Sou professor concursado. Funcionário público. Tenho
estabilidade e só posso ser exonerado se aprontar algo cataclísmico. Recebo
rigorosamente em dia, sou crivado de benefícios trabalhistas, posso faltar
quando quiser sem ser incomodado e não tenho de apresentar resultados. Ao final
da carreira gloriosa, terei direito a aposentadoria integral.
Sobrevivi à dominação comuno-petista e à coação explícita
das esquerdas terroristas na universidade.
Formei-me em história, o maior reduto “intelequitual” da
corja. Não tive uma mísera aula sobre História Medieval ou uma definição
político-social do Império Romano. Era apenas doutrinação marxista. Qualquer
postura liberal era rechaçada de imediato pela maioria estridente.
De posse do canudo, passei num concurso, para, literalmente,
buscar “endireitar” um pouco o ensino de História, atualmente agonizando nas
mãos dos guevaristas.
Leciono para 6° e 7° anos do Ensino Fundamental numa escola
na periferia paulistana, reduto que se considera acarinhado pelo PT por receber
o assistencialismo comprador de votos do partido. Tenho quórum constante. Meus
alunos não faltam nem sob chuva de enxofre com medo de perder o benefício do
leite ou o bolsa-família. A presença maciça é um ponto positivo, mas seria
melhor se ao menos trouxessem o material escolar (que receberam integralmente
da prefeitura). Anos de permissividade e tolerância à indisciplina os tornaram
imunes aos poucos mecanismos de controle que tenho. Damos o material, mas não
podemos exigir que o levem. Damos o uniforme, mas não podemos impedir que
entrem se estiverem sem ele, e em tempos de funk ostentação, o desfile fashion
se torna inevitável. O Estatuto da Criança e do Adolescente os garante. Não há
fator que posso impedir o Acesso e Permanência.
E isso os alunos aprenderam. Podem não ter aprendido a
decompor frações, a enumerar a herança filosófica grega e a conjugar o futuro
do pretérito, mas aprenderam que, perante a lei, são inimputáveis.
Alunos me xingam e me afrontam porque represento a
autoridade que eles aprenderam nas manifestações recentes a repudiar, vendo a
polícia apanhar nos protestos e ainda ser considerada a culpada por isso.Fui
recentemente ameaçado de ir parar “na vala” por ter erguido minha voz com um
aluno. Não sou “melhor do que ele” para querer impor minha vontade. Palmas para
Paulo Freire!
Não há livros didáticos para os trinta e cinco alunos de
cada sala. Por ser material compartilhado, há nas páginas pichações toscamente
grafadas, com xingamentos e palavras de baixo calão, com crassos erros de
ortografia.
Sou orientado a usar o livro deteriorado, mesmo sendo uma
tranqueira escrita por prosélitos de Fidel. Outros materiais de apoio não podem
passar disso, textos de apoio, comprados com meu dinheiro. A escola não tem
condições de tirar cópias a meu bel-prazer. A verba da escola tem outros
importantes destinos. Não está sujeita aos meus caprichos pedagógicos e
ideológicos.
Há um laboratório de informática excelente. Não posso
reclamar. O professor responsável é formado em geografia. Não tem preparo. Fez
dois cursos na Diretoria Regional de Educação, ministrados por alguém que deve
saber menos que ele e não consegue orientar-nos a como usar o ambiente. Os
alunos usam o laboratório como lan-house. A burocracia para usar o equipamento
para, por exemplo, fazer uma pesquisa em sala sobre os benefícios da Revolução
Industrial é desalentadora. Querem que os alunos fiquem com a opinião do livro.
Foi a Revolução do Capitalismo Perverso e Assassino.
Na sala dos professores a situação é ainda mais inominável.
Num quadro de avisos um aviso de greve “eminente”. Sei que a categoria presta
histórica reverência ao “grevismo”, não obstante, o erro ortográfico, em tal
ambiente, deveria ser imperdoável. Não conhecem a diferença entre “iminente” e “eminente”,
nem o contrassenso crasso que é um funcionário público concursado, prestador de
um serviço essencial, entrar em greve para questionar o salário que aceitara ao
ler o edital, prestar o concurso e tomar posse do cargo.
Recebemos “formação” diária. Oito horas-aula por semana a
mais no holerite. É o momento em que os educadores se reúnem e atualizam-se.
Mostram as fotos da viagem de fim de semana que postaram no “face”, fazem
pedidos nas revistas “Avon” e “Natura” que proliferam-se no meio mais do que
qualquer livro de pedagogia. Entre uma ação pitoresca e outra, motivos de greve
são aventados, afinal, ninguém é de ferro.
O representante do sindicato aparece mais vezes na escola
que o supervisor da Regional. Também cumpre seu “papel” de forma mais efetiva.
Há sempre a possibilidade de um novo levante irromper se um abono, benefício ou
exigência da “categoria” não for acatado.
O Conselho de Escola, como propagam orgulhosamente, é
soberano. Toma as decisões que ditam o rumo das verbas. Definiu a compra de um
telão para a Sala de Leitura. Agora, graças ao Conselho, os alunos entram na
sala, onde há oito mil livros, para assistir comédias de gosto discutível e
animações da Disney. A professora de Sala de Leitura sorri e não esconde que a
situação melhorou muito. Agora ninguém tira os livros do lugar e lhe dá
trabalho extra. Os oito mil livros, adquiridos às expensas dos contribuintes,
estão protegidos da ação dos desavisados que poderiam cometer a temeridade de
querer lê-los. Estão agora onde querem que estejam: adornando prateleiras.
Em flagrante desrespeito aos alunos frequentes, se um
desaparece por seis, sete ou mesmo oito meses inteiros, devo proporcionar a ele
a oportunidade de fazer um (!) trabalho de compensação que apague suas faltas.
O trabalho, me explicam os superiores, não deve ser difícil demais. Apenas uma
documentação para o prontuário que garanta a promoção do aluno para o ano
seguinte, sem ter frequentado este. E lá vou eu, passar de ano, rumo ao Ensino
Médio, um analfabeto que me imprimiu uma página da wikipedia e colocou o
primeiro nome em cima, em garranchos de letra de forma, já que ele não aprendeu
a cursiva e foi promovido mesmo assim.
Chega a reunião pedagógica bimestral e lá vamos nós, receber
um pouco mais de “Paulo-Freirezação”. Tudo de acordo com a cartilha. Nós
fingimos que ensinamos e eles fingem que aprendem.
Mas tudo bem. Temos estabilidade, aposentadoria integral e,
claro, greves bienais que aumentam nossos benefícios regularmente.