Nada mais cômodo para o racista politicamente correto, que
quer praticar seu racismo na frente de todo mundo, mas não quer correr nenhum
risco legal ou social com isso, do que uma tragédia como a que aconteceu
durante o último mês nessa infeliz Faixa de Gaza. Foi uma grande oportunidade
para o crime perfeito. Como o Exército de Israel despejou sobre Gaza foguetes
que destroem tudo o que encontram pela frente, incluindo gente de carne e osso,
contra um restinho de terra onde 1,7 milhão de pessoas se apertam num miserável
espaço de 360 quilômetros quadrados, só poderia haver um resultado: sangue,
lágrimas, crianças mortas e feridas, hospitais e escolas que viram entulho,
ruínas e todas as desgraças da guerra. As cenas desse horror aparecem todos os
dias. Quem pode aprovar as imagens de pais e mães em desespero, carregando nos
braços seus filhos ensanguentados? Ninguém que tenha um grama de compaixão
dentro da alma. Entra rapidamente em cena, a essa altura, o praticante do
racismo seguro: enfia-se na armadura moral fornecida pelo sofrimento dos
inocentes, e dentro dela, com toda a segurança e conforto, põe para fora suas
secretas convicções raciais contra os judeus.
É claro que muitas pessoas bem-intencionadas podem
manifestar sua indignação ética e política contra o bombardeio de Gaza e, ao
mesmo tempo, não carregar dentro de si nenhum traço de antissemitismo;
espera-se, até, que sejam a maioria dos que criticam Israel no momento. Mas
também é 100% certo que o ódio contra os judeus, seja de altos teores, seja nas
modalidades light, aproveitou o escudo oferecido pelos foguetes israelenses
para mostrar a sua cara no Brasil e no mundo. Trata-se de sentimentos que estão
aí há 2000 anos; podem estar anestesiados, mesmo porque não são aceitos nas
sociedades democráticas, mas não vão embora. No caso, sua existência fica
comprovada pela prática aberta do preconceito - antes de examinarem qualquer
fato, ou admitirem que a tragédia de Gaza tem mais de um lado, os antissemitas
escondidos no armário vêm para fora afirmando que Israel está empenhado em
exterminar fisicamente a população palestina cm sua fronteira. Atribuem aos
judeus, historicamente perseguidos, a conveniente posição de agressores cujo
objetivo estratégico seria sobreviver à custa de um “genocídio”.
Isso é simplesmente falso, a começar pelo fato de que
genocídio é outra coisa. É possível, sem dúvida, ter simpatia pela gente
eternamente sofrida da paupérrima Faixa de Gaza - mas quem se sente assim não
tem o direito de ignorar a verdade dos fatos e das realidades. O problema
começa com a recusa de pensar por cinco minutos numa evidência pouco
mencionada, mas indiscutível: a tragédia de Gaza só existe porque se disputa
ali uma guerra, atividade que exige no mínimo duas partes. Como se sabe
perfeitamente, não há guerras boas, ou justas, ou éticas, ou criteriosas, ou “proporcionais”,
como gostaria a presidente Dilma Rousseff. De que jeito pensar em bons modos
numa guerra, quando a sua meta principal é a prática do homicídio? Guerras
exigem que os combatentes cometam assassinatos, por mais legais que sejam
considerados; eles recebem ordens superiores para matar, e são obrigados a
obedecê-las, sob pena de acabarem numa corte marcial. Aliás, quanto mais seres
humanos matarem, melhor - vão receber medalhas, promoções e diploma de heróis
da pátria. Que moralidade pode haver diante dessa insânia?
É excluído da discussão, também, o fato de que Israel está
em guerra com os palestinos de Gaza porque responde aos ataques sistemáticos de
foguetes lançados a esmo contra seu território. Não é sua culpa se, por
defender-se com mais competência, mata 2 000 inimigos e suas baixas ficam
limitadas a cinquenta ou sessenta pessoas. Qual a alternativa? Matar seus
próprios cidadãos para equilibrar a conta, já que o comando palestino não consegue
fazer isso? Recusar-se a responder à agressão também não é uma alternativa -
nem evitar a morte de civis do outro lado, num território sessenta vezes menor
que o de Sergipe e onde os chefes usam hospitais e escolas como arsenais, com o
único propósito de transformá-los em alvos militares e gerar as imagens que
chocam todo o mundo. Não se sabe, enfim, como os judeus poderiam esperar uma
negociação, quando o outro lado exige a extinção do Estado de Israel para
baixar as armas - aberração que muitos dos indignados com o desastre de Gaza
insistem que os judeus deveriam aceitar para que se obtenha a paz.
Sabem que não pode dar certo nunca. É isso mesmo que
esperam.