.
Com isso, Dilma quis dizer também que os atrasos em relação
à Copa são um detalhe, porque as obras não são para um torneio, “são para os
brasileiros”. Enfim, esqueçam a Copa do Mundo. A vida continua. Um dia você vai
entender que valeu a pena esperar Rosemary encher os bolsos para viajar num
aeroporto decente.
E nesse exercício de libertar a todos da ansiedade com a
Copa, Gilberto Carvalho mostrou que os brasileiros devem lamber os beiços com
os presentes que estão ganhando de graça e fora de época: “Eu diria que não há
atraso, há na verdade uma antecipação de obras que as cidades não teriam.” Ou
seja: deixe de ser ingrato e espere sentado pelas coisas que o governo nem ia
lhe dar.
Já que a Copa do Mundo é um pretexto para o governo fazer o
que não ia fazer, poderia ter planejado há sete anos a expansão do metrô nas
maiores capitais. É o tipo de obra crucial que depende de verba federal. Havia
tempo e dinheiro para isso, mas a dinastia Lula-Dilma preferiu enterrar uma
fortuna do BNDES em estádios novinhos (2,5 bilhões de reais só para o Mané
Garrincha e o Itaquerão). E daí?
Não pergunte por que os negócios com o evento esportivo são
mais atraentes. Apenas olhe o prontuário das instituições envolvidas. A Polícia
Federal está investigando a relação entre uma consultoria de planejamento da
Copa, contratada pelo Ministério dos Esportes, e o ex-diretor da Petrobras
Paulo Roberto Costa, sempre ele. Está tudo em casa. É um mundo de oportunidades
subterrâneas, que passou os últimos sete anos exalando seu cheiro pelos
bueiros, sem perturbar o sono dessas almas penadas que agora ficam atrapalhando
o trânsito e gritando que não vai ter Copa.
Pobre Neymar. O astro das únicas jogadas limpas nesse
lodaçal tem que ver o ônibus em que está ser esmurrado por manifestantes
retardatários — ou, como diria Daniel Alves sobre a turma da banana,
retardados. Mas também aí se pode recorrer à ponderação da presidente:
retardados em relação a quê?
O governo popular se especializou em relativização. Até o
déficit público é relativo, dependendo da quantidade de maquiagem utilizada. O
IBGE também já estava preparado para relativizar os dados do desemprego, com a
decisão de suspender a pesquisa nacional contínua. Mas a manobra vazou, a
pesquisa continuou e o aumento do desemprego apareceu. E daí?
Uma cara de pau bem atarraxada vale por mil explicações
desonestas. No julgamento do mensalão, o deputado André Vargas — esse mesmo que
chegou ao olimpo petista turbinado pelo doleiro da Petrobras — tentou proibir a
transmissão ao vivo das sessões no Supremo. A TV atrapalha a relativização das
coisas. E, já que a preparação do país para a Copa foi salva pelas palavras
palacianas, talvez seja melhor substituir logo a transmissão dos jogos por
boletins da Presidência. Aí ninguém nos tira o hexa.