Reinaldo Azevedo escreveu na “Veja” um texto sobre o tabaco.
Corrijo. Sobre a autoritária intenção do governo federal de proibir o fumo em
lugares fechados. Como já acontece em São Paulo.
Subscrevo cada linha do meu colega e aproveito para
responder à pergunta de Reinaldo sobre o glorioso mundo que espera o Brasil: é
o mundo da União Europeia, com seus regulamentos absurdos e suas absurdas
intromissões na liberdade individual --a respeito de sal, gorduras, açúcares,
bebidas energéticas, exercício físico, exposição solar e qualquer manifestação
de vida que seja um desvio da cartilha dos fanáticos.
Mas, antes de passarmos a esse mundo, relembremos o básico:
a luta contra o fumo é uma luta médica, não política.
Os médicos podem “desaconselhar” o tabaco. Os cientistas
podem provar os malefícios do fumo para a saúde do fumante (ativo), embora
ainda esteja por provar qualquer relação consequente entre fumo (passivo) e
câncer, por exemplo. Depois, em liberdade, cada um escolhe o modo de vida que
entende com a informação de que dispõe.
Coisa diferente é afirmar que o fumo também pertence ao
mundo do poder político. Não pertence. Se, como escreve Reinaldo Azevedo, os
cigarros não são ilegais, não compete ao governo tratá-los como substâncias
ilícitas. Sobretudo quando esse governo cobra impostos sobre o consumo,
beneficiando os cofres do Estado com um vício que publicamente condena.
A hipocrisia do gesto fura os olhos de qualquer um: sob a
capa da virtude, o governo rejeita os pulmões dos fumantes mas não o dinheiro
deles.
Além disso, e mesmo que as proibições sejam em nome da
saúde, não compete ao governo ser o “babysitter” de ninguém. Tentar aprimorar a
qualidade da raça é coisa de regimes totalitários, não de democracias
pluralistas.
Em democracias pluralistas, os indivíduos têm todo o direito
de arruinar a própria saúde. Fumando. Bebendo. Transando sem camisinha.
Rejeitando o “jogging” e abraçando o “zapping”.
Aliás, não é apenas o direito de cada um dispor da sua saúde
que deve ser respeitado. Existe um direito ainda mais básico que a proibição do
fumo em lugares fechados viola clamorosamente: é o direito à propriedade
privada.
Como escrevi nesta Folha quando a proibição de fumar em
lugares fechados se abateu sobre São Paulo, não compete ao governo indicar ao
proprietário de um bar ou restaurante o tipo de clientela que ele pode, ou não
pode, aceitar no seu espaço.
Essa decisão pertence ao proprietário: é tão legítimo
aceitar fumantes como recusá-los. O mercado e a concorrência, depois, que façam
o seu papel: se eu não desejo frequentar um restaurante para fumantes, posso
perfeitamente escolher jantar no restaurante do lado onde circula o ar puro de
vales e montanhas.
As leis antifumo, que são hoje dominantes em toda a Europa,
fazem parte de um programa mais vasto de “reeducação” dos homens em nome da
Saúde (a única divindade que restou no mundo pós-religioso). E como se procede
a essa “reeducação”?
Claro: criando um estigma sobre fumantes, obesos ou
sedentários. Não admira que a esmagadora maioria dos fumantes brasileiros
lamente a sua própria “fraqueza”. Reinaldo Azevedo fala em 90%. Por razões de
saúde? Admito que sim.
Mas também admito que muitos deles se olhem no espelho e se
vejam como o governo e os novos “engenheiros de almas humanas” os retratam:
seres fracos e repelentes --”vermes”, na carinhosa expressão do velho Adolfo--
que só servem para “contaminar” a sociedade.
Essa “contaminação” não é mais a contaminação tosca dos
delírios nazistas sobre a “praga” judaica. É uma “contaminação” mais subtil,
que pretende espalhar na sociedade uma forma de “apartheid” com a pergunta: “Por
que motivo eu devo pagar com os meus impostos o tratamento médico de gente que
poderia ter cuidado melhor da sua saúde?”
Como é evidente, essa pergunta só faria sentido se fumantes
ou glutões não pagassem também impostos. E, como pagadores de impostos, não
tivessem os mesmos direitos que qualquer contribuinte vegetariano, praticante
de ioga e abstêmio radical.
Os hospitais não existem para tratar gente saudável.
Relembrar o óbvio é o melhor retrato do “fascismo light” em que vivemos.