A certa altura, em uma comemoração entre amigos no Rio de
Janeiro, em maio de 2004, pediram ao americano Larry Rohter que cantasse. O
então correspondente do The New York Times no Brasil levantou-se e entoou – com
voz desafinada, segundo o relato – Apesar de Você, célebre canção de protesto
disfarçado contra a ditadura militar. “Como vai proibir quando o galo insistir
em cantar?”, diz um dos versos. Um dos presentes observou que Chico Buarque,
autor da música, era partidário de Luiz Inácio Lula da Silva. Rohter apreciou a
ironia: na sua interpretação improvisada, a letra voltava-se exatamente contra
o governo Lula, que tentara expulsá-lo do país. O motivo dessa tentativa de
intimidação – talvez o episódio mais vergonhoso das complicadas relações da
administração petista com a imprensa livre – chega a ser trivial: uma
reportagem sobre o notório gosto de Lula pelas bebidas alcoólicas. O caso é
narrado em detalhes por Rohter em “Deu no New York Times” (tradução de Otacílio
Nunes, Daniel Estill, Saulo Adriano e Antonio Machado; Objetiva; 416 páginas;
39,90 reais), que chega nesta semana às livrarias brasileiras e do qual VEJA
antecipa alguns trechos, com exclusividade, ao longo das próximas páginas.
A obra divide-se em cinco seções: Cultura, Sociedade,
Política, Amazônia e Economia/Ciência. Cada uma delas traz as melhores
reportagens do autor sobre o tema, introduzidas por um comentário geral, com
uma visão mais pessoal e opinativa do que era permitido ao repórter em sua
cobertura cotidiana. Aos 58 anos, casado com uma carioca que cursava como ele a
Universidade Georgetown, em 1967, Rohter conhece o país como poucos
brasileiros. Começou a trabalhar para o escritório da Rede Globo em Nova York
no início da década de 70, produzindo segmentos para o Fantástico, e em 1972
veio ao país pela primeira vez, para trabalhar como uma espécie de cicerone de
músicos estrangeiros que se apresentavam no Festival Internacional da Canção
produzido pela emissora. Depois dessa experiência inicial, foram quatro anos no
Brasil como repórter da revista Newsweek e, em seguida, oito anos e meio como
correspondente do Times, função que ele deixou em março. De volta aos Estados
Unidos, Rohter cobriu a campanha presidencial de McCain para o jornal. Seu
livro traz a visão crítica que se espera de um bom observador estrangeiro – as
ilusões ufanistas e os vícios nacionais (a corrupção em particular) estão
rigorosamente documentados. Mas é também uma obra muito generosa com o Brasil.
A própria interpretação de Rohter para a tentativa de expulsá-lo em 2004 é,
afinal, positiva. “O Judiciário agiu de maneira louvável. O pleno funcionamento
das instituições brasileiras foi o grande destaque do episódio”, disse ele, por
telefone, de sua casa em Nova York, a VEJA.
“De modo geral, suas matérias sobre o Brasil eram ricas e
objetivas”, diz o diplomata Roberto Abdenur, ex-embaixador em Washington – cuja
única restrição ao trabalho de Rohter é exatamente aquele sobre o presidente e
a bebida: “A reportagem era distorcida e exagerada. Lula gosta de beber seu
uísque, mas jamais ouvi que isso era problema”. De fato, os hábitos etílicos do
presidente já tinham ampla divulgação em notas e artigos na imprensa nacional,
sem que ninguém levasse isso tão a sério. O relato de Rohter só criou tanta
celeuma porque saiu no Times, um dos maiores jornais americanos e, a despeito
de algumas crises de credibilidade recentes (como a causada em 2003 pelo
repórter Jayson Blair, que publicou matérias inventadas), ainda o mais
influente deles. Junte-se a isso o pensamento provinciano brasileiro de que, se
“deu no New York Times”, pouca coisa não é, e eis que o governo armou um circo
desproporcional ao assunto.
Na interpretação apresentada em Deu no New York Times, o
incidente da tentativa de expulsão vai mais fundo do que apenas ao copo de
uísque presidencial. O governo já estaria irritado com Rohter por causa de
reportagens anteriores – republicadas, com comentários do autor, no livro
recém-lançado. Uma delas, de março de 2004, dizia respeito ao esforço de um
governo de esquerda para manter ocultos os fatos sobre a guerrilha do Araguaia,
na qual membros do PC do B e o Exército se enfrentaram entre 1970 e 1974.
Rohter lembrou uma dolorosa dívida moral do estado brasileiro para com os
camponeses locais, que, pegos no fogo cruzado entre guerrilha e repressão,
foram desalojados, torturados ou mortos pelas Forças Armadas. “Eles eram as
principais vítimas do episódio, mas pareciam ter sido esquecidos por todos os
outros protagonistas: Forças Armadas, governo e até os próprios guerrilheiros”,
escreve o jornalista. Outra reportagem, ainda mais incômoda para o governo,
saíra um mês antes, em fevereiro de 2004. Falava do assassinato do prefeito
petista Celso Daniel, de Santo André, e lembrava as possíveis relações entre o
crime e o esquema de corrupção que unia várias cidades administradas pelo PT,
com a finalidade de arrecadar dinheiro para a campanha presidencial de Lula
naquele ano de 2002. A rigor, como o próprio Rohter observa no livro, a
reportagem não trazia novidades sobre o caso (que, passados quase sete anos,
ainda está para ser esclarecido). Mas o governo brasileiro considerou
constrangedor que esses fatos fossem publicados no Times em um momento em que
Lula buscava credibilidade internacional.
Já tendo acumulado esse histórico de reportagens indigestas
para o petismo, Rohter resolveu xeretar a decantada intimidade de Lula com o
copo – algo que, como se sabe, nunca foi visto como uma qualidade negativa e,
para muitos eleitores, era francamente simpática. Rohter seguia a tradição do
jornalismo americano segundo a qual homens públicos não têm vida privada.
Políticos da situação e da oposição confirmaram que Lula gostava de beber, mas,
à exceção de Leonel Brizola, nenhum quis ser identificado. O jornal publicou a
reportagem em 9 de maio de 2004, um domingo. As reações iniciais caíram dentro
do previsível: afetações de orgulho nacional ferido. Na terça-feira à noite,
porém, o governo extrapolou: com base em uma lei do tempo da ditadura, resolveu
cancelar o visto de Rohter e expulsá-lo do país.
De suas fontes no Planalto, o correspondente soube detalhes
do que teria ocorrido na reunião ministerial que conduziu à malfadada decisão.
O então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que poderia ser uma voz
legalmente sensata no encontro, estava ausente, em compromisso na Suíça.
Prevaleceram as opiniões alopradas de Luiz Gushiken e José Dirceu, que mais
tarde tombariam nos escândalos do mensalão. A julgar pelo relato de Deu no New
York Times, o próprio Lula aloprou: “De acordo com a mesma fonte, quando alguém
objetou que me expulsar era inconstitucional porque minha mulher é brasileira,
Lula replicou batendo na mesa e berrando, exaltado, ‘Que se f*** a
Constituição! Quero que ele vá embora!’”. Rohter permaneceu no país, graças a
um pedido de habeas corpus impetrado pelo então senador Sérgio Cabral e aceito
pelo juiz Francisco Peçanha Martins, do Superior Tribunal de Justiça. O governo
recuou, buscando um acordo com o New York Times – que Márcio Thomaz Bastos
tentou vender como um pedido de desculpas do jornal. “Foi pouco comum termos um
incidente dessa ordem em um país democrático”, diz Susan Chira, editora da
seção Internacional do Times.
Os ataques contra o correspondente não se restringiram aos
esforços oficiais para mandá-lo de volta a Nova York. Uma campanha insidiosa
passou a ser fomentada na internet, talvez a primeira ação concertada de uma
prática que se tornaria corrente no PT dali em diante sempre que se quisesse
destruir a reputação de um “inimigo” da causa. Os agentes petistas fizeram
circular um texto em que Rohter era acusado de ser agente da CIA, de abusar
sexualmente de indiazinhas na Amazônia e de conspirar para derrubar o
venezuelano Hugo Chávez. Ele era acusado também de beber “possivelmente bem
mais que Lula”. Até aqui nada de muito novo para quem já sofreu esse tipo de
ataque. A novidade é quanto Rohter avançou na identificação dos autores da
campanha caluniosa. O texto contra ele vinha assinado por uma professora da
Universidade de Brasília. Procurada por Rohter, ela negou a autoria. O
colunista Ricardo Noblat buscou a fonte de uma cópia recebida desse e-mail e
chegou até um endereço... no Palácio do Planalto. A fantasia paranóica de que a
reportagem atendia aos interesses conservadores do governo Bush esbarra na
orientação política do New York Times, conhecido por sua oposição desinibida
aos republicanos e a Bush. O livro do correspondente americano aponta algumas
afinidades entre Bush e seu colega brasileiro. Diz ele: “Ideologia não é o
único fator a determinar a relação entre presidentes e países. A personalidade
também é importante. No caso de Bush e Lula, ajuda a explicar por que os dois
se dão bem”.
Há bem mais em Deu no New York Times do que o incidente da
quase-expulsão. Nos textos reunidos no livro, Rohter fala da música de Gilberto
Gil e Caetano Veloso e da tecnologia agrícola da Embrapa, de jegues e de Paulo
Coelho. O livro contém outra peça que criou polêmica, mas por razões mais,
digamos, cosméticas do que políticas: uma reportagem sobre a obesidade entre os
brasileiros. Rohter teve azar com o fotógrafo. Para ilustrar a matéria, baseada
em estatísticas do IBGE, o retratista buscou gordinhas em uma praia do Rio – e
fotografou turistas checas fofinhas como se fossem brasileiras. Os cariocas, é
claro, pegaram no pé do então correspondente. Ossos – e gorduras – do ofício. “Larry
é um profissional consumado e versátil, que escreve tanto artigos de análise
política quanto de crítica cultural. Sua visão nuançada e profunda do Brasil
assegurou que o New York Times publicasse um grande número de reportagens sobre
o país”, diz Susan Chira, que foi editora de Rohter.
De certo modo, Deu no New York Times pode ser lido como uma
versão contemporânea dos relatos de viajantes sobre a vida brasileira. Essa
tradição começou na colônia, com Jean de Léry e Hans Staden, e incluiu figuras
de proa da ciência mundial, como os naturalistas Darwin e Humboldt, que
mandavam ao então centro do mundo notícias e impressões das terras remotas que
visitavam. O Brasil não é mais o país exótico e selvagem que esses aventureiros
e cientistas buscavam – mas o olhar do estrangeiro ainda pode desvendar
aspectos inusitados para os nativos. O estrangeiro é mais desassombrado para
afrontar unanimidades nacionais – como a arquitetura de Brasília, já desmontada
por críticos como Robert Hughes e Marshall Berman e mais uma vez criticada por
Rohter. Para quem tem o ex-correspondente americano na conta de uma besta-fera
imperialista, a leitura de seu livro pode ser iluminadora: será surpreendente
ver que ele apóia algumas bandeiras caras ao atual governo. É a favor das cotas
raciais nas universidades e se mostra complacente com a ex-ministra da
Igualdade Racial Matilde Ribeiro, que caiu quando se soube de sua farra com os
cartões corporativos. Concorde-se ou discorde-se dele, Larry Rohter é um
repórter inquieto, um representante da melhor tradição americana da liberdade
de imprensa. É bom que o galo cante sem precisar da autorização do mandante da
ocasião.
“O meu relacionamento com Lula, embora esporádico, data dos
anos 70, quando ele estava surgindo como líder sindical e eu, um correspondente
recém-chegado ao Brasil, o acompanhei e o observei. Já conversei bastante com
ele, ouvindo declarações astutas e também bobagens, todas devidamente anotadas
no meu bloquinho. Já tomei água, refrigerante e até uma cachacinha com ele.
Então, fico perplexo quando ouço o presidente alegar que nunca teve nenhum
contato comigo. A verdade é comprovadamente outra”
“Também fiquei impressionado na época com as generosas
quantidades de álcool que ele consumia. Como tenho por hábito quando estou
trabalhando, eu me limitava a tomar Fanta Laranja, e me lembro de Lula me
provocar com bom humor por causa disso. ‘Que que é isso, meu caro? Um
jornalista que não gosta de beber?’. Enquanto ia de uma reunião a outra, ele
bebia o que lhe oferecessem: cachaça, uísque, conhaque para se aquecer em
manhãs frias, e mesmo a cerveja da qual ele afirma não gostar. Às vezes seus
olhos ficavam injetados e sua fala, enrolada. Era difícil dizer se isso se
devia ao álcool, porque ele estava visivelmente fatigado de tensão e falta de
sono, e tendia, mesmo quando não tinha bebido, a falar alto e divagar em
público, pulando de um tópico a outro”
“A resposta inicial foi bem o que eu esperava: uma explosão
de nacionalismo, parte dela bastante hipócrita. Em certo momento, houve um
desfile de mais de doze políticos de Brasília me denunciando em um canal de
televisão a cabo. Eu tive de rir, porque dois dos que me atacavam – um de um
partido aliado ao PT, o outro uma importante figura da oposição – tinham sido
informantes para minha reportagem e expressado suas preocupações com a recente
passividade de Lula e suas suspeitas de que ele andava bebendo em excesso”
“Contudo, devo confessar que nunca pensei que Lula e seus
assessores seriam tolos ao ponto de ordenar minha expulsão do país. Fiquei tão
chocado quanto qualquer outra pessoa quando a medida foi anunciada na noite de
terça-feira, e soube, assim que ouvi o noticiário, que eles tinham
superestimado sua força e iam sofrer uma derrota. Uma coisa era eles
invectivarem contra um gringo metido e narigudo que estava ‘manchando’ a ‘honra’
do Brasil. Mas ao tentarem me expulsar, empregando uma lei que datava dos
piores dias da ditadura militar, eles tinham ido longe demais e agora estavam
também pisando nos calos dos brasileiros”
Márcio Thomaz Bastos
“Depois, muitos de meus colegas na imprensa brasileira
retrataram Bastos como o líder sensato e cheio de princípios que havia
habilmente costurado uma resolução para uma crise desnecessária. Não partilho
essa opinião. A meu ver, o comportamento de Bastos quando retornou da Suíça foi
tortuoso e ficou aquém dos padrões éticos exigidos dele como o principal
representante legal do país. Ele tinha sido advogado pessoal de Lula antes de
ingressar no ministério, e, como ocorreu depois, durante a crise do mensalão de
2005 e 2006, agiu não para defender os interesses mais amplos da nação brasileira,
mas para favorecer os interesses partidários mais estreitos de seu antigo
cliente e do Partido dos Trabalhadores. Para mim, o verdadeiro herói não
louvado do episódio, se é que houve um, foi Sérgio Cabral, que na época era
senador pelo estado do Rio de Janeiro, e hoje é governador desse estado e um
aliado de Lula. Sem me conhecer pessoalmente, mas reconhecendo que estava em
jogo um princípio importante, ele entrou com um pedido de habeas corpus para
evitar minha expulsão”
Marco Aurélio Garcia
“Em sua função como
conselheiro de Lula em assuntos de segurança nacional e política externa,
Garcia, ex-professor universitário, parecia se ver como uma espécie de Henry
Kissinger tupiniquim, um mestre da realpolitik. A realidade, contudo, é que ele
parece mais um Renato Aragão da diplomacia, um trapalhão cujo principal talento
é bagunçar as coisas”
Lula e Bush
“As
semelhanças de Lula com George W. Bush têm mais a ver com caráter e
personalidade. Como Bush, Lula não parece ter muita curiosidade intelectual.
Ele não gosta de ler relatórios, muito menos livros, tem uma ideologia estreita
que impede que novas experiências mudem sua perspectiva, tinha muito pouca
experiência do mundo fora das fronteiras de seu próprio país antes de assumir o
governo, e disse algumas coisas notavelmente ingênuas e desinformadas enquanto
viajava pelo exterior. Ambos maltratam sua língua nativa, mas ambos são tidos
como calorosos e cativantes em situações de contato pessoal. Talvez isso
explique a afinidade que eles parecem ter desenvolvido um pelo outro: apesar de
suas diferenças ideológicas, parecem reconhecer um no outro espíritos aparentados.
De nenhum dos dois, contudo, pode-se dizer que tenha crescido em estatura ou
credibilidade enquanto ocupava o cargo”
Oscar Niemeyer
“Outro exemplo de um aspecto da cultura brasileira elogiado
muito mais do que ele provavelmente merece é a obra do arquiteto Oscar
Niemeyer. Sei que isso pode soar chocante, porque há um consenso quase
universal aqui no Brasil de que Niemeyer é um gênio. (...) Deixando de lado a
política stalinista de Niemeyer, que é execrável, há uma contradição
fundamental e irreconciliável entre o que ele professa e a obra que ele
produziu. Ele afirma querer uma sociedade baseada em princípios igualitários,
mas sua arquitetura, para usar a linguagem do mundo da computação, não é
user-friendly. Ao contrário: ela é profundamente elitista e mesmo egoísta,
concentrada principalmente em fazer declarações grandiosas e eloquentes por si
mesmas, para satisfação de Niemeyer e seus admiradores, mesmo que cause
desconforto ou inconveniência ao usuário.”
O esquema nas prefeituras petistas
“A atividade ilegal
de levantamento de dinheiro em Santo André não era um caso isolado, como
afirmavam os líderes do partido, mas era antes parte de um esquema generalizado
para acumular uma grande soma em caixa 2 para a campanha, para contrabalançar o
apoio da comunidade empresarial aos tucanos. Tinham sido dadas ordens a todos
os prefeitos do PT, minha fonte me relatou, para levantar dinheiro por todos os
meios possíveis, e cada município havia recorrido a um mecanismo um pouco
diferente para cumprir sua cota. Em Santo André eram as empresas de ônibus,
como havia ficado claro na investigação do assassinato de Celso Daniel. (...)
Em Campinas, onde o prefeito, Antonio da Costa Santos, o ‘Toninho do PT’, tinha
sido assassinado quatro meses antes de Celso Daniel, era o superfaturamento de
obras públicas e de contratos de estacionamento. E em Ribeirão Preto eram os
contratos de coleta de lixo. ‘Ribeirão Preto também?’, perguntei, um pouco
chocado, mas no mesmo instante percebendo a importância do que ouvia. Estávamos
falando obviamente da época em que Antonio Palocci era prefeito lá, e agora,
como ministro da Fazenda, ele se tornara o símbolo da adoção por Lula da
responsabilidade fiscal”
O caso Celso Daniel
“Enquanto fazia
reportagens em São Paulo no começo de 2004, eu tinha entrevistado dois dos
irmãos de Celso Daniel, um dos quais tinha se escondido depois de receber
ameaças de morte. Bruno e João Francisco Daniel disseram com toda a clareza
que, de acordo com o que seu irmão havia contado a eles, os membros mais
importantes do PT não apenas sabiam do esquema de corrupção que provocou sua
morte, como haviam desempenhado um papel ativo em sua operação. Além disso,
eles me disseram, esses membros do PT tinham confirmado para Bruno esse papel.
Em resultado disso e de outras entrevistas, minha reportagem incluía um
parágrafo, mais ou menos na metade do texto, que imediatamente disparou o
alarme no governo e no partido governante.
‘Pouco tempo depois do enterro de Celso, Gilberto Carvalho
me contou que tinha feito várias entregas em dinheiro vivo ao partido e que, em
uma ocasião, ele ficou apavorado porque estava transportando mais de 600 000
dólares em uma maleta’, disse Bruno Daniel na entrevista. ‘Ele me contou que
entregava o dinheiro diretamente a José Dirceu, e foi isso que eu disse aos
promotores’.”
Genoíno e a guerrilha do Araguaia
“As entrevistas com
Genoíno, que parecia sempre achar a imprensa estrangeira insuficientemente
respeitosa, eram sempre delicadas, e nenhuma delas foi mais delicada que esta.
Eu entrevistara Genoíno várias vezes no passado, e ele sempre mostrara
impaciência comigo e com minhas perguntas, que ele obviamente julgava serem
especialmente impertinentes. Mas esta estava fadada a ser uma situação
especialmente sensível, dada a história pessoal dele. Ele era tão suscetível a
fofocas de que se tornara um dedo-duro sob tortura e revelara informações que
comprometiam seus companheiros militantes que tinha até escrito um artigo de
jornal negando os boatos”