No Brasil, é permitido chutar a
santa.
No Brasil, é permitido dizer que
Jesus Cristo era um banana.
No Brasil, é permitido sacanear
com igual ignorância ou sabedoria o sagrado e o profano.
E não esperem ler aqui a defesa
de alguma forma de censura. Cada um diga o que quiser. E arque com as
consequências aceitáveis na democracia. É a natureza do jogo.
Mas um território se pretende
verdadeiramente divino e imune à crítica: o do petismo, incluindo os espaços
que ele diviniza. Os quatro analistas do Santander, como sabemos, foram para a
fogueira em razão de um texto sacrílego.
Nesta semana, mais uma
não-notícia ganhou ares de escândalo, inflamando o espírito jihadista. A
consultoria Rosenberg Associados, numa síntese notável, considerou que Dilma
ainda é a favorita, mas emendou: “O cenário mais provável é a continuidade da
mediocridade, do descompromisso com a lógica, do mau humor prepotente do poste
que se transformou em porrete contra o senso comum”.
É só a opinião de uma
consultoria. Fez-se uma gritaria danada na imprensa. Alberto Cantalice,
vice-presidente do PT e autor da lista negra de jornalistas (estou lá, o que me
honra), afirmou que o partido iria ignorar a avaliação. Mas o seu exército pediu
que se queimassem as bruxas.
Segundo a metafísica dos
fanáticos –e isto, ao menos, essa gente preserva do socialismo–, é preciso
fulminar a opinião contrária como expressão do Mal. A crítica nunca é tomada
como um caminho legítimo, ainda que errado.
Alguém considera, por exemplo,
ruim ou péssima a gestão de Fernando Haddad em São Paulo, como fazem 47% dos
paulistanos? Descarte-se as possibilidades de o prefeito ser incompetente, ter
errado nas escolhas ou alimentar interesses menores –afinal, só os “inimigos”
os têm. Os descontentes ou estão a serviço da reação ou são pessoas abduzidas
por um espírito maligno, que as faz perder a capacidade até de arbitrar o que é
melhor para si mesmas.
A matriz dessa visão de mundo é o
fascismo, de direita ou de esquerda. Os novos arautos, como antes, falam em
nome do progresso, da igualdade e do Bem. Foi com a colaboração de obreiros
assim que Hitler e Stálin se apresentaram como engenheiros de homens. Mataram
milhões sem piscar. A tarefa de transformar o morticínio em teoria política, em
categoria de pensamento e numa forma de ascese ficou a cargo de intelectuais
–incluindo os da imprensa.
O tucano Aécio Neves está
padecendo nas mãos do espírito miliciano deste tempo. Um candidato de oposição,
Santo Deus!, é constrangido a evitar críticas ao governo, ou pesará sobre ele a
suspeita de que, se eleito, vai punir os pobres. Não era diferente com Eduardo
Campos, tornado agora um respeitável sonhador morto. Quem o viu no “Jornal
Nacional” pode ter ficado com a impressão de que era candidato à Presidência
não porque tivesse algo a dizer, mas porque não tinha como escapar dos
entrevistadores. Outro elogia o homem “que buscava o sonho”. Huuummm... Só não
conseguia aceitar o político que buscava outra... realidade! Admiro o decoro
com cadáveres, desde que se respeitem os vivos.
A imprensa é a primeira a
demonstrar, com correção, que uma política desastrada de combate à inflação
jogou parte da conta nas costas da Petrobras, cujo valor de mercado despencou.
Ai de Aécio, no entanto, se apontar o desastre! Com ar inquiridor, lá vem a
pergunta: “Então, se o senhor vencer a disputa, vai elevar o preço dos
combustíveis?” Se ele diz “não”, passa a ser usuário do mal que denuncia; se
diz “sim”, ninguém quer saber como e quando a correção seria feita. Busca-se um
título ou uma síntese bucéfala: “Se eleito, tucano diz que aumenta o preço da
gasolina”.
“É uma pergunta legítima”, dirá
alguém. Tudo o que interdita o debate e torna a realidade ainda mais obscura
agride a verdade e o processo democrático. De resto, é preciso definir se
entrevistadores perguntam para, de fato, saber ou para desmoralizar o
entrevistado. Será assunto de outra coluna.
Está com vontade de criticar a
Dilma, leitor? Não seja herético ou iconoclasta! Chute a imagem de Nossa
Senhora, a santa que a governanta já chamou de... “deusa”!