O espetáculo de horror dos funcionários públicos do Brasil
nas universidades portuguesas.
O que seria civilização do espetáculo? Na visão de Vargas
Llosa, prêmio Nobel de Literatura, quer dizer que o primeiro lugar da tabela de
valores é ocupado pelas vaidades e frivolidades.
Vivendo há cerca de quatro anos aqui em Lisboa, onde tive a
satisfação de fazer toda a minha trajetória acadêmica (graduação,
especialização e mestrado – com recursos próprios), presenciei um dos espetáculos
mais horrendos que um estudante -entusiasmado em acumular capital humano e
retornar ao seu país para contribuir com alguma mudança- pode ter vivenciado;
que foi o de ter contato, assistir aulas e algumas apresentações de trabalho
num mestrado de Direito, cuja maioria dos alunos era formada por funcionários
públicos de escalão elevado no Brasil, majoritariamente, magistrados e
representantes do Ministério Público, ou seja, juízes e promotores.
A ideia fictícia (que eu tinha) de que eram detentores de conhecimento
enciclopédico e erudição diferenciada esvaneceu-se com o passar de poucos dias,
ou quiçá horas. Mas isso por si só não
causaria tanta estupefação da minha parte e nem seria motivo relevante para
exasperação (e por que não vergonha?), não fosse o que veio em seguida. A falta
de conhecimento, pouquíssima leitura, o nível das discussões (dignas de aluno
de 1º ano de qualquer universidade de quinta), as apresentações de trabalhos –
todas lidas de forma maçante do início ao fim, fazendo com que os professores
não tivessem outro método para avaliar os alunos a não ser aceitando aquele
teatro risível, pois a maioria utilizava do mesmo artífice, senão,
indubitavelmente, todos estariam reprovados. É como se houvesse uma “avaliação
de exceção” para arguir os alunos brasileiros deste mestrado.
São funcionários públicos que tiram licença remunerada de um
ou dois anos (vale ressaltar aqui que o mestrado tem obrigatoriedade de apenas
um ano para cumprimento das unidades curriculares) para estudar com o dinheiro
do pagador de impostos brasileiro, enquanto o trabalhador da seara privada se
quiser fazer o mesmo, inexoravelmente, terá de tirar do próprio bolso. E, caso
queira licenciar-se do trabalho, não terá direito a receber nada (o que é mais
do que justo para qualquer empregador que tem seu funcionário afastado de suas
funções, certamente o Estado deveria proceder da mesmíssima maneira, ao invés
de enviar, a esmo, seus servidores para viagens lúdicas de “formação”).
Com efeito, no intuito de elencar aqui alguns episódios de
terror, eu poderia destacar os principais despautérios que eu ouvi neste
(in)profícuo convívio: (I) um professor a falar que o trabalho/ apresentação do
aluno não poderia ser levado a sério nem em uma graduação, e que era o
pior já visto
na carreira dele.
O trabalho em questão fora apresentado
por uma promotora de
justiça; (II) certa
vez um aluno
deste mesmo mestrado
não sabia o que
significava a palavra: “fálico” (risos!); (III) um aluno em sua apresentação
disse que a soberania do Estado era um
direito fundamental – o que para qualquer pessoa (de qualquer área)
minimamente informada isso é um tremendo disparate, pois os direitos
fundamentais foram estabelecidos para pessoas e não para Estados. Quem disse
isso foi um juiz; (IV) que a Primeira Guerra Mundial começou em 1919; e (V)
certo promotor não sabia quem era Angela Merkel. Pasmem! A lista poderia se
alongar, mas o estômago assim não permite e a prosa vai começar a parecer
piada. Acredite, não é.
Os pontos aqui são vários. Pode-se criticar o processo de
admissão, especificamente desta universidade, em relação aos alunos
brasileiros. Sim. Isso, em minha opinião, deriva do fato de a Europa estar
engolfada numa crise causando sérios déficits em vários cursos de suas
universidades – neste caso, alguns brasileiros servem para “preencher lacunas”
e gerar receitas para as universidades dos patrícios em dificuldade. Importante
ressaltar que por aqui até as universidades públicas são pagas. Mas isso é para
outra digressão. Eu, como cidadão brasileiro, observo esse dos males o menor,
já que a minha preocupação real é com a educação do lado daí do oceano.
Esta deliquescência brasileira suscita várias questões: (I)
a falta de comprometimento das instituições no Brasil em não ter o mínimo de
critério ao enviar esses “alunos” para estudar fora – eu vejo mais ou menos
como um Ciência Sem Fronteiras para os servidores públicos (tanto do lado da
facilidade quanto da (in)competência); (II) as universidades europeias, em
geral, atravessadas em crise, estão com um enorme exiguidade de alunos, isso
faz-se entender (e entender não é sinônimo de concordância) o porquê da
flexibilização nos processos de admissão –tanto que, nesta turma onde
presenciei estes espetáculos, todos os alunos eram brasileiros, e a maioria com
o perfil supramencionado.
Generalizar é sempre temerário, por conseguinte, escuso-me a
fazê-lo. Deve haver algures um ou dois alunos com competência e discernimento
que fuja deste rótulo de ignaro. Infelizmente, não estava(m) presente(s) nas
quarelas acadêmicas em que eu participei.
Por fim, eu acredito que apenas a especificidade da matéria
do Direito, em que se debruçam os próceres do nosso sistema jurídico no dia a
dia, seja insuficiente para tratar de tantos conflitos em função do Dédalo que
é natureza humana. É minimamente necessário, alargar um pouco mais essa tapa
(objeto que os cavalos usam para não olhar para os lados) principalmente no
campo humanístico. Sentar nos livros após a aprovação de um concurso –
nomeadamente nos cargos desta envergadura- é, moralmente, odioso e, eticamente,
reprovável.
*Cientista político e mestrando em Ciência Política na
Universidade Nova de Lisboa